E-Toupeira
Carlos Ferro e Isaura Almeida
06 Setembro 2018 23:03
MP acusou a Benfica SAD, Paulo Gonçalves e dois funcionários judiciais no caso e-Toupeira, mas não Vieira.
Lei permite esta decisão, mas advogados acham estranho não haver representante da Sociedade também no rol de acusados.
O facto de o Ministério Público (MP) não ter constituído arguido nenhum administrador da Sociedade Anónima Desportiva do Benfica, no caso de e-Toupeira, nomeadamente o seu presidente Luís Filipe Vieira, é uma decisão pouco habitual quando há a constituição de pessoas coletivas como arguidas em processos judiciais, mas é possível de acontecer, explicaram ao DN três advogados.
Para Emanuel Calçada, advogado e especialista em Direito Desportivo, a explicação é muito simples: "Porque o MP entendeu não ter indícios para que ele fosse arguido, tão simples quanto isso.
É uma questão de interpretação de quem está a redigir a acusação.
Tudo o resto é pura especulação."
Ou seja: "Ele [Luís Filipe Vieira] não foi constituído arguido porque se entende, provavelmente, que ele pessoalmente não tem responsabilidade.
A única entidade com responsabilidade é a empresa que ele representa, a SAD.
Ou seja, ele, pessoalmente como administrador não praticou atos que sejam crime, mas a SAD que é representada por ele, sim, segundo o MP."
No entanto, Lúcio Correia e João Diogo Manteigas são da opinião de que é, no mínimo estranho que Vieira, enquanto presidente da SAD, seja excluído do rol de arguidos.
"É difícil responder, porque sendo a SAD arguida normalmente também o é quem a representa para efeitos estatutários e legais, neste caso o presidente de administração", diz Lúcio Correia.
No entanto, segundo ele, "ainda mais estranho é que no caso da oferta de vantagens indevidas, o MP não determine quais foram os jogos em concreto em que houve vantagem indevida.
Esta é que é a questão de fundo", defende o professor de Diretor de Desporto.
"Se consta da acusação a obtenção de vantagens ilícitas no âmbito da competição desportiva, porque é que a acusação foi pelo artigo 374 do Código Penal, que é relativo à corrupção em termos genéricos, e não foi pelo artigo 9 da LEI 50- 2007, que se refere à corrupção do ponto de vista desportivo?
Essa é que é a questão que vale 10 milhões.
Pois, o único crime do ponto de vista desportivo que é amputado à Benfica SAD é o oferecimento indevido de vantagens...", questiona Lúcio Correia.
João Diogo Manteigas é da mesma opinião e também considera que a instrução do MP é "estranha": "A SAD é constituída por pessoas.
Se o Ministério Público quer imputar responsabilidades à SAD fazia sentido constituir um seu representante como arguido.
Mas não podemos colocar em causa o despacho de acusação por causa de uma coisa que acaba por ser um pouco estranha."
MP: "Eram do conhecimento do presidente..."
O Ministério Público, num dos pontos do despacho de acusação, frisa que as ofertas de bilhetes emerchandising a dois funcionários judiciários - acusados de corrupção passiva, de crimes de oferta ou recebimento de vantagem e favorecimento pessoal, de violação do segredo de justiça, acesso indevido e falsidade informática - "eram do conhecimento do presidente da sociedade anónima desportiva, que as autorizava ou delas tomava conhecimento por correio eletrónico ou rubricando folha de autorização, sem nunca as impedir, pois tal era para benefício da arguida, assim querendo e aceitando todas as condutas atrás descritas".
"Pode alegar-se que Luís Filipe Vieira conhecia, mas mandou Paulo Gonçalves fazer isso? Se é explicito para o MP que Luís Filipe Vieira sabia [da atuação de Paulo Gonçalves] qual a razão para não o constituir arguido?", questiona João Diogo Manteigas, advogado especialista em direito desportivo, que participa num programa da Benfica TV onde são analisados "casos do desporto em geral": "Sou do Benfica, mas sou imparcial."
Certo é que na acusação o MP imputa à SAD benfiquista um crime de corrupção ativa, um de oferta ou recebimento indevido de vantagem e 28 de falsidade informática.
E pede penas acessórias que podem ir desde a suspensão de participar nas competições desportivas ao impedimento de receber subsídios do Estado ou autarquias.
Para o sócio da Mota, Manteigas & Associados, Sociedade de Advogados, a acusação tem uma "tentativa vaga de ligar a SAD ao processo, pois a ligação de Paulo Gonçalves à SAD é muito forte".
Mas é difícil fazer a relação entre uma e outra: "Como este caso envolve relações pessoais tem de ficar demonstrado que a Benfica SAD teve acesso à informação e que beneficiou dela.
E isso não fica provado na acusação."
Acesso a processos de rivais
Num curto comentário à acusação, na quarta-feira, Luís Filipe Vieira garantiu a inocência do entidade da Luz.
"A SAD continuará a defender a reputação do Benfica, que colaborará com as forças judiciais", garantiu o presidente do clube e da SAD.
No entanto, fazendo fé na acusação, o Ministério Público considera que a Benfica SAD beneficiou das pesquisas e acessos indevidos que os dois funcionários judiciais que são arguidos fizeram a vários processos que envolvem o clube, mas também o Sporting, FC Porto e até o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
Os funcionários usavam, segundo a acusação, credenciais de outras pessoas - incluindo as de uma procuradora com acesso a processos distribuídos no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, assim como a processos da área cível e laboral do distrito judicial de Lisboa - para aceder a processos a pedido do assessor jurídico da SAD Paulo Gonçalves.
Esta recolha de informação decorria desde março de 2017, segundo o despacho assinado pelo procurador-adjunto Valter Alves.
Paulo Gonçalves acusado de 79 crimes
Paulo Gonçalves foi acusado de 79 crimes: um de corrupção ativa, um de oferta ou recebimento indevido de vantagem, seis de violação de segredo de justiça, 21 de violação de segredo por funcionário, em coautoria com os arguidos Júlio Loureiro e José Silva (ambos funcionários judiciais), 11 crimes de acesso indevido (em coautoria), de 11 crimes de violação do dever de sigilo (em coautoria) e 28 crimes de falsidade informática.
O MP acusou ainda o oficial de justiça José Silva - o único dos arguidos em prisão preventiva - de 76 crimes (um de corrupção passiva em coautoria, um de favorecimento pessoal, seis de violação de segredo de justiça, 21 de violação de segredo por funcionário, nove de acesso indevido, nove de violação do dever de sigilo, 28 de falsidade informática e de um crime de peculato - apropriação indevida de dinheiro público).
Já o arguido Júlio Loureiro, escrivão e observador de árbitros, foi também acusado de 76 crimes (um de corrupção passiva, um de recebimento indevido de vantagem, um de favorecimento pessoal, seis de violação de segredo de justiça, 21 de violação de segredo por funcionário, nove de acesso indevido, nove de violação do dever de sigilo e de 28 crimes de falsidade informática).
Federação abriu inquérito
O Sporting vai requerer a constituição como assistente no processo e-Toupeira.
Os leões já tinham feito idêntico pedido em relação ao caso dos e-mails, tendo na altura sido aceites pelo Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa nessa condição.
Na sequência da acusação do Ministério Público, o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol anunciou a instauração de um processo de inquérito ao clube.
O caso vai seguir para a Comissão de Instrutores da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
Já o secretário de Estado da Juventude e Desporto, João Paulo Rebelo, pediu "celeridade e que se faça justiça".
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