Ninguém está a reflectir sobre o pós-troika. Nem o PSD, nem o PS
1. Comecemos por cá. Este será,
inexoravelmente, o ano do fim do resgate, que se espera único, e das
modalidades de programa cautelar que podemos negociar com os nossos parceiros
europeus. Será um momento importante, mas ainda não sabemos como será. Por um
lado, a Europa (Berlim, sobretudo) quer ver-se livre dos programas de
ajustamento, para provar que estavam certos (mesmo não estando, mas isso é um
pequeno pormenor) e para tranquilizar a opinião pública. Uma das razões pelas
quais a Irlanda optou por uma "saída limpa" foi a pressão de Berlim
para garantir um caso de absoluto sucesso. Antes das eleições, a chanceler
queria dizer aos alemães que, afinal, valera a pena ajudar os irlandeses.
Ganhas as eleições, quer que Portugal seja um quase sucesso ou um meio sucesso.
A Grécia voltará a ser o "caso especial", mas, sendo só um,
relativamente fácil de continuar a ajudar.
Este enquadramento é-nos favorável, mesmo
que não venha a chegar para evitar um programa cautelar, que pode ser light (só
haverá condicionalidade caso o país em causa decida recorrer a uma linha de
crédito fixada para qualquer eventualidade). Tudo vai depender da forma como
correrem pelo menos duas emissões de títulos da dívida 10 anos. A crise de
Junho (graças à decisão irrevogável de Portas) fez inverter a tendência de descida
dos juros da dívida, custou-nos muito caro e criou uma desconfiança nos
mercados que está a ser difícil de atenuar. Mas os conhecedores dos meandro do
BCE e da Comissão dizem que, se Portugal cumprir o défice de 5,5 e mantiver a
economia a crescer, mesmo que pouco, as coisas podem correr bem em Maio.
2. Quando falou no Ano Novo, o Presidente
tinha uma só mensagem para passar: até Maio o melhor é não fazer ondas. Deu um
sinal directo nesse sentido, ao promulgar o Orçamento sem o enviar para o
Palácio Ratton (o problema que o incomodava já estava resolvido com a
convergência das pensões). A outra parte do seu discurso - os apelos
patrióticos ao consenso pós-troika - já significa muito pouco. As suas
iniciativas chegaram tarde, não conseguiram qualquer efeito e ninguém lhes liga
muito desde então. O PS insiste na fiscalização sucessiva (para cair em cima do
fim do programa?), mostrando mais uma vez que não se incomoda nada com a
"judicialização" da democracia a que temos assistido nos últimos tempos
e que serve para disfarçar a ausência de uma alternativa com pés e cabeça. Não
é apenas o TC e os seus acórdãos. É a forma como os juízes põem em causa as
medidas que qualquer governo devidamente eleito é livre para tomar. Quando uma
juíza de primeira instância decide que a Maternidade Alfredo da Costa não pode
fechar, a pergunta é: mas o que é que ela tem a ver com isso? Há mais casos. E,
o que é mais grave, é que não parece incomodar ninguém. Seguro enfiou-se num
buraco de onde terá dificuldade em sair, quando decidiu que o seu PS não tinha
passado, ignorando tudo aquilo que os governos socialistas, desde 1995, fizeram
de bom pelo país, e não foi assim tão pouco. Resultado: não tem nada para
dizer.
3. 2014 não vai terminar em Maio, embora
pareça que sim. Ninguém está a reflectir sobre o pós-troika. Nem o PSD, nem o
PS. O CDS/PP criou um discurso próprio, centrado na perda de soberania e na
ideia de um "protectorado", que agora vai concluir com o anúncio do
segundo "1640". É patético e não creio que tenha repercussão nos
sentimentos do país. Era preciso, como na Irlanda, um novo programa de médio
prazo como o que foi negociado antes da saída da troika, envolvendo oposição e
parceiros sociais. Por cá, um acordo dessa natureza seria da ordem dos
milagres. O Governo especializou-se em cortes. Não fez a reforma do Estado e,
em matéria de reformas estruturais, vê-se muito pouco para além da legislação
laborai e da redução dos apoios sociais. Seguro está à espera que o poder lhe
caia no colo. Foi a ausência de uma visão de médio prazo que permitiu a
fragmentação ainda maior da esquerda. Da Aula Magna à proliferação de
"partidos" unipessoais ou ao excessivo protagonismo da ala esquerda
do PS.
Pedro Passos Coelho, que tinha saído de 2013
melhor do que entrou, voltou a lembrar-nos que está a dirigir uma empresa
cotada em bolsa, e não um país com gente de carne e osso. Quando a convergência
das pensões foi rejeitada pelo TC, a solução foi o aumento da base de
incidência da contribuição extraordinária de solidariedade dos reformados. Mota
Soares dirá que o Governo voltou a proteger os pobres e a penalizar a meia
dúzia de ricos que não sabem o que fazer ao dinheiro das suas magníficas
pensões de mais de mil euros. O seu sonho é o de um Estado social para pobres.
Como no Brasil e que os brasileiros já não querem. A justificação mais benigna
que encontro é que eles não sabem do que falam.
É com essa Europa que teremos de contar. A
França parece mais frágil do que nunca: não está a ser capaz de dar a volta à
sua economia e parece já não acreditar em François Hollande. É quase impossível
medir as consequências da vitória de Marine Le Pen nas eleições para o
Parlamento Europeu. O Reino Unido entrou numa deriva radical, que terá pesadas
consequências para o conjunto europeu. David Cameron, que se apresentou como um
moderado, corre atrás da ala mais antieuropeia do seu partidos que, por sua
vez, corre atrás do UKIP (Partido da Independência), que também pode ter um
score eleitoral muito alto. Esta radicalização britânica pode vir a revelar-se
um enorme problema para os equilíbrios de poder europeus.
É em face da
realidade e não da ficção que o país precisa de debater o pós -troika, ter uma ideia do que vai fazer da sua
economia e o que vai defender a nível europeu. O que é assustador é que ninguém
parece interessado nesse debate.
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