ISABEL ARRIAGA E CUNHA (Bruxelas)
e SÉRGIO ANÍBAL 07/02/2014 - 19:23
Tribunal
Constitucional alemão transferiu decisão sobre o OMT para o Tribunal de Justiça
da União Europeia.
A decisão do Tribunal Constitucional alemão de transferir
para o Tribunal de Justiça da União
Europeia a responsabilidade de decidir sobre a legalidade do novo programa de
compra de dívida (OMT) do Banco Central Europeu (BCE) não deverá afectar a
forma como Portugal sairá do programa de ajuda externa em Maio.
Quanto muito, a
decisão dos juizes alemães prolongará a incerteza que rodeia o programa
OMT porque o veredicto sobre a
sua compatibilidade com o Tratado da EU, que era esperada para as próximas
semanas, ficará adiado por mais de um ano.
Este arrastamento não
impedirá no entanto o BCE de activar o OMT se e quando considerar necessário,
incluindo para apoiar o regresso progressivo de Portugal ao mercado da dívida.
O Governo terá de
decidir até Maio se sai simplesmente do programa de ajuda externa da zona euro
e FMI e passa a financiar-se de forma autónoma no mercado da dívida, ou se
recorre a um programa "cautelar" que levará a zona euro a abrir uma
linha de crédito no quadro do seu novo mecanismo de socorro (ESM) à qual o país
poderá recorrer em caso de variação anormal das suas taxas de juro.
Se optar pelo
programa cautelar, Portugal será o primeiro país a poder beneficiar do novo
programa de compra de dívida no mercado secundário (onde a dívida já emitida é
transaccionada entre privados), para baixar os juros, mediante a assunção de um
programa de ajustamento económico e financeiro.
Para a zona euro, em
contrapartida, a transferência da jurisdição do tribunal alemão, sedeado em
Karlsruhe, para o Tribunal europeu, no Luxemburgo, terá enormes repercussões
para o futuro.
Anunciada nesta
sexta-feira de manhã, a decisão de Karlsruhe foi recebida com surpresa pelas
instituições europeias mas, sobretudo, com grande alívio.
A novidade da decisão
dos juizes alemães é que mesmo se consideram que o programa OMT é ilegal,
reconhecem que não têm competência para ajuizar sobre a sua compatibilidade com
o Tratado da UE.
"Há razões
importantes para assumir que [o OMT] excede o mandato de política monetária do
BCE e que, por isso, infringe os poderes dos Estados membros e viola a
proibição de financiamento monetário dos orçamentos”, afirmam os juizes.
“É a primeira vez que
o Tribunal Constitucional alemão reconhece a hierarquia das leis e a hierarquia
dos tribunais, o que significa que reconhece que está abaixo do Tribunal
europeu e que a constituição alemã não se pode sobrepor ao direito
comunitário", afirmou um responsável europeu.
Esta situação
constitui uma viragem muito significativa dos juizes de Karlsruhe que têm
assumido uma interpretação muito restritiva dos Tratados europeus limitando,
aliás, a margem de manobra do Governo de Angela Merkel nos esforços de
resolução da crise do euro.
O alívio das
instituições europeias resulta do facto de o Tribunal do Luxemburgo,
constituído por juizes dos 28 países da UE, ser por definição muito mais virado
para o interesse europeu do que o alemão, de tal forma que tem constituído
tradicionalmente um poderoso motor da integração europeia. No processo europeu,
todos os Estados membros da UE e todas as instituições europeias serão
convidados a apresentar as suas observações, o que a Comissão Europeia ,
anunciou desde logo que fará. Tanto Bruxelas como o BCE insistiram na
sexta-feira que o OMT é "compatível" com o Tratado da UE.
Ao invés, se o
processo tivesse ficado em Karlsruhe, havia o risco de o OMT vir a ser
declarado ilegal, o que deitaria por terra a trave mestra da estratégia de
defesa da zona euro contra a especulação.
Isto porque mesmo se
os juizes alemães não têm jurisdição sobre o BCE, poderiam forçar o banco
central alemão (Bundesbank) e o parlamento federal (Bundestag) a rejeitarem o
OMT.
"As hipóteses
são muito melhores no Luxemburgo do que em Karlsruhe", afirmou Bert Van
Rossebeke, do Centre for European Politics, em declarações à agência Reuters.
Para este especialista, o que é "histórico" é mesmo o facto de o
Constitucional alemão ter "passado" a decisão para o tribunal
europeu.
Gunnar Beck, da
Universidade de Londres, disse também à Reuters que as probabilidades de o Tribunal
Europeu aprovar o OMT são bastante elevadas, já que está "predisposto a
interpretar as questões legais no interesse da União Europeia" e "não
leva em conta sensibilidades nacionais".
O novo OMT foi
anunciado pelo presidente do BCE, Mario Draghi, no Verão de 2012 quando a
especulação contra a Espanha e Itália ameaçava a sobrevivência do euro.
A promessa de compra
ilimitada de dívida, que nunca foi activada, foi só por si suficiente para
mostrar aos investidores que o BCE estava disposto a fazer tudo o que fosse
necessário para salvar o euro, assumindo-se de certa forma como um credor de
último recurso dos Estados. A partir desse momento, as taxas de juro da dívida
dos países periféricos começaram a descer, numa tendência que se mantém até hoje. Em
Portugal, os juros da dívida a dez anos rondam os 5%, contra 10,8% atingidos em
Agosto de 2012.
Este programa é
altamente polémico na Alemanha, de tal forma que o Bundesbank foi o único dos
bancos centrais dos países do euro que votou contra a criação do OMT quando
este foi aprovado no conselho de governadores do BCE.
Ao decidir passar a
mão ao Tribunal do Luxemburgo, os juizes de Karlsruhe também evitaram abrir a
crise interna que resultaria de um eventual veredicto favorável ao OMT face a
um Bundesbank muito crítico. Estas são as duas instituições mais respeitadas da
Alemanha.
A criação do OMT foi
justificada por Draghi com a necessidade de assegurar uma transmissão correcta
da política monetária do BCE em toda a zona euro. A lógica era que as grandes
diferenças nas taxas de juro da dívida dos Estados impediam os bancos dos
países mais frágeis de aceder ao crédito e de repercutir na economia as taxas
de juro (cada vez mais baixas) do BCE.
Para o Bundesbank, era contrapartida, o OMT
constitui uma forma disfarçada de financiamento dos Estados endividados por
parte do BCE - o que é proibido pelo Tratado europeu - com a agravante de que
retira a pressão do mercado sobre os seus Governos para prosseguirem os
processos de consolidação orçamental.
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