Ocupantes da Praça da Independência, abrigados atrás das barricadas e protegendo-se como podem do frio, criam uma cidade alternativa com a sua própria imprensa e o seu serviço de ordem
BRAÇO
DE FERRO. Desta vez Moscovo
tenta comprar a lealdade ucraniana, não com o
fecho da torneira do gás
natural mas com o seu fornecimento mais
barato. Nada que intimide os manifestantes de Kiev, como constatou a reportagem
do Expresso
Nas
últimas semanas, todos
os dias ao fim da tarde, Julia Yatsenko marca presença em Maídan, nome pela
qual é conhecida a Praça da Independência, no coração de Kiev.
Esta
contabilista de 28 anos, nada e criada na capital, orgulha-se da determinação ucraniana
contra o Presidente Viktor Ianukovich.
Sentada junto a uma fogueira que ajuda a
superar o rigoroso inverno ucraniano. Julia explica
que tudo começou com a decisão presidencial de rejeitar o acordo com a União
Europeia (EU).
“Foi a gota de água que nos trouxe à rua.
Não nos faltam problemas sociais, económicos e políticos. Problemas que o
Presidente pouco ou nada faz para resolver”. Uma opinião
imediatamente partilhada por uma dezena de outros à volta da fogueiras.
Duas ucranianas junto a uma das barricadas que
interditam a Praça da independência às forças policiais
Desde 21 de Novembro, quando Ianukovich trocou o tratado comercial com a EU por um
reforço da relação comercial e política com Moscovo, Maídan tornou-se palco de um dos
maiores protestos da década.
Centenas de pessoas vieram para a rua contestar a, aparentemente
inesperada, decisão presidencial. Nos
dias que se seguiram, incentivados pelas palavras da ex-primeira-ministra e rival política de Ianukovich, Yulia Tymoshenko (a cumprir
uma pena de prisão de sete anos por alegada corrupção) o movimento cresceu e a
multidão em Maídan superou as 100 mil pessoas.
Numa tentativa de dispersar os manifestantes
que continuavam a chegar de toda a parte do país, as forças policiais avançaram
e houve batalha campal. Indignado com
a violência policial, o povo acampou na praça e acabou por ocupar os paços do
concelho e outros edifícios públicos.
Os jogos diplomáticos
Vejamos
o filme dos acontecimentos das últimas semanas. Representantes
da EU em Bruxelas têm-se mostrado dispostos a voltar à mesa das negociações com
Kiev e acusado Vladimir
Putin e a
Rússia de “pressão inaceitável” sobre o Governo ucraniano.
A 29
de Novembro, numa cimeira com a UE na capital lituana, Vilnius, lanukovich recusa
oficialmente assinar o tratado proposto por Bruxelas. Na noite seguinte, a polícia
faz uma segunda tentativa para desalojar
os manifestantes.
O nível
de violência desperta a atenção de governos e media de todo o mundo, falando-se
numa segunda Revolução Laranja (movimento
de 2005 que levou à repetição de eleições ganhas per um candidato
pró russo por indícios de manipulação e à inversão
dos resultados numa posterior votação).
Ao
amanhecer, 350 mil pessoas juntaram-se em Maídan, e após novos
confrontos, a praça tornou-se num bastião anti-Ianukocich. Edíficios
oficiais passaram a sedes dos
movimentos de oposição. Nos acessos à praça,
debaixo de um forte nevão, nasciam barricadas de madeira, ferro, tijolos e
pneus, guarnecidas por manifestantes aguerridos.
A praça da Liberdade
Esta situação dura há
semanas e a
reportagem do Expresso foi encontrar ativistas de capacete e bastão a controlar as estreitas
vias de acesso à praça. Lá dentro há tendss de campanha e, em cozinhas comunitárias
preparam-se refeições para os milhares de ocupantes.
Ao
centro, num enorme palco com ecrãs gigantes, há diariamente concertos de artistas locais bem como discursos de lideres da oposição, de ativistas e de delegações diplomáticas
estrangeiras, como foi o caso do senador norte-americano John McCain, que aqui
manifestou o seu apoio aos manifestantes.
Trajado
com roupa tradicional das montanhas dos Cárpatos, Sergey um veterano do Exército
Vermelho que combateu no Afeganistão, controla quem entra e sai da praça.
“Aqui
vem gente de todo o lado, de todas as idades, classes sociais e profissões”, explica
o ex-soldado enquanto vai avisando quem chega de cigarro na mão de que “aqui não
é permitido fumar”.
Questionado
sobre quem financia a bem organizada operação levada a cabo pelos ativistas. Sergey explica que há
muita gente que não está fisicamente presente na praça, mas se move nos bastidores.
“Temos
gente a recolher donativos que são usados
para comprar alimentos, roupa, madeira
e tudo mais que faça falta a quem aqui pernoite. Há, também, pessoas influentes, como empresários e políticos,
que nos ajudam monetariamente para que este protesto continue até que o Presidente tenha a decência de se
demitir”, conclui Sergey.
Rublos contra protestos
Viktor Ianukovich e o
seu Governo sobreviveram a uma moção de confiança no Parlamento e tentam ganhar
tempo para encontrar uma solução para a crise política e económica. Nos últimos 15 dias o banco central foi forçado a intervir
para defender a cotação da moeda nacional, a Hryvnia.
Ianukovich
lançou uma operação diplomática que
envolveu uma visita à China, onde terá conseguido apoios financeiros de seis mil
milhões de euros.
Reuniu
também com Vladimir Putin que terá seduzido o líder ucraniano com a garantia de
que Moscovo comprará 10 mil milhões de euros de dívida soberana e ainda fará um
desconto de um terço no preço do gás natural
fornecido pela Rússia.
Promessas
que, segundo os Presidentes de ambos os países, libertam a Ucrânia de um risco imediato
de bancarrota. Putin tinha já avisado o Ocidente para não interferir na vizinha
Ucrânia, e muitos veem este acordo (apresentado como alternativa à aproximação
comercial à UE) como um recado do Presidente russo aos europeus e americanos; Moscovo
ainda tem peso junto dos países da ex-URSS.
“Se o Presidente
pensa que o negócio com a Rússia vai satisfazer o povo, está muito enganado. O
número de manifestantes tem diminuído. Mas seremos muitos a ficar aqui até que
ele explique o que ofereceu a Putin para garantir o negócio”, afirma JUlia que,
mais uma vez, está de volta à praça.
“O
povo quer mudança e ninguém está disposto a esperar por 2015 (data das eleições
presidenciais) para Inukovich ser substituído. Temos um Presidente com mais
poder do que o de qualquer outro país”, explica, ao referir-se às alterações
constitucionais que Ianukovich é acusado de ter elaborado para lhe garantir
mais poder.
Para
Julia os ucranianos não podem ter o Presidente agarrado à cadeira muito mais
tempo. “Faça chuva ou vento, enquanto houver Ianukovich, hei-se vir a Maídan
todos os dias até a nossa vontade ser ouvida.
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