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domingo, 9 de fevereiro de 2014

Decisão do Tribunal Constitucional alemão não afecta saída de Portugal do programa de ajuda


ISABEL ARRIAGA E CUNHA (Bruxelas) e SÉRGIO ANÍBAL 07/02/2014 - 19:23


Tribunal Constitucional alemão transferiu decisão sobre o OMT para o Tribunal de Justiça da União Europeia.

A decisão do Tribunal Constitucional alemão de transferir para o Tribunal de Justiça da União Europeia a responsabilidade de decidir sobre a legalidade do novo programa de compra de dívida (OMT) do Banco Central Europeu (BCE) não deverá afectar a forma como Portugal sairá do programa de ajuda externa em Maio.

Quanto muito, a decisão dos juizes alemães prolongará a incerteza que rodeia o programa OMT porque o veredicto sobre a sua compatibilidade com o Tratado da EU, que era esperada para as próximas semanas, ficará adiado por mais de um ano.

Este arrastamento não impedirá no entanto o BCE de activar o OMT se e quando considerar necessário, incluindo para apoiar o regresso progressivo de Portugal ao mercado da dívida.

O Governo terá de decidir até Maio se sai simplesmente do programa de ajuda externa da zona euro e FMI e passa a financiar-se de forma autónoma no mercado da dívida, ou se recorre a um programa "cautelar" que levará a zona euro a abrir uma linha de crédito no quadro do seu novo mecanismo de socorro (ESM) à qual o país poderá recorrer em caso de variação anormal das suas taxas de juro.

Se optar pelo programa cautelar, Portugal será o primeiro país a poder beneficiar do novo programa de compra de dívida no mercado secundário (onde a dívida já emitida é transaccionada entre privados), para baixar os juros, mediante a assunção de um programa de ajustamento económico e financeiro.

Para a zona euro, em contrapartida, a transferência da jurisdição do tribunal alemão, sedeado em Karlsruhe, para o Tribunal europeu, no Luxemburgo, terá enormes repercussões para o futuro.

Anunciada nesta sexta-feira de manhã, a decisão de Karlsruhe foi recebida com surpresa pelas instituições europeias mas, sobretudo, com grande alívio.

A novidade da decisão dos juizes alemães é que mesmo se consideram que o programa OMT é ilegal, reconhecem que não têm competência para ajuizar sobre a sua compatibilidade com o Tratado da UE.
"Há razões importantes para assumir que [o OMT] excede o mandato de política monetária do BCE e que, por isso, infringe os poderes dos Estados membros e viola a proibição de financiamento monetário dos orçamentos”, afirmam os juizes.

“É a primeira vez que o Tribunal Constitucional alemão reconhece a hierarquia das leis e a hierarquia dos tribunais, o que significa que reconhece que está abaixo do Tribunal europeu e que a constituição alemã não se pode sobrepor ao direito comunitário", afirmou um responsável europeu.

Esta situação constitui uma viragem muito significativa dos juizes de Karlsruhe que têm assumido uma interpretação muito restritiva dos Tratados europeus limitando, aliás, a margem de manobra do Governo de Angela Merkel nos esforços de resolução da crise do euro.

O alívio das instituições europeias resulta do facto de o Tribunal do Luxemburgo, constituído por juizes dos 28 países da UE, ser por definição muito mais virado para o interesse europeu do que o alemão, de tal forma que tem constituído tradicionalmente um poderoso motor da integração europeia. No processo europeu, todos os Estados membros da UE e todas as instituições europeias serão convidados a apresentar as suas observações, o que a Comissão Europeia , anunciou desde logo que fará. Tanto Bruxelas como o BCE insistiram na sexta-feira que o OMT é "compatível" com o Tratado da UE.

Ao invés, se o processo tivesse ficado em Karlsruhe, havia o risco de o OMT vir a ser declarado ilegal, o que deitaria por terra a trave mestra da estratégia de defesa da zona euro contra a especulação.

Isto porque mesmo se os juizes alemães não têm jurisdição sobre o BCE, poderiam forçar o banco central alemão (Bundesbank) e o parlamento federal (Bundestag) a rejeitarem o OMT.

"As hipóteses são muito melhores no Luxemburgo do que em Karlsruhe", afirmou Bert Van Rossebeke, do Centre for European Politics, em declarações à agência Reuters. Para este especialista, o que é "histórico" é mesmo o facto de o Constitucional alemão ter "passado" a decisão para o tribunal europeu.

Gunnar Beck, da Universidade de Londres, disse também à Reuters que as probabilidades de o Tribunal Europeu aprovar o OMT são bastante elevadas, já que está "predisposto a interpretar as questões legais no interesse da União Europeia" e "não leva em conta sensibilidades nacionais".

O novo OMT foi anunciado pelo presidente do BCE, Mario Draghi, no Verão de 2012 quando a especulação contra a Espanha e Itália ameaçava a sobrevivência do euro.

A promessa de compra ilimitada de dívida, que nunca foi activada, foi só por si suficiente para mostrar aos investidores que o BCE estava disposto a fazer tudo o que fosse necessário para salvar o euro, assumindo-se de certa forma como um credor de último recurso dos Estados. A partir desse momento, as taxas de juro da dívida dos países periféricos começaram a descer, numa tendência que se mantém até hoje. Em Portugal, os juros da dívida a dez anos rondam os 5%, contra 10,8% atingidos em Agosto de 2012.

Este programa é altamente polémico na Alemanha, de tal forma que o Bundesbank foi o único dos bancos centrais dos países do euro que votou contra a criação do OMT quando este foi aprovado no conselho de governadores do BCE.
Ao decidir passar a mão ao Tribunal do Luxemburgo, os juizes de Karlsruhe também evitaram abrir a crise interna que resultaria de um eventual veredicto favorável ao OMT face a um Bundesbank muito crítico. Estas são as duas instituições mais respeitadas da Alemanha.

A criação do OMT foi justificada por Draghi com a necessidade de assegurar uma transmissão correcta da política monetária do BCE em toda a zona euro. A lógica era que as grandes diferenças nas taxas de juro da dívida dos Estados impediam os bancos dos países mais frágeis de aceder ao crédito e de repercutir na economia as taxas de juro (cada vez mais baixas) do BCE.


Para o Bundesbank, era contrapartida, o OMT constitui uma forma disfarçada de financiamento dos Estados endividados por parte do BCE - o que é proibido pelo Tratado europeu - com a agravante de que retira a pressão do mercado sobre os seus Governos para prosseguirem os processos de consolidação orçamental.

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