Edgar Caetano
FUTURO DA GRÉCIA
Que diferença faz uma semana.
Nos dias após as eleições, a Grécia parecia estar com um pé fora do euro.
Hoje, respira-se melhor o ar na zona euro.
Foi um recuo ou uma estratégia de Tsipras-Varoufakis?
“É a ciência da estratégia.
Procura determinar matemática e logicamente as ações que os jogadores devem tomar para assegurar o melhor resultado para si”.
Esta é a definição definição da Concise Encyclopedia of Economics da principal área de interesse académico do ministro das Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis, a Teoria dos Jogos.
A mesma definição diz-nos que os jogos podem ser de dois tipos: os de soma zero, em que os interesses dos jogadores são totalmente contrários e em que o ganho de um jogador equivale à perda do outro, e os jogos de ganhos (ou perdas) mútuos, o que não significa que não haja conflito quanto baste.
Conflito quanto baste é uma descrição branda do que se viu na primeira semana do governo Tsipras-Varoufakis, mas tudo parece ter mudado, apesar de não haver ainda um “novo acordo”.
Mas o ar está mais respirável na Europa, graças à clara moderação do discurso grego, quer esta tenha sido um recuo ou a segunda fase de uma estratégia digna de um entusiasta da Teoria dos Jogos.
Terão sido (manifestamente) exagerados os rumores de uma saída da Grécia da zona euro, a Grexit?
Yanis Varoufakis tem esta quinta-feira o aguardado frente a frente com o ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble.
Um encontro em relação ao qual o ministro das Finanças grego disse estar “ansioso“.
Será uma oportunidade para Varoufakis tentar convencer Schäuble de que o jogo que aqui se joga não é de soma zero, em que cada euro que for perdoado à Grécia – seja por um corte do valor da dívida ou por um qualquer “eufemismo”, como admitiu Varoufakis – corresponderá a um euro pago pelos contribuintes alemães.
Varoufakis, que há quase dois anos defendeu que a Alemanha tem de assumir o seu papel hegemónico na Europa, quererá dizer a Schäuble que este é um jogo de ganhos mútuos. Ou perdas, pois claro.
“A Alemanha acabará por pagar ainda mais se não resolvermos o problema da dívida.
Só dessa forma seremos capazes de reembolsar o dinheiro que nos foi emprestado”, disse Yanis Varoufakis em entrevista ao jornal alemão Die Zeit.
A entrevista foi publicada no final de um encontro crucial de Yanis Varoufakis com Mario Draghi, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), que é não só um dos grandes credores do Estado grego mas, também, a instituição que detém a chave para que os bancos gregos possam continuar a financiar-se.
Basta lembrar, a este respeito, as "Cartas Irlandesas" que o BCE enviou em 2010, antes do pedido de ajuda externa da Irlanda.
Nessas cartas, o então presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, admitia “limitar, excluir ou suspender o acesso” dos bancos irlandeses às operações de refinanciamento do eurosistema.
Em dezembro, os bancos gregos tinham uma dependência do BCE na ordem dos 57,2 mil milhões de euros, um número que, certamente, será maior neste momento devido à fuga de depósitos.
"A Alemanha acabará por pagar ainda mais se não resolvermos o problema da dívida. Só dessa forma seremos capazes de reembolsar o dinheiro que nos foi emprestado"
Yanis Varoufakis, ao Die Zeit
O BCE é uma das imensas peças em movimento neste jogo pelo qual enveredou o governo grego nestas primeiras semanas.
Nesta fase, a Grécia necessita não só que o BCE mantenha o financiamento aos bancos mas, também, que admita uma revisão das suas regras para dar à Grécia o “tempo” que o governo do país está a pedir para chegar a um “novo acordo” com os parceiros europeus.
A Grécia quer que o BCE aceite aumentar de 15 para 25 mil milhões de euros o montante máximo de dívida grega de curto prazo que os bancos gregos podem entregar como colateral nas operações de financiamento do banco central.
Os analistas do banco holandês Rabobank dizem, em opinião enviada ao Observador, que “o BCE está a ter de gerir uma situação muito delicada”.
“Por um lado, o BCE não quer criar um conjunto de circunstâncias que levem a que o país saia da zona euro, gerando risco sistémico.
Por outro lado, quer evitar que a Grécia seja beneficiária de financiamento monetário ou que abandone os esforços de reforma da economia”, dizem os especialistas.
A julgar pelas palavras de Yanis Varoufakis à saída da reunião em Frankfurt, o BCE não terá mostrado abertura para essa alteração, como já tinha noticiado na véspera o Financial Times.
“Tivemos uma troca de ideias proveitosa” em que Mario Draghi “foi particularmente prestável na explicação do mecanismo através do qual o BCE apoia os Estados-membros incluindo a Grécia”, disse o ministro das Finanças grego.
Varoufakis notou, contudo, o seguinte: “Estabelecemos um excelente canal de comunicação [com o BCE], o que me encoraja muito em relação ao futuro“.
Estas foram as declarações de Yanis Varoufakis aos jornalistas no final de um encontro, em Frankfurt, para o qual o mediático ministro das Finanças grego se deslocou num mercedes ligeiramente enferrujado e camisa preta, de fora das calças, no estilo a que já habituou todos.
“Viajo agora para Berlim e estou extremamente ansioso por me encontrar com alguém que é não apenas o ministro das Finanças [da Alemanha] mas a força intelectual por detrás do projeto da união monetária europeia: o senhor Schäuble”, concluiu Yanis Varoufakis.
Wolfgang Schäuble também falou, esta quarta-feira, em Berlim. Disse que “a Grécia fez mais do que os peritos previam“, em termos de reformas estruturais.
Longe parece o dia, apesar de ter sido há menos de uma semana, em que Yanis Varoufakis protagonizou, ao lado do presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, uma das conferências de imprensa mais tensas e confrangedoras da História da zona euro.
A mudança de atitude por parte de Atenas começou no fim de semana, quando o primeiro-ministro, Alexis Tsipras, garantiu que a Grécia iria “respeitar as suas obrigações para com o BCE e o FMI”.
Horas depois, sairiam as primeiras notícias sobre o chamado “Plano Varoufakis”, que foram vistas pelos especialistas como um ajuste "à realidade" por deixar cair a exigência de um corte direto no valor da dívida.
Ainda assim, na Alemanha, Angela Merkel voltou a dizer que está “à espera das propostas da Grécia” e que está “ansiosa” por conhecer Alexis Tsipras durante o Conselho Europeu que se realiza na próxima semana.
Alexis Tsipras, o primeiro-ministro, está, também, em tournée europeia, tal como Yanis Varoufakis.
Essa tournée foi esta quarta-feira elogiada por Martin Schulz, o presidente do Parlamento Europeu, um dos homens com quem Tsipras se reuniu num ambiente de considerável descontração.
“Um primeiro-ministro que percorre a União Europeia é um primeiro-ministro que está a lutar pela cooperação, não pela separação“, atirou Martin Schulz, no Twitter.
E acrescentou: “A minha porta está sempre aberta”.
Foi nesse momento, pouco depois do encontro com Schulz, Jean-Claude Juncker, o presidente da Comissão Europeia, e Donald Tusk, o presidente do Conselho Europeu, que Alexis Tsipras atirou: “estamos no bom caminho para encontrar um acordo”.
“O governo grego respeita as regras e as instituições europeias”, garantiu o primeiro-ministro grego.
“Um primeiro-ministro que percorre a União Europeia é um primeiro ministro que está a lutar pela cooperação, não pela separação. A minha porta está sempre aberta"
Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu.
Que jogo está a jogar a dupla Tsipras-Varoufakis?
“Eles estão a estabelecer as suas credenciais anti-austeridade, para mostrar ao povo grego que o seu voto não foi em vão”, diz Nicholas Spiro, analista de mercados em Londres pela Spiro Sovereign Strategy, à Bloomberg.
“Eles vão continuar a jogar este jogo enquanto puderem, o que lhes dará uma base política estável para, aos poucos, ceder e chegar a compromissos mais tarde”, diz Nicholas Spiro. Quem está a tentar mostrar estar refeito da derrota eleitoral é o partido Nova Democracia, agora na oposição ao governo composto pelo Syriza e pelos Gregos Independentes. “Ontem, em Roma, o senhor Tsipras classificou a Grécia como um país corrupto e hoje o senhor Varoufakis disse que este é um país falido um país falido“, afirmou Costas Karagounis, um porta-voz do Nova Democracia.
“Estão a difamar a nossa nação” e “as suas ações serão julgadas pelos cidadãos gregos”, disse o porta-voz do partido que, até há menos de um mês, era governo na Grécia.
Com os mercados mais otimistas nos últimos dias, a dupla Tsipras-Varoufakis está a pedir, “no máximo, seis semanas” para desenhar um plano económico detalhado.
Entretanto, ficou a saber-se que, apesar de o governo Syriza ter vencido as eleições a garantir que não negociaria com a troika, Yanis Varoufakis esteve reunido com Paul Thomsen, do Fundo Monetário Internacional (FMI), no domingo passado em Paris.
A informação foi confirmada oficialmente pelo Ministério das Finanças da Grécia, que adiantou ter-se tratado de um encontro “amigável”.
O FMI, contudo, rejeitou que em cima da mesa tenha estado qualquer “alteração ao enquadramento da dívida grega ao FMI”.
É que, na manhã desta quarta-feira, três dias depois do encontro com Paul Thomsen, o jornal italiano La Reppublica publicou uma entrevista a Yanis Varoufakis em que o ministro das Finanças deixou escapar uma novidade: “Estamos a propor a substituição das outras tranches, ao FMI e aos outros países, por novas obrigações às atuais taxas de mercado, que são muito baixas neste momento, com uma cláusula: começaremos o reembolso total quando estiver restaurado o crescimento sólido na Grécia”.
“Não vejo porque eles não aceitariam uma extensão como fazem sempre nestas situações, pelo menos até ao final do ano“, indicou Varoufakis, ao La Reppublica.
"Não vejo porque eles não aceitariam uma extensão como fazem sempre nestas situações, pelo menos até ao final do ano", indicou Varoufakis, que esteve com Paul Thomsen em Paris.
Enquanto os mercados, em certa medida, respiram de alívio, existe, contudo, quem alerte para a complexidade da situação que continua a viver-se.
O antigo primeiro-ministro eslovaco Mikuláš Dzurinda escreveu esta quarta-feira que “o establishment político na Europa está a ser minado por uma nova vaga de populismo”.
Num texto publicado no site do Wilfried Martens Centre for European Studies, o histórico político eslovaco alerta para os riscos ligados ao facto de as eleições na Grécia terem dado a “vitória a um partido político que quer manter o seu lugar no clube do euro ao mesmo tempo que despreza todas as regras“.
Esta “vaga de populismo, que Mikuláš Dzurinda diz poder, a prazo, gerar custos maiores do que uma hipotética saída da Grécia da zona euro, é particularmente perigosa num ano em que vários países europeus têm eleições.
Alguns dos quais países onde partidos radicais – de esquerda ou de direita – estão a ganhar relevância nas sondagens.
Na conferência com Martin Schulz, Jean-Claude Juncker e Donald Tusk, Alexis Tsipras garantiu que “o objetivo é o de corrigir o enquadramento europeu, não esmagá-lo“. Presumivelmente, o primeiro-ministro grego terá, assim, tentado responder a quem, por sinal, terá achado que “esmagar” as instituições europeias era exatamente aquilo que Alexis Tsipras queria fazer, a avaliar pela atuação na primeira semana de governo.
Sem embandeirar em arco, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, limitou-se a dizer que teve uma conversa “aberta e franca” com Tsipras e salientou a necessidade de uma “solução aceitável” para todas as partes.
E adiantou: “Vai ser difícil.
Vai exigir a cooperação e o diálogo, bem como os esforços determinados da Grécia”.
ATUALIZAÇÃO (21:36) Uma atualização a este texto.
Ao final da noite de quarta-feira, o BCE anunciou a suspensão da dispensa das regras de rating mínimo no uso da dívida pública grega como garantia nos empréstimos do BCE à banca comercial, dizendo que “não é possível esperar-se nesta altura que a avaliação do programa seja concluída com sucesso”.
A decisão faz com que os bancos que têm dívida grega deixem de a poder dar como garantia ao BCE quando lhe pedem dinheiro emprestado.
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