Venezuela
Susete Francisco 25 Setembro 2018 — 00:05
Santos Silva apontou ao MNE venezuelano uma "linha vermelha" que, a ser passada, terá consequências nas relações entre os dois países.
Embaixador Seixas da Costa fala num "gesto forte".
Para o ex-chefe da diplomacia Martins da Cruz, é uma "posição firme".
Augusto Santos Silva subiu o tom com o governo venezuelano, na sequência da detenção de mais de três dezenas de gerentes de supermercados, todos portugueses ou lusodescendentes - dez dos quais ainda em prisão preventiva -, acusados de impedir o abastecimento de produtos básicos e de violarem as leis que regulam os preços, avisando o seu homólogo, Jorge Arreaza, de que as relações entre os dois países podem ser afetadas. Os chefes da diplomacia estiveram ontem reunidos em Nova Iorque, à margem da Assembleia-Geral da ONU, e Santos Silva relatou assim o encontro: "Eu disse ao meu colega que para nós havia uma linha vermelha e que, evidentemente, não haver progressos na superação deste problema teria consequências nas relações bilaterais."
O que significa isto em linguagem diplomática?
Para Francisco Seixas da Costa, este foi um "gesto forte", um "aviso" do governo português, habitualmente contido nas reações à situação na Venezuela, dada a numerosa comunidade portuguesa no país.
"Acho que é um sinal importante, é talvez o momento mais afirmativamente tenso com o governo venezuelano que alguma vez Portugal assumiu", reage ao DN o diplomata, atribuindo esta atitude à singularidade de todos os detidos serem portugueses.
António Martins da Cruz, que foi ministro dos Negócios Estrangeiros em 2002 e 2003, também fala num "gesto forte" de Portugal, um "passo mais numa escalada": Santos Silva "deu o espaço que a diplomacia aconselha que um político dê", dado que "um ministro dos Negócios Estrangeiros não é um diplomata, é um político".
"Acho que o governo está a fazer aquilo que é correto para proteger os interesses dos portugueses na Venezuela.
Está a esgotar as vias diplomáticas existentes.
Se fosse eu, teria feito exatamente a mesma coisa", diz o embaixador Martins da Cruz.
Um encontro diplomático não habitual
Anualmente, a semana ministerial da Assembleia Geral das Nações Unidas, que está a decorrer até 28 de setembro em Nova Iorque, é aproveitada pelos ministros dos Negócios Estrangeiros para reuniões bilaterais com os seus homólogos.
Podem ser sete, dez, ou até mais num só dia, geralmente de curta duração - 15 minutos a meia hora.
As missões permanentes dos vários países junto da ONU organizam os encontros e as instalações são preparadas especificamente para estas reuniões, com a montagem de dezenas de pequenas salas e os chefes da diplomacia a passarem sucessivamente de umas para as outras.
"São 15 minutos para passar uma mensagem", diz Seixas da Costa, sublinhando que estes encontros são, aliás, um bom barómetro das prioridades externas dos países.
Também por isso são um espaço habitualmente marcado por grande cordialidade.
Ontem, sinal dos tempos nas relações entre Portugal e a Venezuela, Augusto Santos Silva fez questão de sublinhar que "não se tratou de um encontro diplomático habitual".
"Foi uma conversa muito franca mas muito dura, não escondo isso", referiu o ministro à imprensa, apontando uma "iniciativa administrativa dirigida contra interesses portugueses na Venezuela", nomeadamente contra "a pequena e média distribuição", uma situação que terá sido negada por Jorge Arreaza.
Segundo relatou o chefe da diplomacia, o ministro venezuelano negou qualquer ação contra portugueses, explicando o caso como "uma detenção de gestores ou gerentes que não estavam a cumprir a lei e que, portanto, estavam a açambarcar alimentos ou estavam a impedir que a população tivesse acesso a bens essenciais".
E agora, qual o passo seguinte?
Do encontro terá saído a garantia de "acesso imediato aos portugueses detidos por parte das autoridades consulares e embaixada portuguesa", para que lhes seja "garantida a devida proteção consular".
No próximo fim de semana, o secretário de Estado das Comunidades estará na Venezuela para avaliar in loco a situação.
Martins da Cruz e Seixas da Costa são unânimes ao considerar que a evolução do diferendo dependerá muito da resposta das autoridades venezuelanas às exigências nacionais.
"É sempre uma navegação à vista", diz Seixas da Costa, sublinhando que a evolução destes processos depende de cada caso e das circunstâncias do momento.
"A linguagem poderá vir a adensar-se", acrescenta o diplomata, que afasta de todo um cenário de rutura: "Está absolutamente fora de causa uma quebra de relações com a Venezuela."
Lembrando que o embaixador venezuelano em Lisboa já foi chamado (na última sexta-feira) ao Palácio das Necessidades, Martins da Cruz sublinha que esta é a forma de, pela via diplomática, expressar "ao mais alto nível a preocupação" do governo português, acrescentando que a mensagem é tanto mais forte por ter sido dada notícia pública dessa convocação.
O passo seguinte - "mais forte" - seria chamar a Lisboa o embaixador português na Venezuela, mas Martins da Cruz defende que é necessário particular cuidado.
"A meu ver, seria de evitar.
Temos uma comunidade de centenas de milhares de pessoas que é preciso proteger."
Outra hipótese seria envolver o primeiro-ministro e o Presidente da República na questão - mas esta é uma atitude que "deve ficar guardada" para um momento posterior, se a situação se agravar.
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