Carlos Moedas e Paulo Portas durante a audição
parlamentar de ontem BUNO FERREIRA SANTOS
SÉRGIO ANÍBAL 15/02/2014 -
11:11
Crescimento de 1,6% em termos homólogos e
de 0,5% em cadeia. A economia
portuguesa está afastar-se do período recessivo
mais grave das últimas décadas, mas ainda há sinais de alerta e relação à sustentabilidade da retoma.
A crescer pelo terceiro trimestre consecutivo e a conseguir pela primeira vez desde 2010
uma variação do PIB positiva face ao ano anterior, a economia portuguesa
confirmou no final do ano passado que está em pleno processo de retoma.
Mas a dúvida mantém-se: que tipo de retoma é esta? O
início de uma nova era de crescimento sustentável ou apenas mais um episódio
positivo de curta duração que não altera a tendência geral de estagnação da
última década? O papel decisivo que o consumo privado está a ter no crescimento actual faz
temer que tudo esteja
afinal como dantes, o crescimento das exportações mantém a esperança de que desta
vez as coisas possam ser diferentes.
De acordo com os dados publicados nesta sexta-feira pelo Instituto Nacional
de Estatística (INE), o PIB cresceu 0,5% nos últimos
três meses do ano passado face ao trimestre imediatamente anterior. Foi o
terceiro trimestre seguido com crescimento em cadeia. Em termos homólogos, a
variação de 1,6% foi a primeira positiva desde o final de 2010.
No total de 2013, registou-se ainda uma quebra do PIB de 1,4%, o terceiro ano consecutivo de contracção da economia, algo que não
tinha acontecido nas recessões das últimas quatro décadas. O valor é, mesmo
assim, mais positivo do que a variação negativa de 1,8% que era estimada pelo
Governo e pela troika para
2013.
Se com a aceleração registada no final do ano passado se confirmam os
sinais positivos que tinham sido dados no segundo e terceiro trimestre, é
preciso ver como é que foi garantido este crescimento para perceber se é
possível mantê-lo no futuro. Os dados agora apresentados
pelo INE não dão detalhes em relação à evolução das várias componentes do PIB. Tal só acontecerá quando a autoridade
estatística apresentar os números definitivos do PIB do quarto trimestre dentro de aproximadamente um mês. Mas, ainda assim, na
nota publicada, o INE deixa algumas pistas. Afirma que "esta evolução foi
determinada, em larga medida, pela recuperação da procura interna, que
apresentou um contributo positivo para a variação homóloga do PIB, 0 que não se verificava desde o 4.º
trimestre de 2010". E destaca que tal reflecte "principalmente o
comportamento do consumo privado".
Tanto no segundo como no terceiro trimestre do ano já se tinha constatado
que a retoma da economia estava a ser fortemente influenciada pela recuperação
da procura interna (consumo privado e público mais investimento! dos valores
mínimos que tinha atingido no final de 2012.
No terceiro trimestre de 2013, o contributo da procura interna para o crescimento
ainda foi negativo (-1,6 pontos percentuais), mas verificava-se uma melhoria
acentuada face aos trimestres anteriores. No primeiro trimestre, o contributo
tinha sido de -6,1 pontos percentuais. Agora, no quarto trimestre, já atingiu
segundo o INE um valor positivo, um resultado a que não será alheio o facto de
funcionários públicos e pensionistas terem recebido (por força da decisão do
Tribunal Constitucional) em Novembro e Dezembro um dos subsídios a que não
tiveram direito em 2012.
Em sentido precisamente contrário tem estado a contribuição da procura
externa (exportações menos importações), que começou o ano com um contributo
positivo de 2 pontos percentuais e que no terceiro trimestre já só era de 0,6
pontos, devido principalmente ao aumento das importações. Terá agora havido uma
recuperação, já que o INE refere que "o contributo positivo da procura
externa líquida aumentou devido à aceleração das exportações de bens e
serviços".
De qualquer forma é evidente que a grande alteração que se tem vindo a
processar nos números do PIB em Portugal nos últimos
trimestres é o regresso do contributo da procura interna e em particular do
consumo a valores positivos.
Este facto não deixa descansado José Silva Lopes. “Se o principal
contributo vem do consumo privado, isso vai piorar a balança de pagamentos mais
cedo ou mais tarde. Estou muito preocupado com a balança de pagamentos”, afirma
o ex-governador do Banco de Portugal, que vê com
dificuldades uma retoma prolongada e forte neste cenário. “Crescer com base em
mais consumo, isso era o que estávamos a fazer antes da crise. Não conseguimos
manter ritmos de crescimento altos por muito tempo”, alerta.
A ideia fundamental do
programa da troika para
Portugal era a de
que, com reformas estruturais e com uma redução dos custos de trabalho, a
economia portuguesa conseguiria passar de um modelo de crescimento baseado no
consumo para outro baseado nas exportações, que seria mais sustentável e
saudável. Os números que o INE tem vindo a apresentar neste regresso a taxas de
crescimento positivas não permitem concluir que é isso que esteja a acontecer.
Vítor Bento confia na manutenção de taxas de crescimento
positivas nos próximos tempos, mas manifesta ainda dúvidas quanto à dimensão
das mudanças operadas na economia portuguesa. “A não ser que as coisas se
compliquem na frente externa, não parece que [a retoma] venha a ser
interrompida no futuro mais imediato. A grande questão que se poderá colocar,
porém, é qual terá sido o efeito das reformas no potencial de crescimento e se
este será suficiente para aliviar a pressão financeira nos próximos anos”, afirma o economista e
conselheiro de Estado.
Sérgio Rebelo vê “sinais claros de recuperação em
Portugal”, mas também não tem grandes esperanças no aparecimento de taxas de
crescimento muito fortes. ”Os dados que temos neste momento apontam para uma
recuperação lenta da Europa, com taxas de crescimento anuais à volta de 1%. Neste contexto, é natural que a recuperação económica em
Portugal seja gradual, o que significa que, infelizmente, vai demorar tempo a
substituir os empregos que foram perdidos”, prevê o economista radicado nos
Estados Unidos.
O mais pessimista é José Reis. O professor da Universidade de Coimbra
defende que “é muito provável que estejamos perante um quadro geral de
estagnação ou de crescimento pontual medíocre, sucessivamente anulado por evoluções
negativas da mesma natureza”. Isto porque “não parece que a redução do peso da
dívida, a qualificação e plena vigência de um sistema de emprego inclusivo e a
presença de dinâmicas produtivas geradoras de fortes efeitos positivos
agregados estejam sob perspectivas animadoras”. Para o economista, no actual
cenário, o que espera Portugal dificilmente poderá ser mais que “uma longa
estagnação”.
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