Por Sara Sanz Pinto publicado em 7 Fev 2014 -14:21
O economista duvida
que Portugal e os restantes países do Sul da Europa sobrevivam a uma nova
recessão se continuarem na moeda única
Co-fundador do
partido Alternativa para a Alemanha e professor de Macroeconomia da
Universidade de Hamburg, Bernd Lucke afirma que a moeda única está ameaçar a
integração europeia. Na sua proposta defende uma dissolução progressiva e
estruturada da zona euro, com os países do Sul - Grécia, Chipre, Portugal,
Espanha e Itália - a abandonar o barco em primeiro lugar. Referindo a
flexibilidade do Velho Mundo em tantas outras questões, o economista de 51 anos
que já foi conselheiro do Banco Mundial esteve à conversa com o i e deixa aqui
o seu conselho a líderes e eleitores portugueses.
Defende a saída dos
países mediterrânicos da zona euro mas no tratado não existem mecanismos que
permitam a um país desistir da moeda única sem deixar a União Europeia. O que
pensa sobre isso?
Penso que deveriam
ser feitas alterações. Não é democrático negar a um país a possibilidade de
sair da zona euro se ele assim quiser. Imaginemos um governo eleito pelas
pessoas e com a ideia clara de que Portugal deveria sair da zona euro, porque
haveríamos de dizer ’não, não é possível’ se essa é a vontade democrática das
pessoas? Por isso defendo que devemos mudar os tratados, de forma que os países
possam abandonar a moeda única caso considerem que lhes está a ser prejudicial.
Mas acha que a saída
de um país da zona euro sem deixar a União Europeia pode ser feita de forma
ordeira?
Sim, penso que é
absolutamente possível fazer que isto se processe de uma forma ordeira.
Inclusivamente já apresentei propostas de como isso pode ser feito,
nomeadamente através da introdução de uma moeda nacional, primeiro como moeda
corrente paralela, para que inicialmente ambas as moedas circulem - o euro
seria usado para transacções em dinheiro e a moeda nacional para transacções
electrónicas, controlando-se assim a taxa de
câmbio durante o período de transição, para que nada de grave aconteça. Depois,
e de forma gradual, eliminar-se-ia o uso do euro. Não proponho a saída em
simultâneo dos cinco países do euro, mas sim que se comece por exemplo com
Chipre, depois a Grécia e assim sucessivamente.
Participou num debate
com o professor João Ferreira do Amaral que escreveu que Portugal perdeu 20% da
competitividade com a entrada na zona euro. Se o euro é um mau negócio para a
Alemanha, e pelos vistos para Portugal, quem é que está a ganhar com ele?
Penso que actualmente
a moeda única ainda é um negócio muito bom para a Alemanha, que fortaleceu a
sua posição competitiva em relação a outros países da zona euro. Portugal,
Grécia, Chipre, Itália e Espanha são claramente os perdedores da região porque
não conseguem aguentar-se face às pressões competitivas. No entanto, e a longo
prazo para a Alemanha, também nos espera um fim decepcionante, uma vez que
vamos ter de pagar muitas das dívidas dos governos, tendo em conta as garantias
que lhes oferecemos de acordo com as políticas de resgate da União Europeia.
Por isso penso que no fim haverá perdedores dos dois lados
da moeda. Actualmente apenas lhes demos essas garantias e enquanto,
ficticiamente, a Grécia, Chipre e Portugal, estão a honrar o serviço da dívida
apenas temos perdas menores. Os nossos depositantes são prejudicados por taxas de
juros baixas, devido às políticas do Banco Central, que inunda os mercados de
dinheiro, e também porque perdoamos à Grécia parte do pagamento de juros, mas,
da perspectiva alemã,
grande parte do que teremos de suportar ainda está à nossa frente. Da perspectiva
dos países mediterrânicos é o contrário, vocês já ultrapassaram a pior parte em
termos de desemprego, deflação, cortes nos salários e todo esse tipo de
consequências.
Em alemão a palavra dívida ("Schuld") também
quer dizer culpa. Acha que os países do Sul são os únicos responsáveis pela
situação em que se encontram?
No
que toca à dívida do Estado penso que sim, não houve disciplina orçamental
suficiente. Estes governos gastaram mais do que as receitas que geraram e é uma
diferença considerável. Acho que isto teve início com a crise financeira, durante
a qual alguns conselheiros económicos pensaram que as políticas do tipo
keynesiano seriam as mais apropriadas. Agora vemos que não foi a melhor opção,
até porque quando se contrai uma dívida depois é preciso pagar. Esta decisão
não foi inteligente, e nesse sentido acredito que a responsabilidade é
exclusiva destes governos.
Que conselhos daria aos líderes e eleitores portugueses?
Em
termos gerais, diria a Portugal que pensasse em mecanismos para sair da zona
euro e negociar medidas de alívio da dívida com os credores. A vossa situação
não é tão má como a da Grécia, mas o peso da dívida de 125%, ou algo parecido,
é tremendo. Não sei se Portugal vai conseguir ultrapassar a próxima recessão
com este peso enorme de dívida, por isso é que digo que esta deveria ser
renegociada, a par da introdução de uma moeda nacional para aumentar a vossa
competitividade.
Portugal
ainda está a sofrer as consequências de uma crise profunda, ainda tem um nível
elevado desemprego, a rondar os 15,3%, segundo o que me disseram hoje, o
crescimento das exportações basicamente não existe, os preços das exportações
ainda estão muito altos em comparação com os que existem em países como por
exemplo a Alemanha e a dívida do governo está num nível recorde. Penso que a
única coisa que mudou realmente foi a economia mundial, existe muito mais
exigência de crescimento em toda a parte da Europa, porque todos beneficiam com
isso. Porém, um barco à vela em mau estado que por causa dos ventos anda mais
depressa nem por isso está melhor. Por isso é que defendo que deviam sair do
euro para serem mais competitivos, através da desvalorização da vossa moeda
face ao euro. Vejam como está a vossa situação agora, pensem se estão
satisfeitos e no que passaram durante os últimos anos e digam-me se querem
voltar a viver isto quando uma nova crise ou recessão atingir Portugal. Se
responderem que sim, digo-vos que fiquem no euro; se a reacção for não e
quiserem mais flexibilidade, aconselho-vos a agarrarem esta oportunidade e a
saírem agora.
Cerca de 75% dos portugueses estão a comprar casa com
dinheiro emprestado dos bancos. No cenário que propõe, estas dívidas seriam
pagas em euros ou em moeda nacional?
Todas
as dívidas internas seriam convertidas na nova moeda nacional, por isso os
proprietários das casas não seriam afectados. Aliás até lhes seria favorável
porque a economia iria ganhar outro ritmo, começar a crescer novamente, os
salários iriam aumentar, tornando-se mais fácil
pagarem as prestações.
Também inclui a França no grupo de países que devem abandonar
a zona euro.
Sim,
defendo que a França deve considerar se quer ficar na zona euro, mas não
defendo a sua saída imediata, porque a sua situação não se compara com a dos
outros países mediterrânicos. Mas a longo prazo temo que o cenário francês se torne
muito pior. De momento a economia está bem, por isso não se trata de um grande
problema, mas haverá uma altura no futuro em que vamos entrar de novo em
recessão, ou uma nova crise vai atingir a economia mundial, e quando isso
acontecer todos os problemas a que assistimos nos últimos quatro anos vão
surgir de novo porque não foram resolvidos - as dívidas dos governos são mais
elevadas que nunca, as taxas de desemprego continuam muito altas, bem como as
do desemprego jovem, a competitividade não aumentou... Alguma coisa que agora
não esperamos pode ocorrer no sistema bancário, até porque os bancos são bons a
esconder coisas, mas de repente alguma coisa acontece, deixam de conseguir mais
disfarçá-la e aí teremos problemas de novo. São situações que
podem surgir no futuro e empurrar a zona euro outra vez para uma situação de
crise.
Acha que a União Europeia conseguirá sobreviver com a sua
proposta?
Sim,
porque não? Penso que a União Europeia é muito razoável. Por exemplo, é muito
flexível em ter países a cooperarem numa base económica, é muito flexível
perante outros elementos da política europeia, como o aumento da mobilidade dos
estudantes e este tipo de coisas. Existem muitas questões nas políticas
europeias que revelam a sua sensatez e, perante a ideia de desistirmos da moeda
única, porque haveríamos de abdicar das outras coisas se isto é para o
benefício dos países europeus?
Não acha que esta ideia pode fazer com que os países do
Sul se sintam como a segunda divisão da União Europeia?
Penso
que a União Europeia mostrou aos países pobres que podem ser muito bem
sucedidos. Os países mediterrânicos ou, desde os anos 90, os países da Europa
de Leste, fizeram progressos tremendos no desenvolvimento económico. Cresceram
de uma forma muito mais forte que as nações líderes, como a França, a Holanda
ou a Grã-Bretanha. As desigualdades nos rendimentos
dos países diminuíram de facto na Europa até 1999, mas desde então vemos que os
países mais pobres que adoptaram o euro têm ficado para tràs. Assim, a Europa
Central ainda está a crescer, mas a do Sul está a encolher e as assimetrias
estão a aumentar. A situação oposta é verdade para a Europa do Leste, que está
a crescer de forma ainda mais evidenciada que a Central e os desequilíbrios
estão a ficar cada vez menores, mas a maioria destes países não está no euro,
não tem este impedimento e por isso são economocamente bem sucedidos. Esse complexo da
segunda divisão de que fala já está a acontecer na zona euro porque os países
do Sul já não estão a crescer como antes e, para evitar que isto se agrave
ainda mais, temos de os libertar da moeda única para que recuperam velocidade
de crescimento económico.
Na sua proposta estes países poderão regressar ao euro
caso atinjam certos níveis de competitividade e crescimento económico?
Diria que sim, se um
núcleo do euro se mantiver na Europa e alguns dos países que tiverem saído
tenham então recuperado. Aí sim, em princípio poderão regressar ao euro. No
entanto, por outro lado, se estes países conseguiram recuperar desta forma
porque haverão de tentar a experiência do euro pela segunda vez?
Espera que o seu partido eleja deputados nas próximas
eleições europeias, e em que grupo parlamentar se vai inserir?
Sim, claro. Ainda não
sabemos se vamos alinhar com algum grupo. Não somos um partido de
extrema-direita como muitos pensam, somos um partido que apoiou vários tipos de
opiniões políticas na Alemanha. Não nos podem catalogar como de direita ou
esquerda. Somos pró-mercado, muito críticos dos bancos e do seu comportamento
durante a crise e defendemos até a nacionalização dos bancos nalgumas circunstâncias,
algo que é mais proposto por partidos de esquerda. É difícil porem-nos um
rótulo e afirmamos sempre que o radicalismo político não tem nada que ver com o
nosso partido.
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