Ana Gomes defende a constituição da comossão de inquérito FOTO: Nuno Ferreira Santos/Arquivo
Nuno Ribeiro (http://www.publico.pt/autor/nuno-ferreira) e Lurdes Barbosa (http://www.publico.pt/autor/lurdes.ferreira) 08/01/2014 - 20:30
País asiático tinha em
vista uma encomenda para a construção de navios-patrulha. Ana Gomes, primeira
embaixadora portuguesa em Jacarta, revelou ao PÚBLICO o episódio que ocorreu
entre 2001 e 2004
A
indonésia manifestou interesse em conhecer os Estaleiros Navais de Viana do
Castelo (ENVC), no âmbito de uma encomenda para
construção de navios-patrulha, mas nunca obteve resposta de Portugal. A
revelação foi ontem feira ao PÚBLICO por Ana Gomes, então primeira embaixadora
do país em Jacarta e o episódio, revelador da escassa ambição comercial e
interesse governamental a que estiveram sujeitos os ENCV, passou-se entre 2002
e 2004.
“Bastava
convidá-los, mas nada foi feito”, salientou a actual deputada socialista,
referindo-se a um convite de Portugal às autoridades indonésias para visitarem
as instalações. O primeiro passo normal de um negócio deste tipo que, no
entanto, nunca se chegou a verificar para surpresa de Jacarta.
Para além do âmbito comercial, a construção dos navios patrulhas de grandes dimensões que transportavam helicópteros, tinha uma importante dimensão diplomática. Com aquela potencial encomenda, Lisboa e Jacarta traduziriam o novo relacionamento depois da ocupação da Indonésia de Timor-Leste. Um símbolo de cooperação, ainda mais no domínio militar, portanto de redobrado significado do novo tempo entre os dois países.
Então, a diplomata Ana Gomes não pensava que, 13 anos depois os
estaleiros de Viana a viriam a ocupar. Em carta de 20 de Dezembro a Joaquin
Almunia, vice-presidente da Comissão Europeia e comissário para a Concorrência, relatou em três páginas ter enviado à Procuradoria-Geral
da República (PGR) uma queixa- crime
contra pessoas incertas por suspeita da prática de corrupção, tráfico de
influência, abuso de poder e favorecimento de interesses privados. Trata-se de
delitos que a eurodeputada atribui à subconcessão pelo Estado português dos
terrenos e infra-estruturas dos ENVC à Navalria/Martifer.
Na carta à PGR, da mesma data, Ana Gomes articula em 58 pontos os fundamentos da sua queixa.
Destaca que o comissárioAlmunia se mostrou surpreendido pelo Governo português
nunca ter invocado junto de Bruxelas o facto de os ENVC construírem navios para a Marinha portuguesa. O que, como o
PÚBLICO revelou na edição de passado domingo, permitiu aos estaleiros públicos
de Navantia, em Ferrol, Galiza, sobreviverem e terem uma carga de trabalho garantida por encomendas da
Turquia. Segundo a eurodeputada socialista, com a justificação desta
contrapartida para o quadro de segurança europeia, as ajudas de Estado passavam a ter um enquadramento diferente.
“O Governo português nunca utilizou este argumento, que o comissário
Almunia considera de peso e a que os gregos recorreram”, observa Ana Gomes.
“Aliás, o que ministro da Defesa, Aguiar-Branco, fez foi cancelar os contratos
de construção da marinha portuguesa, destaca. Aos
ENVC foram retiradas as encomendas de oito patrulhas oceânicos da mesma classe
dos já botados Viana do Castelo e Figueira da Foz, dois dos quais destinados ao
combate à poluição e balizagem, e oito lanchas de fiscalização costeira.
Missões que são agora realizadas por navios com 40 anos de vida, alguns
desenhados para navegarem nos rios de África durante a guerra colonial. Dos
estaleiros de Viana devia sair ainda um navio polivalente logístico para os
três ramos e transporte de helicópteros, um projecto alemão no âmbito das
contrapartidas dos submarinos.
“Outra forma de explicar as ajudas públicas aos estaleiros era
declarar a empresa em dificuldades e apresentar um plano de reestruturação, como estava previsto em 2009 com o Governo Sócrates”, salientou a eurodeputada. Então, entraria em
vigor o sistema de tax lease que permitiu a recuperação dos estaleiros
de Vigo, a escassos
100 quilómetros de Viana do Castelo.
“Quem levanta a lebre sobre a situação dos estaleiros em Bruxelas é o
Governo português quando comunica estar em curso um processo de privatização”, revela. Segue-se a abertura de um processo de infracção à privatização, em Abril de 2013. A eurodeputada contesta a
exigência de devolução de 181 milhões de euros, argumentada pelo executivo.
“Devolver a quem? Do Estado (ENVC) ao Estado (administração). É uma operação contabüística, não há qualquer devolução à Europa”, garante.
Sobre o
contrato de subconcessão à Martifer, Ana Gomes destaca que o caderno de
encargos não previa a obrigação de manter postos de trabalho nem de manter a
construção naval, apenas a reparação. A subconcessão, acusa ainda, também não
prevê o recurso à decisão arbitrai ou a tribunais estaduais.
Não menos
importante é o facto de “o Estado estar a passar carga de trabalho para a nova
empresa” com os dois asfalteiros para a Venezuela, quando o negócio foi feito
Estado a Estado. “Isto é uma matéria de intervenção para a Comissão Europeia”,
garante.
O PS deve
aprovar uma comissão de inquérito ao processo de subcontratação dos Eestaleiros
de Viana do Castelo, mesmo que a maioria imponha uma análise desde 2000,
incluindo a acção dos governos socialistas”, afirma. “Houve erros de gestão
desde há muito tempo”, admite. “É bom que se esclareça tudo, do Atlântida aos
asfalteiros da Venezuela, o PS nada tem a esconder, se existirem erros de
gestão, assumem-se”, conclui.
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