Socialistas acreditam que Portugal não deve deixar a Grécia avançar sozinha para as negociações com a Europa
12/2/2015, 21:32
Miguel Santos
Liliana Valente
Alguns socialistas assinaram a carta para pressionar Passos e pedir-lhe que acabe com a postura "extremista e extremada" em relação à Grécia.
Mas nem eles, nem o PS defendem ainda soluções concretas.
O tom é diferente.
O número de assinantes também.
As caras quase todas as mesmas, mas acresce uma, de peso institucional relevante: Carlos César, presidente do PS.
Na carta de 32 personalidades enviada esta quinta-feira a Passos Coelho, quase todas saídas do Manifesto dos 74 pela reestruturação da dívida pública, pede-se ao primeiro-ministro uma posição diferente em relação à situação da Grécia, mas ninguém avança com soluções.
A missiva é assinada por vários socialistas, que desta vez, já com António Costa com os pés no Largo do Rato, se resguardaram e não escreveram o nome num documento a defender soluções mais arrojadas.
Com cautela e caldos de galinha, justificam a assinatura do documento com a defesa de uma posição negocial – e sobretudo institucional – diferente daquela apresentada pelos responsáveis do Governo.
Desta vez, o objeto da carta não é o de soluções para Portugal, mas de soluções para a Grécia.
E se para Portugal, os 74 defendiam preto no branco que a “reestruturação da dívida é condição sine qua non para o alcance desses objetivos [crescimento]”, agora, as palavras foram mais cautelosas.
Não se propõem soluções para o caso grego, propõe-se uma postura diferente:
“O que defendemos é que o Governo português, no seio do Conselho Europeu e das instituições europeias não olhe para os gregos como um perigo de extremistas, mas sim que aproveite o que se está a passar na Grécia, para aliviar os países que sofreram. Moderação tem tido o governo grego que tem manifestado abertura na negociação. Quem tem posições extremistas e extremadas tem sido o Governo português“, diz ao Observador Ferro Rodrigues.
Ferro Rodrigues choca-se quando se fala da saída da Grécia do euro como se fosse uma possibilidade e como se não tivesse ecos em Portugal.
Ferro dá de novo a cara por um documento assinado por personalidades de vários quadrantes políticos.
Se antes era apenas deputado, agora Ferro é líder parlamentar, mas diz ao Observador que isso não o coibiu de tomar uma posição pública: “Não há uma posição diferente”.
O partido está representado com dois nomes fortes: Ferro Rodrigues e Carlos César, presidente do PS, um estreante nestas lides epistolares.
A assinatura do chefe António Costa ficou de fora.
Só não explicou se foi por falta de convite.
“Não há soluções perfeitas, mas a pior solução é não procurar nenhuma”, João Cravinho
Se para o Governo o lema voltou ao melhor estilo de “Portugal não é a Grécia”, para os socialistas que assinaram a carta, “somos todos gregos”.
Uns mais que outros.
Uns com mais soluções que outros.
João Cravinho foi um dos promotores (juntamente com Francisco Louçã) do Manifesto dos 74.
Agora, retira as vestes de organizador (diz que foram todos iguais) e pede que se encontre uma solução para os gregos, mas mais que isso, para os portugueses.
Diz que, desta vez, o objetivo principal da iniciativa não foi o de propor uma solução concreta para o problema da dívida pública dos países em dificuldades, mas antes aproveitar o momento para “alertar para necessidade de uma abertura para a negociação” no palco europeu.
Um momento que Portugal não pode desperdiçar “enfiando a cabeça na areia como se nada se passasse”.
“O Governo português não pode continuar nesta situação paralisante, de cego, surdo e mudo em relação ao que se está a passar na Grécia e na Europa. Isso é impensável. Não pode simplesmente sentar-se à beira da estrada a ver os carros a passar e esperar que a Alemanha se decida para depois dizer que sim a tudo. Tem obrigação de fazer mais”, defendeu o socialista.
Cravinho até acha que “não faltam ideias positivas e interessantes” que ajudem a combater o problema do excesso de dívida pública em alguns países, como “a sua substituição por títulos de dívida indexados ao crescimento e a emissão de títulos de dívida perpétua” – medidas defendidas, pelo governo de Alexis Tsipras.
Mas também acrescenta que a vontade não chega, uma vez que “não há soluções perfeitas”.
Essa mesma solução de que fala Cravinho é vista com desconfiança por outro socialista que assina a carta.
O antigo dirigente socialista, Vítor Ramalho, diz é preciso uma “renegociação da dívida” grega porque os gregos não vão conseguir “gerar meios de riqueza suficientes que possam suportar as exigências e os prazos impostos”, mas recusa alinhar na postura de não-pagador: “Ninguém pode simplesmente dizer que não paga. (…)
Há exageros da parte dos gregos quando dizem que só pagam se crescerem tanto”.
Mais do que soluções, uma vez que além disso nem todos concordam com todas as propostas, os subscritores desta carta querem que Portugal não se coloque no lado alemão do xadrez e que alinhe os trunfos com gregos, irlandeses, italianos e espanhóis (apesar de Rajoy ter a mesma posição de força de Passos Coelho).
“O Governo português não pode ter uma atitude de passividade em relação ao que está a acontecer na Grécia e na Europa. (…)
Não pode achar que o problema da Grécia é um problema só da Grécia (…) e nem pode ser a Irlanda, como já aconteceu, a defender os interesses de Portugal”, defendeu o ex-dirigente nacional do PS, Pedro Adão e Silva, também subscritor da carta.
Até porque uma eventual satisfação das pretensões gregas em relação à questão da dívida “poderia ter repercussões na situação portuguesa”.
Aliás, o socialista fez ainda questão de avisar que as negociações sobre a dívida pública devem ser conduzidas entre todos os parceiros europeus.
“O Governo português não pode permitir que aconteça uma negociação bilateral entre a Europa e a Grécia.
Tal, poderia constituir uma afronta para o processo de integração europeia”, alertou Pedro Adão e Silva.
“A Europa está a perder tempo e a chutar o problema para a frente”
Ricardo Cabral, economista que assinou com Francisco Louçã e Pedro Nuno Santos, entre outros, uma proposta para a reestruturação da dívida pública portuguesa, acredita “que Portugal deve defender a posição da Grécia” até porque “não há como pagar esta dívida”. Ainda assim, Ricardo Cabral reconheceu que é “difícil” para o Governo português – o bom aluno tradicional que não contesta nada que o professor diz – e os restantes parceiros europeus “que andaram a aplicar a receita da austeridade, reconhecerem agora que aquilo em que acreditavam estava errado”.
Mas é “fundamental” que o façam antes que seja tarde de mais, avisou Ricardo Cabral.
“A Europa está a perder tempo e a chutar o problema para a frente”.
O problema é que esta viragem, que segundo o economista é essencial para a saúde económica e financeira da Europa, não é apenas uma questão aritmética: “Falar em perdão da dívida pública como solução para a União Europeia envolve sempre uma realidade política que não pode ser ignorada”, sublinhou.
O caminho passa, por isso, por encontrar uma “solução de compromisso” e, aí, “uma mutualização e o reescalonamento da dívida dos países periféricos em maiores dificuldades” podem ser “moralmente e socialmente mais aceitáveis” na ótica dos países que tradicionalmente se opõem à ideia de perdoar a dívida, explicou.
Quanto às negociações entre a Grécia e os parceiros europeus, Ricardo Cabral defende que “o papel fundamental cabe aos decisores alemães e aos decisores do BCE” e, nesse sentido, é preciso aguardar com cautela o desfecho das negociações.
Ainda assim, o economista acredita que “a pressão dos EUA e da Áustria [inesperada até] pode abrir espaço para algumas cedências”.
“A missão desta geração de políticos é reconhecer os problemas estruturais da União Europeia, que nasceram, desde logo, com a União Económica e Monetária, e encontrar soluções.
Soluções que não passam pela receita de austeridade aplicada”, assumiu o economista.
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