Paulo de Almeida Sande
2/2/2015, 11:25
Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa
FUTURO DA GRÉCIA
Varoufakis, grego e não italiano, do alto de uma sabedoria cujos pilares assentam em dois milénios e meio de pensamento e cultura, sorri como quem sabe, mesmo que não saiba nada.
Da conferência de imprensa conjunta entre o novo ministro das finanças grego, Yanis Varoufakis, e o presidente do eurogrupo Jeroen Disjsselbloem, retive uma imagem extraordinária:
Quando Varoufakis termina a sua intervenção e com um gesto de mão passa a palavra a Disjsselboem, este pede um momento para acabar de escutar a interpretação.
Nessa exacta altura, o sorriso polido e protocolar de Varoufakis transforma-se em algo completamente diferente.
O ministro grego faz um gesto largo – como quem diz “ah, ele ainda não ouviu tudo” -, sorri de modo enigmático, entre o divertido e o traquinas (perdoem-me a expressão) e morde o dedo anelar da mão direita.
Acto contínuo Disjsselbloem levanta-se, dando a conferência por terminada; Varoufakis imita-o e enfia a mão esquerda no bolso, seguindo-se uma breve troca de palavras enquanto os dois concluem um aperto de mãos “en passant”, espécie de serviços mínimos de cumprimento de despedida.
A imprensa internacional referiu abundantemente o que foi dito: afirmou Varoufakis que o país não vai continuar a negociar com a “troika”, apenas o fazendo com as instituições europeias.
No momento da espécie de cumprimento, de acordo com várias interpretações, Disksselbloem terá sussurrado a Varoufakis “you just killed the troika” – “você acabou de matar a troika”- , ao que Varoufakis retorquiu com um “wow!”.
Foi um extraordinário momento de colisão entre a “realpolitik” e a realidade, no olho do furacão de uma situação paradoxal e perigosa.
Mas o que verdadeiramente me leva a voltar a escrever sobre a Grécia (tanto dito, há agora que aguardar com paciência o que os próximos dias trarão), é o fascinante sorriso de Varoufakis.
O que estaria a pensar o ilustre Professor de Economia, marxista assumido, naquele momento giocondico da conferência de imprensa?
Seria “desenrasca-te lá desta” ou “tramei-te, nem sabes o que dizer”, ou então “ah, queres ganhar tempo para pensar, pois pensa”; ou ainda “julgam que são mais espertos do que os gregos, ninguém é mais esperto do que os gregos”.
Ou nem sequer terá pensado nada disso, limitando-se a aguardar sem estados de alma a reacção daquele que acabava de surpreender com uma frase inesperada.
E é importante esta hipótese, sabendo-se que os dois homens vinham de uma reunião de duas horas onde, aparentemente, houve um bom entendimento e uma conversa frutuosa (nas palavras do holandês, é verdade); mas se Varoufakis tivesse dito ao interlocutor o que disse na conferência de imprensa, não teria havido razões para surpresa, nem o gozo mal contido por parte do grego.
O que permite concluir que não terá dito nada e guardado “a bomba” para a parte final da conferência pública.
Do que decorre a ideia (simples e profundamente complexa nas suas consequências) de premeditação – e de uma estratégia de provocação baseada na convicção de que a Europa (e os restantes credores) acabarão por ceder.
O novo governo grego parece acreditar que a União Europeia continua a não querer arriscar um grexit (a saída do país do euro), no que aliás é apoiada pelos Estados Unidos (ou será o contrário?), sendo este aspecto importantíssimo.
Pode a Grécia jogar ao gato e ao rato com os credores, União Europeia e FMI?
Pode, mas não tem muito tempo: Varoufakis já afirmou que o país não quer o remanescente da ajuda do programa de ajustamento, 7 mil milhões de €; no verão será necessário um refinanciamento da dívida de 10 mil milhões necessário; e falta ainda saber como serão pagos os custos acrescidos decorrentes das medidas já anunciadas.
As próximas semanas e decerto até ao final de Fevereiro, serão decisivas.
Entretanto, as taxas de juro das dívidas, as agências de notação e os mercados agitam-se e sinalizam a gravidade da situação.
Péssima noticia para a Grécia é o facto desses mesmos mercados já parecerem ter interiorizado a ideia de que o país é um caso singular, o único ainda sob resgate, ao contrário de Portugal, Espanha e Irlanda.
Se o gato europeu se fartar, a Grécia ficará sozinha face a todos os outros predadores.
Repito-me: um boa atitude do governo grego talvez permitisse encontrar uma solução, até a ideia da conferência europeia da dívida começava a ser encarada com benevolência.
O sorriso de Gioconda de Varoufakis aponta numa direcção oposta.
É certo que, depois dessa atitude provocadora, já o novo primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, veio por água na fervura.
Será a estratégia do polícia bom e do polícia mau?
Sinceramente não sei, mas qualquer que seja… é má.
Vejamos as alternativas:
A) O governo tem um plano para uma reestruturação da dívida nos termos que interessam ao país. A atitude adoptada parece ser a pior possível para conseguir esse objectivo.
B) O governo acha que vai continuar a jogar ao gato e ao rato até que, a dias de uma falência real, a União cede e faz tudo o que a Grécia pretende, reestruturando a dívida (ou aceitando a sua denúncia unilateral) e mantendo a ajuda financeira.
C) O governo declara não respeitar o serviço da dívida e deixa de pagar juros.
Cobre as despesas correntes com essa poupança e passa a viver na fronteira da falência soberana, abandonando o euro e provavelmente a União, à mercê dos mercados, sem qualquer recurso possível a crédito internacional.
D) Ou encontra um novo financiador.
Será a Rússia?
Como diriam os velhos americanos, “Remember Álamo” – que neste caso é Chipre.
Para além da Rússia estar sem dinheiro, alguém vê Putin a emprestar dinheiro sem garantias sólidas?
Garantias que a Grécia, naturalmente, não pode dar?
Porque sorri Gioconda?
Ninguém sabe e até hoje esse é um dos mais enigmáticos sorrisos de sempre.
Varoufakis, grego e não italiano, do alto de uma sabedoria cujos pilares assentam em dois milénios e meio de pensamento e cultura, sorri como quem sabe, mesmo que não saiba nada, ou saiba apenas que nada é o que parece até se tornar no que inevitavelmente tem de ser.
E por isso sorri, de mão no bolso.
* Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa
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