Operação Tutti Frutti
Luís Rosa 27 Junho 2018
Adjudicações superiores a 1 milhão de euros de juntas de freguesia de Lisboa a militantes do PSD estão no centro da Operação Tutti Frutti -- que cruza com o caso Huawei.
PS também está na mira do MP.
Os contratos adjudicados por três juntas de freguesia lideradas pelo PSD a empresas de militantes sociais-democratas estão no centro da Operação Tutti Frutti.
Estão em causa montantes superiores a 1 milhão de euros e suspeitas de corrupção, tráfico de influências e participação económica em negócio.
Luís Newton, presidente da Junta de Freguesia da Estrela e Carlos Eduardo Reis, dono de uma sociedade de Barcelos que lucrou com tais adjudicações, são dois dos principais suspeitos do inquérito coordenado pela 9.ª Secção do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa e coadjuvado pela Polícia Judiciária (PJ).
As casas e locais de trabalho de ambos foram alvo de buscas.
A relação entre estas adjudicações e o alegado financiamento partidário ilícito do PSD também está a ser investigada.
Os investigadores da Operação Tutti Frutti detetaram fluxos financeiros entre algumas empresas de militantes sociais-democratas e a campanha eleitoral autárquica do partido em Lisboa, que poderão configurar o crime de financiamento proibido, por não respeitarem as regras de financiamento partidário, que é essencialmente público desde há vários anos. Daí, as buscas judiciais que foram feitas à sede nacional do PSD — o que motivou uma conferência de imprensa de José Silvano, secretário-geral do partido, para afirmar que a direção nacional liderada por Rui Rio era alheia a toda a situação.
Contudo, tal como o Observador noticiou em primeira mão, o DIAP de Lisboa e a PJ consideram que, neste momento, os dirigentes nacionais que fizeram parte das diversas direções nacionais lideradas por Pedro Passos Coelho — os factos em investigação abrangem um período entre 2012 e 2017 — não estavam a par das alegadas situações de financiamento proibido, que foram detetadas pela investigação da Operação Tutti Frutti.
Nesta matéria, existirão também situações relacionadas com o pagamento de quotas em massa de militantes, a propósito de campanhas internas do PSD, em Lisboa e noutras zonas do país, onde a luta entre caciques tem sido cada vez mais intensa nos últimos anos.
O caso, contudo, poderá ser ainda mais abrangente.
Durante esta quarta-feira, foram realizadas mais de 70 buscas judiciais que envolveram três juízes de instrução criminal, 12 magistrados do Ministério Público, cerca de 200 elementos da Polícia Judiciária, peritos informáticos e financeiros.
Os investigadores visitaram sete juntas de freguesia em Lisboa (Estrela, Santo António, Estrela, Alvalade, Parque das Nações, Penha de França e Benfica), mas visitaram também as autarquias de Barcelos, Santa Maria de Feira e Ponta Delgada, tendo realizado buscas noutros concelhos como Famalicão, Vila Nova de Gaia, Póvoa do Lanhoso, Marinha Grande, Golegâ, Cascais, Loures, Oeiras e Faro.
Na capital, as instalações da distrital do PSD, da Federação da Área Urbana de Lisboa (espécie de distrital socialista) e a concelhia do PS também foram alvo de visita por parte dos investigadores, o que indicia que as suspeitas de financiamento partidário ilícito poderão ser alargadas aos socialistas.
O Expresso afirma que os investigadores terão apreendido essencialmente emails na concelhia socialista.
A revista Sábado, que deu o exclusivo do pontapé de saída da Operação Tutti Frutti logo ao início do dia, noticiou igualmente que os gabinetes de Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, de Manuel Salgado e de Duarte Cordeiro, vereadores de Medina, terão sido alvo de buscas a propósito de um contrato-programa assinado entre a autarquia e o Belenenses a propósito da construção de um Rugby Park.
Houve também buscas domiciliárias realizadas a Sérgio Azevedo, deputado e ex-vice-presidente da direção parlamentar do PSD, e ao seu escritório de advogados.
Trata-se, portanto, de uma verdadeira operação judicial a nível nacional que, apesar de não ter levado à constituição de arguidos, não vai certamente ficar por aqui.
O Observador contactou esta quarta-feira Carlos Eduardo Reis, mas o social-democrata recusou prestar declarações.
Já as tentativas de contacto telefónico junto de Luís Newton não tiveram qualquer sucesso.
A pista de Barcelos
Como ponto de partida para compreendermos o alcance da Operação Tutti Frutti temos um conjunto de notícias que foram reveladas em primeira mão pelo Observador e que incluem precisamente Luís Newton, presidente da Junta de Freguesia da Estrela, e Carlos Eduardo Reis, sócio único e gerente da empresa Ambigold Invest — Equipamentos e Serviços, Lda. Outros sociais-democratas como Vasco Morgado, presidente da Junta de Freguesia de Santo António, também são protagonistas desta história.
A sede da Ambigold foi alvo de buscas judiciais em Barcelos.
Os domicílios de Carlos Eduardo Reis no Porto e em Barcelos também foram alvo de buscas.
De acordo com um trabalho do Observador, publicado a 28 de julho de 2017, estas duas juntas de freguesia e a junta do Areeiro, também liderada pelo PSD, adjudicaram ajustes diretos a diversas empresas de militantes sociais-democratas num valor total mínimo de 1.050.279 euros.
Só no caso da Junta de Freguesia da Estrela estava em causa um total de 303.521 euros. Um dos principais contratos adjudicados prendia-se precisamente com a Ambigold Invest de Carlos Eduardo Reis.
Trata-se de uma empresa com sede em Barcelos, especialista em serviços de jardinagem, que ganhou um ajuste direto de 13.500 euros por mês da junta liderada por Newton, para tratar da manutenção e da reabilitação dos espaços verdes na jurisdição da freguesia da Estrela.
No total, e durante um ano, o contrato vale 162.362 euros (com IVA).
Pormenor: o contrato original foi assinado a 28 de junho de 2014 mas só foi publicado no site base.gov.pt três dias depois de o Observador ter contactado Luís Newton com questões sobre o mesmo, incluindo o facto de o contrato não ter sido publicado no portal da contratação pública, como manda a lei.
Ao Observador, Luís Newton admitiu que conheceu “pessoalmente” Carlos Reis, mas assegurou “que esse facto não pesou nos processos de contratação da junta.
Se tal pesasse, então não teriam sido preteridos para outras empresas com propostas mais vantajosas para a Junta de Freguesia em anos posteriores”, afirmou.
A Ambigold também foi contratada, em Lisboa, pela Junta Freguesia de Santo António, liderada por Vasco Morgado.
Por 49.442,74 euros (IVA incluído), a sociedade de Carlos Eduardo Reis obrigou-se a realizar obras no Jardim Marcelino Mesquita, na Praça das Amoreiras.
Em declarações ao Observador, Morgado afirmou que a empresa de Barcelos tinha feito “um parque infantil”, acrescentando que considerava irrelevante a condição de militante social-democrata de Reis, fosse “militante na Buraca, em Xabregas ou no Algarve.
Isso diz-me pouco!”
O mesmo raciocínio foi aplicado por Morgado quando comentou um segundo contrato assinado com outra empresa de Carlos Eduardo Reis, a Cersport Invest, Unipessoal, Lda. Contratada por 45.722 euros, não ficou bem vista, tendo o contrato cessado “por inoperância da empresa.
Não presta, não fica.
Na altura, apresentou o melhor preço, entrou.
Não prestou um bom serviço, saiu.
E não interessa se é militante do PSD”, afirmou Vasco Morgado ao Observador.
Em Lisboa, a Ambigold foi igualmente contratada por Juntas de Freguesia lideradas pelo PS, nomeadamente pela de Benfica e de São Domingos de Benfica.
Esse era o principal argumento apresentado por Carlos Eduardo Reis ao Observador, para refutar qualquer favorecimento político por parte das juntas lideradas pelo social-democratas.
Com efeito, só com a Junta de Benfica a Ambigold realizou contratos de cerca de 300 mil euros entre 2014 e 2015.
Já em São Domingos de Benfica, a empresa de Barcelos apenas ganhou dois contratos em 2017 no valor de cerca de 20 mil euros.
Quem é Carlos Eduardo Reis?
Filho de Fernando Reis, ex-presidente da Câmara de Barcelos, Carlos Eduardo Reis é um dos três filhos do ex-autarca modelo do PSD no Minho.
Tal como o pai e um dos irmãos, tentou desde cedo lançar uma carreira política.
Começou na Juventude Social Democrata (JSD), chegando a líder da JSD de Braga, onde conheceu aquele que é ainda hoje o seu arqui-rival: Hugo Soares, futuro líder da JSD e líder parlamentar como sucessor de Luís Montenegro.
Carlos Eduardo ainda tentou uma candidatura à liderança nacional da JSD, concorrendo contra Duarte Marques, atual deputado do PSD, mas não teve sucesso.
Desde aí, e apesar de ter apostado numa carreira empresarial com a ajuda da fortuna da família materna, Reis tem apostado numa prova de vida partidária, pela via da apresentação regular de uma lista ao Conselho Nacional nos congressos do PSD, sendo, neste momento, membro desse órgão nacional do partido — uma espécie de Parlamento do PSD.
Carlos Eduardo Reis foi ainda diretor de campanha da última candidatura autárquica social-democrata (perdedora) à Câmara de Barcelos.
Tal como o Observador noticiou em julho de 2017, Carlos Eduardo Reis encabeçou uma lista ao Congresso Nacional no Congresso de 2016 da qual fazia parte Luís Newton como número oito e Sérgio Azevedo como número dois.
Acresce que Carlos Eduardo Reis e Sérgio Azevedo foram sócios na Ambigold InvestMoz, Limitada — uma sociedade de direito moçambicana que foi criada a 29 de novembro de 2012.
“Fiz uma viagem com o Carlos a Moçambique porque tínhamos um projeto social que consistia na criação de um campo de jogos desportivo para jovens carenciados na Praça dos Continuadores, em Moçambique, e para isso criámos uma empresa, numa espécie de simplex para empresas que existe em Moçambique”, explicou Azevedo ao Observador.
O contexto político
Sérgio Azevedo é o outro elemento desta equação política, que está sob escrutínio judicial do DIAP de Lisboa e da PJ.
Deputado e ex-vice-presidente da bancada parlamentar do PSD, Sérgio Azevedo foi igualmente alvo de buscas domiciliárias e no seu escritório de advogados, sendo amigo de Carlos Eduardo Reis e de Luís Newton.
Azevedo e Newton eram figuras influentes, como o Observador recordou no verão do ano passado, do Núcleo Ocidental de Lisboa do PSD.
Trata-se de um dos três núcleos que compõem o concelho partidário social-democrata, sendo os restantes dois o Central (que é liderado pela família de Rodrigo Gonçalves) e o Oriental (sob a ‘tutela’ de Paulo Quadrado).
Ora, as juntas de freguesias da Estrela (liderada por Luís Newton) e de Santo António (liderada por Vasco Morgado) fazem parte do Núcleo Ocidental de Lisboa, sendo que Nuno Firmo (figura próxima de Sérgio Azevedo) era então o presidente do Núcleo Ocidental e Vasco Morgado o vice-presidente.
Na altura, Newton era o tesoureiro da concelhia do PSD de Lisboa e já tinha liderado esse mesmo Núcleo Ocidental.
Como o Observador noticiou em julho de 2017, a Junta de Freguesia de Santo António contratou uma empresa de Nuno Firmo chamada NTW — Web Tecnhology, Lda, através de dois contratos em 2014 e 2015 por valores totais de cerca de 25 mil euros (valores sem IVA) para “aquisição de serviços de apoio, análise, pesquisa, apresentação de relatórios, consultadoria de gestão e otimização de processos administrativos e logísticos, por via informática”.
Firmo confirmou os contratos ao Observador, mas enfatizou que os mesmos eram anteriores à liderança do Núcleo Ocidental de Lisboa, enquanto que Vasco Morgado comentou os contratos da seguinte forma: “A NTW trabalha connosco porque temos de ter ferramentas para obter mais financiamento.
Porque tenho de ir buscar dinheiro para projetos mais específicos, como é o caso do Parque Mayer, que é uma coisa mais pesada do ponto de vista técnico.
Precisamos de uma empresa mais especializada para conseguir o máximo de financiamento possível.
E por isso isso fomos buscar gente da nossa confiança”.
Nuno Firmo garantia ao Observador que não estava em causa “coisa de tacho” e acrescentou que se dava melhor com “autarquias do PS” do que com as do PSD.
“Uma coisa é a minha atividade partidária, outra é a minha atividade empresarial. Trabalho com autarquias de qualquer cor partidária.
Nunca tive qualquer favorecimento por ser do partido”, afirmou.
A viagem à China a convite da Huawei
Sérgio Azevedo e Luís Newton, por seu lado, estão também envolvidos noutro caso que também foi revelado pelo Observador.
Em fevereiro de 2015, Newton (presidente da Junta de Freguesia da Estrela desde 2013), Azevedo (então deputado e vice-presidente da direção parlamentar do PSD) e Ângelo Pereira (então vereador do PSD na Câmara de Oeiras) viajaram para a China durante cinco dias a custas da empresa de telecomunicações Huawei.
O objetivo era apresentar à Huawei um serviço bandeira criado por Newton na junta: o Geoestrela — plataforma que permite que os cidadãos do bairro da Estrela comuniquem à junta qualquer problema que detetem no espaço que está sob a jurisdição de Luís Newton.
Qual a relevância dessa viagem na Operação Tutti Frutti?
Ao que o Observador apurou, a viagem à China é vista pelo DIAP de Lisboa e pela PJ como um indício de uma contrapartida que terá sido dada a Luís Newton pela sua atuação como presidente da Junta de Freguesia da Estrela
O caso foi noticiado pouco depois de três secretários de Estado do Governo de António Costa terem apresentado a demissão, antes de serem constituídos arguidos pelos Ministério Público pelo alegado crime de recebimento indevido de vantagem por terem viajado para França para assistirem a jogos do Euro 2016, com tudo pago pela petrolífera Galp.
No caso Huawei, havia ainda o pormenor de o convite para a viagem à China ter tido o envolvimento de Henrique Muacho, outro militante do PSD que tinha contratos com a Junta de Freguesia da Estrela.
Entre 2014 e 2015, uma empresa de Henrique Muacho terá recebido cerca de 40 mil euros por serviços prestados à junta liderada por Newton.
Muacho tentou ainda arranjar parceiros para o serviço Geoestrela antes dele ter sido criado mas não teve sucesso.
Muacho era o candidato pelo PSD à junta de freguesia de Póvoa de Santo Adrião e Olival de Basto, mas foi afastado quando foi noticiado que tinha sido acusado pelo Ministério Público num caso que envolvia João Correia, ex-diretor da Direção-Geral de Infra-Estruturas e Equipamentos do Ministério da Administração Interna, que foi acusado de ter montando um alegado esquema de corrupção com amigos e “irmãos” da maçonaria para alegadamente favorecer determinadas empresas.
Um desses cúmplices seria Henrique Muacho.
João Correia foi condenado em abril de 2018 condenado a sete anos de prisão efetiva por crimes de participação económica em negócio, abuso de poder e falsificação de documentos.
Henrique Muacho, por seu lado, foi condenado a uma pena de prisão suspensa de 2 anos 3 meses por um crime de participação económica em negócio e ao pagamento de uma indemnização cível de 122.251, 79 euros de forma solidária com mais quatro arguidos.
As outras contratações da Ambigold?
A Ambigold de Carlos Eduardo Reis trabalhou ainda com outras autarquias que também foram visitadas esta quarta-feira pela Polícia Judiciária.
Uma delas é a de Vila Nova de Famalicão, um bastião do PSD, onde o município local contratou a empresa do filho de Fernando Reis em 2016 por 243.540 euros (valor com IVA) para prestar serviços de conservação e manutenção de espaços verdes do Parque da Devesa.
Já a autarquia de Santa Maria da Feira, autarquia liderada pelo PSD que não terá sido alvo de buscas judiciais, contratou a Ambigold por 159.408 euros (valor com IVA) para prestar “serviços de manutenção dos espaços verdes ajardinados e prados e dos caminhos pedonais, passeios, bermas, sarjetas e valetas do complexo do Europarque” — um dos principais parques empresariais do norte do país.
Carlos Eduardo Reis fez questão de enfatizar ao Observador que estes dois contratos foram ganhos por concurso público internacional por “a Ambigold ter a melhor proposta”.
Acrescentadas as penas a que João Correia e Henrique Muacho foram condenados em abril de 2018 e corrigida informação de que Carlos Eduardo Reis é o filho mais novo de Fernando Reis, ex-presidente de Câmara de Barcelos.
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