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domingo, 5 de janeiro de 2014

2014: o ano não acaba em Maio

TERESA DE SOUSA (HTTR//WWW.PUBLICO.FT/AUTOR/TERESA-DE-SOUSA)  05/01/2014-00:00
Ninguém está a reflectir sobre o pós-troika. Nem o PSD, nem o PS

1. Comecemos por cá. Este será, inexoravelmente, o ano do fim do resgate, que se espera único, e das modalidades de programa cautelar que podemos negociar com os nossos parceiros europeus. Será um momento importante, mas ainda não sabemos como será. Por um lado, a Europa (Berlim, sobretudo) quer ver-se livre dos programas de ajustamento, para provar que estavam certos (mesmo não estando, mas isso é um pequeno pormenor) e para tranquilizar a opinião pública. Uma das razões pelas quais a Irlanda optou por uma "saída limpa" foi a pressão de Berlim para garantir um caso de absoluto sucesso. Antes das eleições, a chanceler queria dizer aos alemães que, afinal, valera a pena ajudar os irlandeses. Ganhas as eleições, quer que Portugal seja um quase sucesso ou um meio sucesso. A Grécia voltará a ser o "caso especial", mas, sendo só um, relativamente fácil de continuar a ajudar.
Este enquadramento é-nos favorável, mesmo que não venha a chegar para evitar um programa cautelar, que pode ser light (só haverá condicionalidade caso o país em causa decida recorrer a uma linha de crédito fixada para qualquer eventualidade). Tudo vai depender da forma como correrem pelo menos duas emissões de títulos da dívida 10 anos. A crise de Junho (graças à decisão irrevogável de Portas) fez inverter a tendência de descida dos juros da dívida, custou-nos muito caro e criou uma desconfiança nos mercados que está a ser difícil de atenuar. Mas os conhecedores dos meandro do BCE e da Comissão dizem que, se Portugal cumprir o défice de 5,5 e mantiver a economia a crescer, mesmo que pouco, as coisas podem correr bem em Maio.

2. Quando falou no Ano Novo, o Presidente tinha uma só mensagem para passar: até Maio o melhor é não fazer ondas. Deu um sinal directo nesse sentido, ao promulgar o Orçamento sem o enviar para o Palácio Ratton (o problema que o incomodava já estava resolvido com a convergência das pensões). A outra parte do seu discurso - os apelos patrióticos ao consenso pós-troika - já significa muito pouco. As suas iniciativas chegaram tarde, não conseguiram qualquer efeito e ninguém lhes liga muito desde então. O PS insiste na fiscalização sucessiva (para cair em cima do fim do programa?), mostrando mais uma vez que não se incomoda nada com a "judicialização" da democracia a que temos assistido nos últimos tempos e que serve para disfarçar a ausência de uma alternativa com pés e cabeça. Não é apenas o TC e os seus acórdãos. É a forma como os juízes põem em causa as medidas que qualquer governo devidamente eleito é livre para tomar. Quando uma juíza de primeira instância decide que a Maternidade Alfredo da Costa não pode fechar, a pergunta é: mas o que é que ela tem a ver com isso? Há mais casos. E, o que é mais grave, é que não parece incomodar ninguém. Seguro enfiou-se num buraco de onde terá dificuldade em sair, quando decidiu que o seu PS não tinha passado, ignorando tudo aquilo que os governos socialistas, desde 1995, fizeram de bom pelo país, e não foi assim tão pouco. Resultado: não tem nada para dizer.

3. 2014 não vai terminar em Maio, embora pareça que sim. Ninguém está a reflectir sobre o pós-troika. Nem o PSD, nem o PS. O CDS/PP criou um discurso próprio, centrado na perda de soberania e na ideia de um "protectorado", que agora vai concluir com o anúncio do segundo "1640". É patético e não creio que tenha repercussão nos sentimentos do país. Era preciso, como na Irlanda, um novo programa de médio prazo como o que foi negociado antes da saída da troika, envolvendo oposição e parceiros sociais. Por cá, um acordo dessa natureza seria da ordem dos milagres. O Governo especializou-se em cortes. Não fez a reforma do Estado e, em matéria de reformas estruturais, vê-se muito pouco para além da legislação laborai e da redução dos apoios sociais. Seguro está à espera que o poder lhe caia no colo. Foi a ausência de uma visão de médio prazo que permitiu a fragmentação ainda maior da esquerda. Da Aula Magna à proliferação de "partidos" unipessoais ou ao excessivo protagonismo da ala esquerda do PS.
Pedro Passos Coelho, que tinha saído de 2013 melhor do que entrou, voltou a lembrar-nos que está a dirigir uma empresa cotada em bolsa, e não um país com gente de carne e osso. Quando a convergência das pensões foi rejeitada pelo TC, a solução foi o aumento da base de incidência da contribuição extraordinária de solidariedade dos reformados. Mota Soares dirá que o Governo voltou a proteger os pobres e a penalizar a meia dúzia de ricos que não sabem o que fazer ao dinheiro das suas magníficas pensões de mais de mil euros. O seu sonho é o de um Estado social para pobres. Como no Brasil e que os brasileiros já não querem. A justificação mais benigna que encontro é que eles não sabem do que falam.

4. A segunda ilusão que o PS vai ter de desfazer diz respeito à Europa. A ideia de Seguro era que, num dado momento (com Hollande ou com o SPD), a receita alemã para os países periféricos fosse um pouco mais generosa. Enganou-se rotundamente. O ano acabou com a afirmação do poder "unipolar" da Alemanha e isso quer dizer que pertencer à união monetária será muitíssimo mais exigente a partir de agora. O euro será alemão ou não será. Não sei se o líder socialista se lembra de ter ratificado 0 "tratado orçamental", onde está inscrito em letra de forma o que os países da zona euro têm de fazer obrigatoriamente: reduzir o défice estrutural a 0,5 do PIB e pagar a dívida num calendário de mata-cavalos.
É com essa Europa que teremos de contar. A França parece mais frágil do que nunca: não está a ser capaz de dar a volta à sua economia e parece já não acreditar em François Hollande. É quase impossível medir as consequências da vitória de Marine Le Pen nas eleições para o Parlamento Europeu. O Reino Unido entrou numa deriva radical, que terá pesadas consequências para o conjunto europeu. David Cameron, que se apresentou como um moderado, corre atrás da ala mais antieuropeia do seu partidos que, por sua vez, corre atrás do UKIP (Partido da Independência), que também pode ter um score eleitoral muito alto. Esta radicalização britânica pode vir a revelar-se um enorme problema para os equilíbrios de poder europeus.

É em face da realidade e não da ficção que o país precisa de debater o pós -troika, ter uma ideia do que vai fazer da sua economia e o que vai defender a nível europeu. O que é assustador é que ninguém parece interessado nesse debate.

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