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segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O Eurostat Mede Bem a Pobreza e a Exclusão Social? Cuidado, Está Prestes a Ler um Post com Estatística (Simplificada)

O Economista Português
Um blog de Economia Política e de Política Económica

Publicado em Fevereiro 9.2012

O Eurostat publicou ontem um indicador sobre a população da União Europeia (Ue) em risco de pobreza ou de exclusão social em 2010. Na Ue27, estão nestes casos 23% da população e 27% dos menores de 18 anos. A Ue27 é a dos 27 Estados-membros. Aquele valor sobe em Portugal para 25,3%. O nosso país está a meio da tabela. A situação é pior nos países ex-comunistas.

Por comparação com 2009, houve um agravamento ligeiro, de 0,3 pontos percentuais, que no nosso país foi de 0,4 pontos. A modéstia do agravamento não surpreende, pois em 2010 a crise económico-financeira ainda não tinha recomeçado a agravar-se. Os dados estão em


Quando examinamos com mais atenção os dados deste indicador, descobrimentos outros aspetos mais interessantes. O indicador assenta em três outros indicadores analíticos; vejamo-los, um por um:

  1. Risco de pobreza: são os que vivem em lares abaixo de 60% da mediana do rendimento disponível equivalizado, depois das transferências sociais. Equivalizado resulta da divisão do rendimento familiar pelos coeficientes seguintes: 1 para o primeiro adulto, 0,5 para os maiores de 14 anos e 0,3 para os menores de 14 anos. A mediana é o valor central que obtemos depois de escrevermos todos os valores por ordem crescente ou decrescente (nos valores 1,2,3 ou 3,2,1 a mediana é 2).
  2. Privação material severa: são pessoas que estão em pelo menos 4 das seguintes 9 categorias: não conseguem 1) pagar a tempo a renda ou as prestações da casa, nem as faturas de água, luz, eletricidade; 2) aquecer-se convenientemente; 3) fazer frente a despesas inesperadas; 4) comer carne, peixe ou uma proteína equivalente dia sim dia não; 5) uma semana de férias fora de casa; 6) um automóvel; 7) um televisor a cores, 8) uma máquina de lavar a roupa 9) um telefone, incluindo um TM.
  3. Pessoas vivendo em lares com baixa intensidade de trabalho: os que têm 0-59 anos e vivem em lares em que os adultos (18-59) trabalharam em média menos de 20% do seu potencial total durante o ano anterior; os estudantes são excluídos.
O Eurostat soma os indivíduos que caem em cada uma das três anteriores categorias e calcula esse total em percentagem da população. Este critério equivale a atribuir igual peso a cada um dos três critérios. Como o leitor reparou, só o critério da privação material é independente do nível de rendimento: 60% do rendimento médio disponível na Suécia ou em Portugal correspondem a valores bem diferentes. O critério «Pessoas vivendo em lares com baixa intensidade de trabalho» também não depende do nível de vida.

Como devemos interpretar estes três indicadores e o indicador por eles formado?

§  Recorrendo sobretudo a critérios formais, o indicador do Eurostat faz os ricos parecerem mais pobres do que são e, em simetria, faz os pobres parecerem mais ricos do que são. Por muito rico que seja um país, exceto se for muito igualitário, haverá uma dada percentagem dos seus cidadãos vivendo abaixo da média dos rendimentos. Mas viver abaixo da média não é sinónimo de estar excluído. Por isso, prejudica os pobres e favorece os ricos.
§  É claro que o indicador foi parturejado por cidadãos de países ricos do norte da Europa. Reparou que um critério de pobreza é não haver capacidade de aquecimento do lar — mas é esquecida a capacidade de arrefecimento, que faz falta na Sicília, na Andaluzia, talvez mesmo no Alentejo, mas parece dispensável em Estocolmo ou em Berlim.
§  Uma terceira observação é de outra ordem: o indicador tem apenas em conta bens materiais. Ora é conhecido que, para o mesmo rendimento monetário, uma pessoa socialmente integrada é mais feliz do que outra pessoa de fraca integração social. É paradoxal que num indicador dito de exclusão social não haja indicadores sociológicos de...  exclusão social.

Uma última observação resulta de um exame preliminar do critério «Pessoas vivendo em lares com baixa intensidade de trabalho». O gráfico seguinte foi elaborado a partir desse critério. 
                



Por este critério, os Europobres, ao centro do gráfico, estão melhor do que os Eurorricos, à esquerda. É o contrário do que sucede na maioria dos indicadores económicos que O Economista Português tem publicado e nos qual os Eurricos seguem em frente. Os ex-comunistas, à direita no gráfico, são os piores - e para eles deslocámos os países que noutras ocasiões classificámos entre os Europobres, os pobres da Eurozona. Mas não é clara a razão por que assim acontece. Talvez seja por este critério sofrer de um erro. Vejamos melhor.


Quando examinamos o critério «Pessoas vivendo em lares com baixa intensidade de trabalho», logo verificamos que ele devia estar bem correlacionado com a taxa de desemprego pois é ela a sua única variável independente. Variável Independente  corresponde, no paradigma das causas, à causa de um certo acontecimento; no caso vertente, a taxa de desemprego doméstica depende da taxa de desemprego laborai. Com efeito, entra neste critério quem vive numa unidade cujos adultos trabalham menos de um quinto do seu tempo potencial; estando desempregados, não trabalham e os que com eles vivem, vivem em lares com um desempregado. Suspeitámos que essa correlação falharia pois a relação entre as taxas de desemprego espanhola e portuguesa é maior do que entre os respetivos os valores de pobreza e exclusão. Para a taxa de desemprego usámos também dados do Eurostat, relativos a 2010; não os reproduzimos no presente post, tal como não reproduzimos os valores do indicador sintético de pobreza e exclusão social. Quando calculamos a correlação linear, vemos que o respetivo coeficiente é muito baixo, quase nulo: 0,3. O coeficiente de correlação mede a semelhança entre dois conjuntos de números. Se forem semelhantes, é 1, o valor máximo, a correlação é forte. Se forem dissemelhantes, se nada tiverem a ver um com o outro, é o (zero), o que indica uma correlação nula. O coeficiente pode ser positivo, se os dois conjuntos de números variam na mesma direção, ou negativo, se um conjunto aumenta quando o outro decresce; neste caso, o valor máximo é -1. No nosso caso, o coeficiente é positivo - o número de pessoas vivendo em lares com desempregados aumenta com o aumento da taxa de desemprego - mas a relação entre o desemprego e a habitação com desempregados parecia dever ser forte e é fraca.

O Eurostat fez bem as contas, com certeza, mas aquela fraca correlação sugere que há variáveis ocultas, não registadas: trabalhadores com mais de 59 anos ou distribuições etárias diferenciadas, ambas com diferentes efeitos sociais. Ou a apresentação do indicador é menos clara do que devia ser, por não explicar bem a passagem da taxa de desemprego no local de trabalho à taxa de desemprego no local de habitação.




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