O Economista Português
Um blog de Economia Política e de Política Económica
Publicado
em Fevereiro 9.2012
O Eurostat publicou
ontem um indicador sobre a população da União Europeia (Ue) em risco de pobreza
ou de exclusão social em 2010. Na Ue27, estão nestes casos 23% da população
e 27% dos menores de 18 anos. A Ue27 é a dos 27 Estados-membros. Aquele valor
sobe em Portugal para 25,3%. O nosso país está a
meio da tabela. A
situação é pior nos países ex-comunistas.
Por comparação com
2009, houve um agravamento ligeiro, de 0,3 pontos percentuais, que no nosso país
foi de 0,4 pontos. A modéstia do agravamento não surpreende, pois em 2010 a
crise económico-financeira ainda não tinha recomeçado a agravar-se.
Os
dados estão em
Quando examinamos com mais atenção os dados deste indicador, descobrimentos outros aspetos mais interessantes. O indicador assenta em três outros indicadores analíticos; vejamo-los, um por um:
- Risco
de pobreza: são
os que vivem em lares abaixo de 60% da mediana do rendimento disponível
equivalizado, depois das transferências sociais. Equivalizado
resulta
da divisão do rendimento familiar pelos coeficientes seguintes: 1 para o
primeiro adulto, 0,5 para os maiores de 14 anos e 0,3 para os menores de
14 anos. A mediana é o valor
central que obtemos depois de escrevermos todos os valores por ordem
crescente ou decrescente (nos valores 1,2,3 ou 3,2,1 a mediana é 2).
- Privação
material severa: são pessoas que estão em pelo menos 4 das seguintes
9 categorias: não conseguem 1) pagar a tempo a renda ou as prestações da
casa, nem as faturas de água, luz, eletricidade; 2) aquecer-se
convenientemente; 3) fazer frente a despesas inesperadas; 4) comer carne,
peixe ou uma proteína equivalente dia sim dia não; 5) uma semana de férias
fora de casa; 6) um automóvel; 7) um televisor a cores, 8) uma máquina de
lavar a roupa 9) um telefone, incluindo um TM.
- Pessoas vivendo em lares com baixa intensidade de trabalho: os que têm 0-59 anos e vivem em lares em que os adultos (18-59) trabalharam em média menos de 20% do seu potencial total durante o ano anterior; os estudantes são excluídos.
Como devemos interpretar estes três
indicadores e o indicador por eles formado?
§
Recorrendo sobretudo a critérios formais, o
indicador do Eurostat faz os ricos parecerem mais pobres do que são e, em
simetria, faz os pobres parecerem mais ricos do que são. Por muito rico que
seja um país, exceto se for muito
igualitário, haverá uma dada percentagem dos seus cidadãos vivendo abaixo da
média dos rendimentos. Mas viver abaixo da média não é sinónimo de estar
excluído. Por isso, prejudica os pobres e favorece os ricos.
§
É claro que o indicador foi parturejado por
cidadãos de países ricos do norte da Europa. Reparou que um critério de
pobreza é não haver capacidade de aquecimento do lar — mas é esquecida a
capacidade de arrefecimento, que faz falta na Sicília, na Andaluzia, talvez
mesmo no Alentejo, mas parece dispensável em Estocolmo ou em Berlim.
§
Uma terceira observação é de outra ordem: o indicador
tem apenas em conta bens materiais. Ora é conhecido que, para o
mesmo rendimento monetário, uma pessoa socialmente integrada é mais feliz do
que outra pessoa de fraca integração social. É paradoxal que num indicador dito
de exclusão social não haja indicadores sociológicos de... exclusão social.
Uma última
observação resulta de um exame preliminar do critério «Pessoas vivendo em lares
com baixa intensidade de trabalho». O gráfico
seguinte foi elaborado a partir desse critério.
Por este
critério, os Europobres, ao centro do gráfico, estão melhor do que os
Eurorricos, à esquerda. É o contrário do que sucede na maioria dos indicadores
económicos que O Economista Português tem publicado e nos qual os
Eurricos seguem em frente. Os ex-comunistas, à direita no gráfico, são os
piores - e para eles deslocámos os países que noutras ocasiões classificámos
entre os Europobres, os pobres da Eurozona. Mas não é clara a razão por que
assim acontece. Talvez seja por este critério sofrer de um erro. Vejamos
melhor.
Quando
examinamos o critério «Pessoas vivendo em lares com baixa intensidade de
trabalho», logo verificamos que ele devia estar bem correlacionado com a taxa
de desemprego pois é ela a sua única variável independente. Variável
Independente corresponde, no
paradigma das causas, à causa de um certo acontecimento; no caso vertente, a
taxa de desemprego doméstica depende da taxa de desemprego laborai. Com
efeito, entra neste critério quem vive numa unidade cujos adultos trabalham
menos de um quinto do seu tempo potencial; estando desempregados, não trabalham
e os que com eles vivem, vivem em lares com um desempregado. Suspeitámos que
essa correlação falharia pois a relação entre as taxas de desemprego espanhola
e portuguesa é maior do que entre os respetivos
os valores de pobreza e exclusão. Para a taxa
de desemprego usámos também dados do Eurostat, relativos a 2010; não os
reproduzimos no presente post, tal como não reproduzimos os valores do
indicador sintético de pobreza e exclusão social. Quando calculamos a
correlação linear, vemos que o respetivo
coeficiente é muito baixo, quase nulo: 0,3. O coeficiente de correlação mede a semelhança entre dois conjuntos de
números. Se forem semelhantes, é 1, o valor máximo, a correlação é forte. Se
forem dissemelhantes, se nada tiverem a ver um com o outro, é o (zero), o que
indica uma correlação nula. O coeficiente pode ser positivo, se os dois
conjuntos de números variam na mesma direção,
ou negativo, se um conjunto aumenta quando o
outro decresce; neste caso, o valor máximo é -1. No nosso caso, o coeficiente é
positivo - o número de pessoas vivendo em lares com desempregados aumenta com o
aumento da taxa de desemprego - mas a relação entre o desemprego e a habitação
com desempregados parecia dever ser forte e é fraca.
O Eurostat
fez bem as contas, com certeza, mas aquela fraca
correlação sugere que há variáveis ocultas, não registadas: trabalhadores com
mais de 59 anos ou distribuições etárias diferenciadas, ambas com diferentes
efeitos sociais. Ou a apresentação do indicador é menos clara do que devia ser,
por não explicar bem a passagem da taxa de desemprego no local de trabalho à taxa
de desemprego no local de habitação.
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