Miguel Galvão Teles em 1987
José Pedro Castanheira e Manuela Goucha Soares
21:55 Sexta feira, 23 de janeiro de 2015
Última atualização há 16 minutos
"Foi um grande defensor da causa de Timor" disse ao Expresso o ex-Presidente da República Jorge Sampaio sobre Miguel Galvão Teles, de quem era amigo desde os 10 anos.
O advogado que faleceu hoje aos 75 anos foi assistente de Marcello Caetano, Conselheiro de Estado no tempo de Ramalho Eanes, militante do PS e dirigente do PRD
Os amigos recordam-no como um jurista brilhante e um homem generoso que tinha um talento especial para o futebol.
No final da década de 1950, quando frequentavam a Faculdade de Direito de Lisboa, "até lhe dizíamos que era uma pena ser tão bom em Direito porque [caso contrário] poderia ir para a Académica", conta o ex-Presidente da República Jorge Sampaio, seu colega de curso.
Nascido na Foz do Douro a 4 de outubro de 1939, Miguel Galvão Teles (MGT) não chegava a ser um mês mais novo do que Jorge Sampaio.
Os dois conheceram-se aos 10 anos nos bancos do liceu Pedro Nunes, de onde transitaram para o Passos Manuel e, em 1956, para a Faculdade de Direito de Lisboa que ainda funcionava nas instalações do Campo de Santana.
Foi aí que MGT voltou a ser colega de Jorge Santos [tio materno do secretário-geral do PS, António Costa], com quem frequentara o ensino primário na Escola Francesa no Pátio do Tijolo, em Lisboa.
"Na faculdade jogávamos futebol todos os domingos, no INEF, com o Jorge Sampaio, o Afonso Barros, o Zé Manel Galvão Teles que era primo direito do Miguel, o Vítor Wengorovius, o Vera Jardim" e outros, conta Jorge Santos que mais tarde trabalhou com MGT no mesmo escritório de advogados: "O escritório foi fundado por mim, pelo Vera Jardim e pelo Macedo Cunha; mais tarde, juntaram-se o Jorge Sampaio, Castro Caldas, e o Miguel que tinha uma cabeça privilegiada como jurista", acrescenta Jorge Santos.
O ex-ministro da Justiça, Vera Jardim, recorda que MGT saiu desse escritório "já depois do 25 de Abril de 1974 para ir ajudar o pai".
Jorge Sampaio com Miguel Galvão Teles em dezembro de 2000. Lançamento do livro do ex-PR "Quero dizer-vos"
Da greve académica de 1962 à JUC
"O Miguel foi o melhor aluno do nosso curso, e acabou com média de 18" lembra Vera Jardim: "Chegou a começar o doutoramento, mas devia querer fazer uma tese tão boa", tão inovadora que acabou por ficar pelo caminho.
"Cheguei a ir vê-lo ao hotel do Luso, onde esteve isolado vários meses a trabalhar no doutoramento.
A mim aconteceu-me o mesmo, ainda comecei a trabalhar na tese em Direito Constitucional mas fiquei pelo caminho".
Na crise académica de 1962, MGT "acompanhou a greve" lembra o seu colega de curso Vera Jardim que com ele partilhou também a militância na JUC - Juventude Universitária Católica: "O Miguel fez parte do Conselho Fiscal da Associação Académica presidida por Jorge Sampaio e esteve comigo quando fui presidente da JUC".
Na altura, MGT cursava o 6º ano de Ciências Histórico-Jurídicas na FDL, e o seu pai, o célebre professor de Direito, Inocêncio Galvão Teles, era diretor da faculdade.
No final da crise académica, o Governo de Salazar puniu disciplinarmente 21 estudantes que tinham feito greve de fome, com a expulsão, por 30 meses, de todas as escolas de Lisboa.
Galvão Teles foi um dos co-autores da contestação jurídica aos processos disciplinares - o que constitui um dos seus primeiros trabalhos como jurista.
Disse a Marcello que era de esquerda quando este o convidou
"Conheci o Miguel quando éramos miúdos.
Os nossos pais eram amigos e apesar de ele ter menos quatro anos do que eu, jogava à bola connosco porque era mesmo muto bom", contou ao Expresso Miguel Caetano, filho do professor de Direito e último chefe de Governo do Estado Novo Marcello Caetano.
"O meu pai achava-o brilhante e teve um verdadeiro desgosto por ele não ter feito o doutoramento.
Marcello Caetano teve um "desgosto" por Miguel Galvão Teles não ter feito o doutoramento
Quando o convidou para ser assistente dele na cadeira de Direito Constitucional, o Miguel respondeu-lhe que tinha ideias socialistas.
O meu pai disse-lhe que isso não interessava para o caso e foi o MGT que fez a última revisão do 'Manual de Ciência Política e Constitucional', que foi publicado quando Marcello já era chefe do Governo", acrescenta Miguel Caetano.
Ao contrário do seu colega de curso Vera Jardim, MGT começou a trabalhar como assistente na FDL mal terminou o curso: "O Miguel ficou livre da tropa e eu não.
A minha geração foi a última em que ainda houve muita gente a ficar livre da tropa, porque fomos 'às sortes' antes de a guerra colonial ter começado".
Desse curso de 1956/1961 fizeram ainda parte Sousa e Brito, José Augusto Seabra, Lebre de Freitas e Luiz Braz Teixeira.
"O Lebre de Freitas foi o único a doutorar-se", diz Vera Jardim.
Miguel Caetano lembra ainda que MGT teve sempre uma relação "muito correta" com o velho mestre mesmo quando este já estava no exílio: "Sempre que foi ao Brasil informou-nos e fez questão de visitar o meu pai.
Depois disso fui-o encontrando pela vida fora, até porque fizemos ambos parte do grupo que apoiou o general Ramalho Eanes".
Quando Marcello sucedeu a Salazar, MGT conseguiu obter junto deste um salvo-conduto para o seu amigo Eurico Figueiredo vir a Portugal.
Dirigente estudantil durante a crise de 1962, Eurico exilara-se em Genebra, para não participar na guerra colonial.
De cigarro na boca a ditar o acordo de Cahora Bassa
Em 1975, Jorge Sampaio era secretário de Estado da Cooperação e fez-se acompanhar por Miguel GalvãoTeles quando participou nas negociaçoes do acordo da Hidroelétrica de Cahora Bassa no Songo.
"O Miguel foi o jurista mais imaginativo de várias gerações e isso foi visível na redação do acordo de Cahora Bassa", diz Jorge Sampaio ao Expresso.
Nos bastidores de uma negociação em que para além da delegação portuguesa estavam presentes as delegações de Moçambique e África do Sul - e que tinha por objetivo defender os interesses de Portugal e de Moçambique - MGT ia fumando cigarros enquanto "ditava um acordo extraordinário a andar de um lado para o outro" conta Sampaio: "Eu limitava-me a escrever...", acrescenta.
MGT teve de regressar de urgência a Lisboa, uma vez que a futura mulher adoecera gravemente, chegando a entrar em coma.
Arquivo A Capital Miguel Galvão Teles
A pedido do VI Governo Provisório, fez parte de um grupo 'ad-hoc' que elaborou o parecer sobre o reconhecimento, por Portugal, do Estado e governo de Angola.
O mesmo grupo redigiu a proclamação de independência lida em Luanda, a 11 de Novembro de 1975, pelo último alto-comissário português, Leonel Cardoso.
Defensor da causa de Timor
Este enorme domínio do Direito Internacional Público foi importante "na causa de Timor de que foi um enorme defensor", lembra Jorge Sampaio, acrescentando que teve um papel importante no Tribunal de Justiça tal como o seu pai Inocêncio Galvão Teles intervira nos finais da década de 1950 numa acção judicial intentada por Portugal contra a Índia, no Tribunal Internacional de Justiça, para fazer valer o direito de passagem de Portugal através de território indiano, com vista à instauração da sua soberania sobre os enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli [nessa altura o TIP deu razão a Portugal].
No caso de Timor, MGT foi co-autor do documento assumido pelo Estado português, não reconhecendo a independência unilateral de Timor-Leste declarada pela Fretilin em 1975. Durante anos seguiu atentamente o dossiê Timor, tendo participado nas negociações do chamado Timor Gap, sobre a delimitação das respectivas águas territoriais.
O advogado Ricardo Sá Fernandes recorda a brilhante peça de Direito que MGT apresentou numa arbitragem internacional sobre a questão dos direitos petrolíferos de Timor contra a Austrália no início deste século.
Entre o PS e o grupo de Eanes
Logo a seguir ao 25 de Abril, foi um dos co-autores da Lei Constitucional nº 3/74, que definiu a estrutura constitucional transitória, e que vigorou até à Constituição de 1976.
Foi ainda um dos autores da legislação que proibiu a saída de capitais do país.
Em 1978 aderiu ao PS, juntamente com o grupo de Jorge Sampaio, com quem convivia deste os tempos do liceu e faculdade.
Membro do Conselho de Estado entre 1982 e 1986, por nomeação do então Presidente Ramalho Eanes, participou na fundação do Partido Renovador Democrático.
Manuela Eanes, que foi sua contemporânea na faculdade, diz que está chocada com a sua partida.
Eanes, profundamente sentido com o desaparecimento de um companheiro, disse ao Expresso: "Usufruí da sua colaboração, do seu apoio e da sua crítica, muitas vezes acerada.
Primeiro, no Conselho da Revolução, sobretudo na elaboração e execução do Pacto MFA-Partidos; a seguir, na Presidência da República; depois, como conselheiro de Estado; depois, ainda, no PRD, no seu propósito utópico de devolver a democracia à cidadania, de sociabilizar a política e de politizar a sociedade".
Jorge Sampaio e Ramalho Eanes: os Presidentes que privaram com Miguel Galvão Teles
Com Jorge Sampaio, foi, ainda que num plano informal, um dos seus principais conselheiros constitucionais.
Condecorado por Eanes com a Ordem do Infante D. Henrique e por Sampaio com a Ordem Militar de Cristo.
Num treino do Sporting com Sampaio
O advogado que poderia ter sido um grande jogador de futebol, sentou-se um dia no banco para assistir a um treino do Sporting com o ex-Presidente Jorge Sampaio.
"Não me lembro bem do ano" mas deve ter sido pela década de 1980, conta Sampaio.
Vera Jardim também lembra a paixão que MGT tinha pelo Sporting, clube de foi Presidente da mesa da Assembleia Geral durante 11 anos.
O historiador José Hermano Saraiva, que foi seu professor de Organização Política e Administrativa da Nação no liceu Passos Manuel, recordava-o como um dos dois alunos "mais inteligentes que tive em toda a minha vida".
Apesar disso, MGT viria a confessar que, enquanto jovem estudante, a sua "grande ambição era jogar à bola", desporto onde se iniciou com um grupo de amigos e uma bola de trapos nos becos do bairro de Campo de Ourique.
O legado
Alguns anos depois de ter deixado o escritório de advogados onde trabalhou com Jorge Santos, Vera Jardim e Jorge Sampaio, foi um dos sócios fundadores da sociedade de advogados Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados.
Deixa viúva e quatro filhos.
Era irmão do realizador Luís Galvao Teles, e de José Carlos e de Margarida Galvão Teles.
Cavaco Silva enviou uma mensagem de condolências à família onde o recorda como um dos "mais notáveis juristas da sua geração que sempre se destacou pelo seu profundo amor à liberdade e pela integridade do seu carácter".
O primeiro-ministro Passos Coelho também enviou as condolências à família e diz que MGT foi uma das "mais notáveis personalidades do Portugal democrático.
Homem de inteligência brilhante, jurista de exceção, advogado conceituado, deixa uma marca profunda pelo contributo que deu para a consolidação da democracia em Portugal".
Miguel Galvão Teles morreu esta sexta-feira em Lisboa.
O corpo está na Basílica da Estrela onde haverá uma missa amanhã, sábado, às 16h30.
O funeral sai às 17h30 para o crematório do Cemitério do Alto de S. João.
Sem comentários:
Enviar um comentário