Ana Gomes Ferreira
13 de Setembro de 2018, 17:45
Manuel Vicente foi vice-presidente de Angola |
Que relação há entre as mudanças nos órgãos de cúpula do MPLA e o início da campanha iniciada por João Lourenço que visa levar à Justiça os responsáveis corruptos?
Manuel Vicente foi um dos que saíram e o seu envolvimento na Operação Fizz já está nas mãos da Justiça de Luanda.
Não se fala em nomes.
Nem em cargos.
Apenas que a Justiça angolana vai começar a responsabilizar “criminalmente os corruptos”, segundo a edição desta quinta-feira do Jornal de Angola, considerado o órgão oficial do Governo.
No artigo, que faz a manchete da edição online do jornal, é explicado que as acções vão ter como base “auditorias internas ou externas”, que se destinam a identificar “falhas no cumprimento da lei das boas práticas e princípios da boa governação”.
Estas auditorias já decorrem “num ritmo satisfatório”.
No sábado, a encerrar o congresso extraordinário do MPLA (partido no poder em Angola desde a independência, em 1975), o Presidente, João Lourenço, disse que uma das prioridades do país e do partido é a luta contra “a corrupção, o nepotismo, a bajulação e a impunidade que se implantaram nos últimos anos e que muitos danos causam à economia e à credibilidade do país”.
Acrescentou que essa luta seria travada contra qualquer infractor — “mesmo que os primeiros a tombar sejam altos militantes e altos dirigentes do partido".
Segundo o Jornal de Angola, a identificação das falhas vai começar já em Outubro e é a segunda fase de um processo.
A primeira, em período de conclusão, arrancou em Maio com a formação dos funcionários do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, de forma a dar-lhes ferramentas para identificarem crimes de corrupção e para agirem na sua prevenção.
A data do arranque da terceira fase, a criminalização, não é avançada no artigo.
Fazendo eco das palavras do Presidente, o procurador-geral da República, Hélder Pitta Grós, comparou a corrupção a um cancro, pelos prejuízos que causa ao desenvolvimento económico e alertou para o facto de “um poder que se serve, em vez de servir, ser um poder que não serve”.
O procurador alertou para o facto de a guerra contra a corrupção poder encontrar na Justiça um obstáculo.
Francisco Queiroz, ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, reconheceu que dirige um sector afectado pela corrupção, segundo o Jornal de Angola.
Para a extirpar, defendeu, é “urgente a promoção dos valores da transparência, da lealdade e rigor”.
No sábado, João Lourenço começou a proceder à mudança dos membros dos órgãos de chefia do partido, afastando elementos do antigo círculo de José Eduardo dos Santos.
Do bureau político, e segundo o diário angolano Novo Jornal, saíram quase metade dos 52 elementos que o compõem, incluindo alguns “históricos”, como o ex-vice-presidente Roberto de Almeida — que desde 2015 pedia a sua saída da política activa por motivos de saúde, segundo o site de informação Club K —, os generais António França “Ndalau” e Francisco Magalhões N’Vunda, antes muito influentes, e três dos seis governadores que já nesta semana foram exonerados (os do Cunene, Huambo e Huíla).
Alguns dos que saíram foram substituídos por actuais membros do executivo (oito ministros e quatro governadores).
No mesmo artigo em que dava conta destas mudanças, o Novo Jornal falava da criminalização dos actos de corrupção: “Cresce a expectativa sobre a relação entre as mudanças anunciadas e uma eventual responsabilização penal de figuras destacadas do MPLA que enfrentam suspeitas de vários crimes.”
E avança com dois nomes: Norberto Garcia (porta-voz do partido, arguido num caso relativo a 50 milhões de dólares), e o antigo ministro e actual deputado Higino Carneiro (suspeito de irregularidades na sua passagem pelas Obras Públicas).
Ambos saíram do bureau político do MPLA.
Outra saída é a de Manuel Vicente, o antigo vice-presidente na origem da deterioração das relações entre Angola e Portugal devido à Operação Fizz, em que se questionou a origem de 3,8 milhões de euros que pagou por um apartamento de luxo no Estoril.
Vicente sai da cena política angolana depois de Luanda ter conseguido que a parte do processo Fizz que lhe diz respeito transitasse para a Justiça angolana — resta saber que andamento terá à luz da notícia do Jornal de Angola.
Vicente foi constituído arguido em Portugal por suspeita de ter pago luvas no valor de 760 mil euros ao juiz português Orlando Figueira em 2012, para que este arquivasse o processo do apartamento de luxo.
Figueira primeiro e, depois, outro colega arquivaram o caso.
Mas o negócio voltou a ser investigado e a primeira sentença da Operação Fizz está marcada para 8 de Outubro.
Sobre o andamento do caso em Angola nada se sabe.
Mas a separação dos processos — ou seja, a transição da parte sobre Vicente para a Justiça angolana — permitiu a pacificação das relações diplomáticas e o anúncio da visita, já na segunda-feira, do primeiro-ministro português, António Costa, a Angola.
João Lourenço visita Portugal a 23 e 24 de Novembro.
ana.gomes.ferreira@publico.pt
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