Melo Gomes com o então ministro da Defesa, Nuno Severiano Teixeira, na assinatura de um contrato para a construção de navios para a Marinha FERNANDO VELUDO/NFACTOS
NUNO RIBEIRO 27/01/2014 – 07:34 -
PÚBLICO
Empordef devia estar
sob tutela da Economia ou da Indústria que se regem pela eficiência enquanto a
Defesa obedece à eficácia
O EX-CHEFE DO Estado-Maior da
Arnada (CEMA) é crítico em relação ao que se passa com os Estaleiros Navais de
Viana do Castelo (ENCV).
Em declarações ao PÚBLICO, o
almirante Melo Gomes vê na interferência de interesses políticos na gestão a
origem dos males que afectaram durante décadas os estaleiros. E que,
finalmente, desembocaram no contrato de subconcessão à West Sea, empresa do
grupo Martifer, assinado em 10 de Janeiro com a Emporderf.
“Criou-se
uma promiscuidade
entre a política, de todos os partidos do arco governamental, e a gestão. Da
política a nível nacional e local, dada a importância dos estaleiros”, refere.
A relevância advém, logicamente, da capacidade empregadora para a cidade e
concelho de Viana de Castelo, e de estes serem um centro industrial importante
no norte litoral. Assim se foi fraguando uma mistura que, progressivamente,
oxidou a capacidade dos ENVC.
“O resultado desta promiscuidade
é que nos estaleiros ninguém era responsável, as lideranças não tinham
capacidade de se afirmar, já que interesses vários, partidários e locais,
entravam em jogo”, acentua. Uma análise que desenha um quadro de um barco à
deriva. Com singularidades que punham irremediavelmente em causa a
operacionalidade da unidade produtiva.
O almirante Melo Gomes aborda um
aspecto concreto. “Os ENVC não tinham engenharia mas, sim, excelentes artífices
que precisavam de balizas para trabalhar”, exemplifica. O ex-CEMA sintetiza a
situação numa espécie de fórmula de descalabro: “Os estaleiros não tinham
engenharia, tinham pouca gestão e quase nenhum comando.” A consequência era
óbvia: “uma produtividade inferior.”
Não se trata de uma mera opinião
pessoal. “O último estudo apresentado ao Governo, em Janeiro de 2011, feito por
uma empresa de auditoria, a At Kearny, revelava que faltava engenharia e
gestão, havia excesso de pessoal e inexistência de liderança intermédia”.
Uma situação que não é recente.
“O mal já vinha de trás, mas então não representava o que hoje representa, pois
a sofisticação dos navios é agora, muito maior”, adverte o militar. “Os Estaleiros
cumpriram mas não evoluíram”, diagnostica. Um mal que se arrastou. “Nenhuma das
reestruturações se concretizou”, aponta.
Acredita, por isso, que há uma
desadequação da actual tutela da Emporderf. “A arquitectura da Emporderf não
faz sentido numa holding do Estado, não devia estar no ministério da Defesa mas na
Economia ou na Indústria”, observa o almirante Melo Gomes. “A Defesa não tem a
ver com a eficiência mas com a eficácia, a eficiência tem a ver com os
resultados dos recursos investidos, na relação custo/benefício, a eficácia com
o resultado”, comenta.
Melo Gomes recorda que as
encomendas da Marinha aos estaleiros de Viana, canceladas devido aos cortes
orçamentais decretados pelo actual ministro da Defesa Nacional, José Pedro
Aguiar-Branco, eram de 300 milhões de euros. Em causa estavam seis patrulhões
da classe Viana do Castelo, até oito lanchas de desembarque e um navio
polivalente logístico com projecto alemão no pacote das contrapartidas à
aquisição por Portugal dos dois submarinos da classe Trident.
“Os navios patrulha da Marinha
podiam vir a ser feitos em série e serem vendidos para o estrangeiro”, revela.
Deste modo, seria inaugurada uma nova linha de produtos que, logicamente,
teriam custos mais contidos. “Foram apresentadas propostas a Angola, Marrocos e
Nigéria”, recorda o ex-CEMA.
Sobre a opção de subconcessão
finalmente decidida pelo executivo, o militar equaciona: “Havia duas opções,
seguir o estudo e manter os estaleiros no sector público ou optar pelo
liberalismo destrutivo deste Governo.” Neste ponto, não tem certezas. “O
Governo fez esta subconcessão, não sei se é bom negócio para o Estado, não sei
se a subconcessão garante a necessidade de manter a construção naval no país”,
refere. E subsiste uma interrogação: “Quem paga os 271 milhões de euros do
passivo dos estaleiros, mais os 31 milhões de euros das rescisões dos
contractos de trabalho? Sobre quem vão recair estes custos?”
As dúvidas desaparecem quanto à
importância que atribui à manutenção de estaleiros em Portugal. “Considero a
construção naval como um activo estratégico do país, ainda mais se o desígnio é
o regresso ao mar”, destaca. “O regresso ao mar não se faz sem navios e os
estaleiros de Viana do Castelo têm a dimensão para a construção”, conclui.
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