ISABEL ARRIAGA E CUNHA 27/01/2014 –
07:13
Já não são tanto as divergências dentro do Governo, mas a falta de entendimento entre o Executivo e o PS sobre a política orçamental que está a preocupar a zona euro.
Portugal só poderá aspirar a sair
do actual programa de ajuda externa sem qualquer rede de ajuda externa sem
qualquer rede de segurança financeira - sob a forma
de um "programa
cautelar" - se conseguir sossegar os parceiros da zona euro sobre a
firmeza do seu compromisso nacional em torno da estratégia orçamental para os
próximos anos.
Este sentimento foi recolhido
pelo PÚBLICO em Bruxelas, junto de diplomatas e responsáveis políticos, numa
altura em que o país começa a preparar a saída do programa de ajuda da zona
euro e do Fundo Monetário Internacional (FMI) que assegura o seu financiamento
desde Maio de 2011.
Oficialmente, o programa termina
a 17 de Maio, o que significa que Portugal terá a partir daí de voltar a
recorrer aos mercados financeiros para cobrir as suas necessidades financeiras.
A grande questão que se coloca é
saber se Portugal poderá sair simplesmente do programa e financiar-se de
imediato de forma autónoma, ou se, pelo contrário, precisará de uma rede de
segurança sob a forma de um "programa cautelar". Nesta eventualidade,
a zona euro abrirá uma linha de crédito a que o Governo poderá recorrer em caso
de volatilidade excessiva nos mercados mediante novos compromissos de redução
do défice orçamental.
Oficialmente, também é o Governo
português que terá de decidir como é que quer sair do programa de ajuda, embora
seja certo que não poderá ir contra a vontade da zona euro.
A Irlanda, que terminou o seu
programa de ajuda em Dezembro, optou por uma saída que o seu Governo
classificou de "limpa", ou seja, sem qualquer programa cautelar.
Por enquanto, a aposta está a dar
frutos: os investidores regressaram à dívida irlandesa, os juros estão a baixar
de forma significativa e as agências de notação começam a alterar a
classificação de investimento de risco que pesava sobre o país.
Se esta situação favorável se
alterar, ou em caso de perturbações anormais no mercado, Dublin poderá pedir a
qualquer momento à zona euro um programa cautelar. A mesma possibilidade está
ao alcance de Portugal se o país optar por uma "saída limpa".
Perante o exemplo irlandês, o
Governo português tem vindo a afirmar que quer sair do programa da mesma forma,
um cenário que ainda não se impôs em Bruxelas, mas que também não é descartado.
A "saída limpa" é a
opção preferida pelos governos da Alemanha e restantes países do Norte, que
resistem sempre a qualquer cenário que os obrigue a voltar ao respectivo
parlamento para aprovar novos programas de ajuda, sejam eles cautelares ou
resgates puros e duros.
Ao invés, os governos com
finanças públicas mais frágeis, a começar pela França, querem evitar a todo o
custo que eventuais desconfianças dos mercados relativamente a um dos membros
do euro - neste caso Portugal - venham a desestabilizar todos os outros.
Pierre Moscovici, ministro
francês das Finanças, disse aliás na sexta-feira que "talvez"
Portugal venha a precisar de um programa cautelar.
"Há países que preferem que
Portugal saia com cinto e suspensórios", resumiu um diplomata europeu. Ou
seja, com todas as protecções possíveis a funcionar. Acima de tudo, estes
países "não querem que Portugal tenha de negociar um programa cautelar à
pressa e em situação de crise", justificou. Por essa razão, sublinhou,
"Portugal terá de demonstrar que poderá sair sem programa cautelar".
Olli Rehn, comissário europeu responsável
pelos assuntos económicos e financeiros disse igualmente na sexta-feira, a
propósito de Portugal, que “mais vale prevenir que remediar”, sublinhando que é
essa a missão dos programas cautelares. Durão Barroso, presidente da Comissão
Europeia, já dissera o mesmo no início do ano.
Em favor de uma "saída
limpa" está a redução dos juros sobre a dívida verificada nos últimos
meses a par do sucesso das recentes operações de troca de títulos de curto
prazo por outros de longo prazo (para reduzir os encargos com os reembolsos nos
próximos) e de emissão de dívida a 5 anos.
Círculo virtuoso
A execução orçamental melhor do
que o previsto em 2013 também ajuda a reforçar o círculo virtuoso em que o país
conseguiu entrar nos últimos meses, depois do susto para a zona euro que
representou a crise política do Verão passado, e as ameaças de não cumprimento
das condições do programa de ajuda. Com os mercados a penalizarem então
fortemente a dívida pública, vários responsáveis da zona euro consideravam
durante o Verão que só por milagre Portugal conseguiria escapar a um segundo
resgate pleno.
Com a estabilização da situação
política e o afastamento de eleições antecipadas, o estado de espírito dos
parceiros do euro, e dos investidores, alterou-se.
Tanto assim é que Portugal está,
tal como a Irlanda, a beneficiar da fuga dos investidores dos mercados
emergentes, como o Brasil e a China. Ao regressarem à Europa, os investidores
estão a virar-se para os países mais frágeis, desde que ofereçam um mínimo de
segurança, porque garantem rendimentos superiores aos da Alemanha e outros
países "virtuosos".
Este "sentimento
positivo" do mercado poderá no entanto inverter-se de forma drástica e de
um dia para o outro se surgir alguma dúvida sobre a determinação do país de
eliminar os actuais desequilíbrios das finanças públicas, avisou outro
diplomata europeu. "Portugal só está a beneficiar destes fluxos de
capitais porque cumpriu e continua a cumprir o seu programa", sublinha
considerando que, se surgirem dúvidas nos mercados sobre o compromisso nacional
com a estratégia orçamental, será a debandada geral.
"O maior risco para uma
saída limpa é político", frisa igualmente um responsável europeu, para
quem um cenário possível é a falta de consenso entre todos os partidos
políticos do arco da governação sobre a estratégia de consolidação orçamental
"não para o próximo ano, mas para os próximos dez".
O facto de o PS, na oposição, ter
decidido contestar o orçamento de Estado deste ano junto do Tribunal
Constitucional é aliás apontado, precisamente, como um sintoma da inexistência
do consenso que é esperado pela zona euro.
"Se o Tribunal
Constitucional tomar decisões com impacto orçamental poucas semanas antes do
fim do programa, poderá criar um clima de incerteza tal que não deixe a
Portugal alternativa senão pedir um programa cautelar", referiu outro
diplomata europeu.
Todas as fontes europeias ouvidas
pelo PÚBLICO lembram aliás que o segredo do sucesso irlandês tem precisamente a
ver com a existência de um sólido consenso nacional sobre a trajectória
orçamental e que é vista pelos mercados financeiros como uma garantia de
reembolso da dívida.
Nesta perspectiva, e de acordo
com um dos responsáveis já citados, Portugal só poderá esperar seguir os passos
da Irlanda e operar uma "saída limpa" se conseguir gerar o mesmo grau
de consenso interno, ou "pelo menos um compromisso" entre os
principais partidos, sobre a estratégia orçamental.
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