ANGOLA
Ana Gomes Ferreira
8 de Setembro de 2018, 18:48
João Lourenço foi eleito com 98,59% dos votos |
O Presidente angolano e novo chefe do MPLA, no poder, não permitiu que o congresso da passagem de testemunho fosse uma despedida suave a Eduardo dos Santos.
A corrupção vai acabar "mesmo que os primeiros a tombar sejam altos militantes e altos dirigentes do partido".
José Eduardo dos Santos passou neste sábado ao passado de Angola — apesar das palmas, dos agradecimentos e da medalha que lhe foi dada no Congresso do MPLA onde deixou de ser presidente do partido e foi eleito, para o lugar que ocupava, e por 98,59% João Lourenço, Presidente do país.
No discurso directo ao assunto que fez a encerrar os trabalhos, Lourenço nomeou os problemas de Angola — os mesmos do Movimento Para a Libertação de Angola, que governa o país desde a independência, em 1975 — e não tentou sequer suavizar as culpas do seu antecessor na liderança do partido e do país.
“Temos todos consciência de que só construiremos um futuro melhor se tivermos a coragem de corrigir o que está mal e melhorar o que está bem”, disse, antes de nomear os males: “a corrupção, o nepotismo, a bajulação e a impunidade que se implantaram no nosso país nos últimos anos e que muitos danos causam à nossa economia, porque minam a reputação e a credibilidade do país”.
A sala do congresso, que a televisão estatal TPA transmitiu em directo, rebentou em aplausos, mas as palavras seguintes de Lourenço puseram muita gente em pé.
“Estes males são o inimigo público número um contra o qual temos o dever de lutar e vencer.
Nesta luta, o MPLA deve assumir o papel de vanguarda e de líder, mesmo que os primeiros a tombar sejam altos militantes e altos dirigentes do partido (...), os que tenham cometido crimes ou que, pelo seu comportamento social, estejam a sujar o bom nome do partido”.
Pouco antes do discurso do agora duplamente presidente — João Lourenço concentra a partir deste sábado todo o poder num país onde partido e governo se confundem há mais de 40 anos —, assistiu-se a uma cerimónia de passagem de testemunho, com José Eduardo dos Santos a passar para as mãos de João Lourenço uma tocha vermelha e amarela, as cores do partido.
Uma voz off ia dizendo que ali estava o exemplo da transição pacífica do poder no MPLA. Foi pacífica, no cerimonial e no discurso que abriu o congresso e que foi feito por Eduardo dos Santos, em que assumiu que, como toda a gente, cometeu erros, mas sai “de cabeça erguida”.
Porém, João Lourenço não quis deixar que o congresso fosse uma cerimónia de homenagem ao percurso carreira — e muito menos ao legado — de Eduardo dos Santos. Agradeceu-lhe — “trouxe a paz definitiva e a reconciliação entre irmãos antes desavindos” —, mas foi o percurso e o legado de Agostinho Neto que lembrou de forma mais demorada. “Homenagear Neto é algo que deve acontecer todos os dias das nossas vidas”, disse João Lourenço sobre o primeiro presidente do MLPA e o primeiro Presidente de Angola.
Garantiu que o centenário de Neto, a 17 de Setembro de 2022, acontecerá uma “homenagem maior”.
Na primeira parte do discurso, João Lourenço continuou a dissecar o legado de José Eduardo dos Santos, sem porém nunca fazer a ligação directa entre os problemas que enunciava e o nome do antecessor, que aliás o escolheu como candidato à presidência do país depois de ter anunciado que não se recandidatava nas eleições de 2017.
As suas palavras foram uma antevisão do que aí vem — a seguir ao encerramento, o Comité Central do MPLA ia-se reunir à porta fechada para eleger uma nova cúpula do partido (vice-presidente, secretário-geral e Bureau Político), tendo Lourenço prometido escolher os que o ajudem, com “coragem” e “idoneidade”, a “fazer uma governação virada para a resolução dos problemas da sociedade, economia e cidadãos”.
Prometeu ainda integrar mais mulheres e jovens.
“Vamos construir um partido em que ser do MPLA não signifique abrir uma porta para alcançar benesses com facilidade ou de se estar mais próximo da possibilidade de se ser nomeado.
Ser do MPLA deve significar sobretudo servir Angola e os angolanos”, disse.
“Não confundiremos nunca a necessidade de se promover uma classe empresarial forte e dinâmica, de gente honesta que ao longo dos anos crie emprego, com a que tem enriquecimento fácil ilícito e injustificável feito à custa do erário público que é património de todos os angolanos.
No caso destes últimos serem responsáveis ou militantes, não permitiremos que comportamentos dessa minoria gananciosa manchem o bom nome deste grande partido que foi criado com suor e sangue para defender uma causa nobre”.
A segunda parte do discurso, Lourenço dedicou-a ao outro desafio do partido que, nas eleições de 2017, se ficou com pouco mais de 60% dos votos — um mínimo histórico.
Falou na construção do poder local e nas eleições autárquicas que há meses prometera realizar até 2022 (em todos as autarquias ou gradualmente), e disse que objectivo é ganhar. E frisou que haverá derrotas, o que é “salutar” numa “democracia mais participativa”, antes de dizer que o MPLA tem que se abrir e trabalhar mais directamente com os cidadãos, os líderes comunitários e com quem não é do partido e tem opiniões desfavoráveis ao MPLA. “Não há verdades absolutas e é da diversidade que nasce a luz e o progresso.”
A mudança de liderança no MPLA era a última etapa no processo de passagem de poderes depois de João Lourenço ter tomado posse, em Setembro de 2017.
O aparelho político, económico e financeiro angolano estava nas mãos da família dos Santos e os seus filhos foram afastados das empresas públicas (Isabel dos Santos da Sonangol), do Fundo Soberano (Filomeno dos Santos) e de um dos canais da televisão pública (Welwitshea ‘Tchizé’ e José Paulino ‘Coreon Du’ dos Santos).
As mudanças nas lideranças foram do aparelho militar e policial à comunicação social.
ana.gomes.ferreira@publico.pt
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