Receioscom saída da Grécia do eurovoltaram a agitar os mercados.
As bolsas afundaram, mas na dívida o stress foi reduzido
GRÉCIA TESTA SOLIDEZ DA ZONA EURO
ANDRE TANQUE JESUS
Terça-feira, 6 de Janeiro de 2015
Os receios de que a Grécia possa
sair da Zona Euro pairam de novo sobre os mercados. As bolsas voltaram a ser
agitadas mas, dizem os analistas, os abalos já não são como antigamente. Reformas de Portugal deverão manter o país a
salvo.
As praças europeias
vestiram-se de negro.
Numa sessão marcada
pelos receios de que a Grécia venha a abandonar o euro, os mercados accionistas
foram mesmo
os mais penalizados.
As principais bolsas
europeias registaram fortes quedas, o euro afundou, ao passo que o efeito nos
juros da dívida foi mais limitado.
Os mecanismos
construídos pela Zona Euro, por um lado, e as melhorias registadas pelos
restantes países da periferia, por outro, diminuíram o efeito de contágio que
caracterizava a Grécia, dizemos analistas.
Já as agências de
“rating” poderão adiar melhorias nas avaliações.
Os mercados até
começaram bem o ano.
A sessão de
sexta-feira, 2 de Janeiro, foi marcada por valorizações, numa tendência sem
continuidade.
No passado domingo, a
revista alemã Der Spiegel citava fontes anónimas do governo de Angela Merkel
que apontavam para um maior desinteresse em relação a uma possível saída da
Grécia da Zona Euro.
O debate foi, assim,
relançado e o pânico instalou-se nos mercados.
O euro recuou para
mínimos de 2006.
As bolsas afundaram
por toda a Europa, lideradas pela Grécia que caiu 5,70%.
Mas também o índice
italiano recuou em força, ao perder 4,92%, enquanto o PSI-20 caiu 3,13%.
Mas também o mercado
de dívida foi afectado, com os juros gregos a 10 anos a subirem 40,5 pontos
base para 9,656%, ao passo que a “yield” portuguesa avançou 10,7 pontos base
para 2,525%.
Um impacto longe das
anteriores turbulências, quando os juros da dívida nacional chegaram a subir
mais de 20 pontos base.
“A Grécia, por si só,
tem pouco impacto.
Vale apenas 2% do PIB
da Zona Euro e, de qualquer forma, tem estado em crise nos últimos cinco anos”,
atira Christian Schulz.
Para o economista
sénior do Berenberg, “é óbvio que, se a Grécia sair da Zona Euro de forma
desordenada, os mercados ficarão agitados por algum tempo noutros países
vulneráveis”.
“Contudo, a Zona
Euro tem em prática uma máquina de resgate bem oleada”, defende, destacando
que “o Mecanismo Europeu de Estabilidade, o programa de Operações Monetárias
Directas do BCE e a provável compra de dívida soberana deverão ser suficientes
para proteger até as maiores economias” da região.
A Grécia, por si só, tem pouco impacto.
Vale apenas 2% do PIB da Zona Euro e, de qualquer
forma, tem estado em crise nos últimos cinco anos.
CHRISTIAN SCHULZ
Economista sénior do Berenberg
“E justo dizer que
Portugal está mais exposto [à turbulência grega] do que outros países”, aponta
Robert Carnell, salientando que, “ainda assim, está numa posição bem melhor do
que a Grécia”.
Para o director de
economia global do ING, os países da periferia “têm feito progressos muito mais
significativos para restaurar o equilíbrio orçamental e estrutural.
Por isso, diz, “a
comparação já não faz sentido”.
E atira: “Os países
da periferia parecem mais dinâmicos do que o do centro da Europa, como França”.
“Ratings” à espera
Numa altura em que os
mercados sofrem pelos abalos gregos, o foco recai também sobre a nova temporada
das agências de notação financeira.
Com Portugal na
agenda da Moody’s para uma possível revisão, esta sexta-feira, 9 de Janeiro,
Robert Camell acredita que, os problemas da Grécia só a esta pertencem e, por
isso “qualquer subida do ‘rating’ do actual ‘lixo’ não deverá ser atrasada por
muito tempo”.
Já Christian Schulz
aponta que uma saída da Grécia poderá levar as agências a “hesitarem”.
Contudo, diz,
"enquanto Portugal continuar com as reformas, a Grécia não deverá ter
muito impacto”.
CONTÁGIO
Porque é que o cenário da saída da Grécia do euro não apavora?
É precipitado assumir
que uma Grécia governada pela extrema-esquerda e eventualmente excluída do euro
não tenha impacto noutros países.
Mas a avaliar pelo
comportamento dos mercados de dívida pública, esse cenário está, por ora, a
penalizar apenas próprio país.
Porquê?
DÍVIDA GREGA ESTÁ QUASE TODA EM MÃOS “OFICIAIS”. EXPOSIÇÃO DO SECTOR
PRIVADO É MAIS LIMITADA
Ao contrário do que
sucedeu em 2010, quando
foi negociado o primeiro resgate à Grécia, a maior parte da dívida pública do
país está agora em mãos “oficiais”, ou seja, de Estados membros do FMI e,
essencialmente, também da Zona Euro. Isto sucede depois de em 2012 (quando
foi acordado o segundo resgate) ter sido imposto aos privados
(fundamentalmente bancos) que perdoassem cerca de dois terços da dívida da
Grécia.
Se um novo governo em
Atenas renunciar ao pagamento de parte da enorme dívida que ainda acumula
(mais de 170% do seu PIB) isso afectará directamente os orçamentos públicos de
outros Estados, sobretudo o alemão e o francês, maiores fiadores dos
empréstimos europeus - no caso de Portugal, estão em causa cerca de 750 milhões
de euros.
Os canais de contágio
ao sector privado - em particular à banca - são, ao invés, agora mais limitados
e, logo, são menores os riscos de derrocadas na banca com impactos negativos
nos fluxos de crédito às empresas e famílias, que afectam mais directamente a
economia real.
ZONA EURO TEM AGORA UM FUNDO DE SOCORRO PARA APOIAR PAÍSES QUE PERCAM
ACESSO AOS MERCADOS FINANCEIROS
Em 2010, a
Zona Euro estava tão despreparada que o primeiro resgate à Grécia foi montado
com base em empréstimos bilaterais dos países europeus.
Neste momento, dispõe
de um fundo de resgate permanente - o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE)
- com capacidade de emprestar até 700 mil
milhões de euros a países que se vejam impossibilitados de aceder aos mercados
financeiros em virtude de uma escalada das taxas de juro.
O acesso a esse fundo
exige, porém, a negociação prévia de um programa de assistência no quadro de
um memorando em que será envolvido o FMI - o que pressupõe negociações
políticas sempre complexas.
Por outro lado, os
fundos disponíveis poderão revelar-se insuficientes se os mercados se fecharem
a um dos “grandes” do euro - uma Itália ou França.
BCE TEM UM PROGRAMA DE COMPRA DE DÍVIDA, MAS QUE NUNCA FOI TESTADO E QUE
PODE SER ILEGAL
Numa segunda linha de
apoio a países com dificuldade de acesso aos mercados financeiros, o BCE criou
o programa de compra de dívida pública nos mercados primário e secundário (OMT,
na sigla inglesa), cuja activação exigirá igualmente a negociação prévia de um
memorando, no quadro de um empréstimo do MEE.
O programa nunca foi
testado e a sua legalidade foi inclusive contestada pelo tribunal
constitucional alemão que o enviou, para escrutínio final, para o tribunal
europeu de justiça, onde permanece.
BANCA ESTÁ MAIS PROTEGIDA DE FALÊNCIAS COM IMPACTO SISTÉMICO
A união bancária é
ainda um estaleiro, mas de pé está o pilar da supervisão centralizada no BCE;
todos os países estão a criar fundos de resolução financiados pelo sector para
acudir a falências de um dos seus congéneres; e os investimentos dos bancos em
dívida pública passaram a ter de ser actualizados em função da variação do seu
valor de mercado. eva gaspar
PÓS-ELEIÇÕES
Três cenários que pairam sobre a Grécia
Os cenários possíveis
no pós-eleições dependem do formato da nova coligação e de quem a liderar.
Vão do “status quo” a
uma renúncia unilateral da dívida pública.
Os cenários prováveis
encaixam-se espectro mais curto.
PACTO COM REFORMAS. TROIKA MANTÉM
FLUXO
O cenário que
garantirá maior estabilidade passa por um compromisso que dê continuidade às
reformas que têm sido executadas no país.
Desta forma, as
exigências dos credores continuavam a ser cumpridas e, por isso, a Grécia
manteria a ajuda externa, sob a forma de financiamento.
Contudo, se este é o
cenário ideal para mercados financeiros, será também o menos provável.
O Syriza, actualmente
à frente das intenções de voto para as eleições, rejeita veemente esta
possibilidade.
REESTRUTURAÇÃO NEGOCIADA
Em cima da mesa há
outro cenário que possivelmente não teria fortes repercussões.
Um acordo entre o
novo Governo helénico e os credores internacionais com vista a uma redução dos
juros e a um alargamento das maturidades satisfaria, em parte, as intenções de
Alexis Tsipras e afastaria os receios de que o país sairia da Zona Euro.
Esta é a hipótese
talvez mais verosímil, embora geradora de tensão.
PERDÃO DA DÍVIDA SÓ “IN EXTREMIS”
Mais difícil e, por
isso, muito pouco provável, seria a Europa e o FMI responderem afirmativamente
à exigência de um corte substancial na dívida do país, como diz querer o
Syriza.
Esta possibilidade
seria inovadora na história do FMI e acarretaria transferir a responsabilidade
da dívida grega para os contribuintes dos países credores. ATG
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