TEXTO PEDRO CORDEIRO
VÍDEO ANDRÉ DE ATAYDE
FOTO REUTERS
FIGURA INTERNACIONAL
VLADIMIR PUTIN
O NOVO CZAR DOS RUSSOS
Ao anexar a Crimeia, ao apoiar os separatistas ucranianos e ao desafiar os EUA e a União Europeia, apesar das duras sanções, o Presidente russo fez ressurgir, 25 anos após a queda do Muro de Berlim, o espetro da guerra fria.
A Vladimir Putin só uma coisa parece meter-lhe medo: a queda do preço do petróleo
Há 40 anos que não havia uma anexação na Europa.
A tomada da parte norte da ilha de Chipre pelos turcos, em 1974 — criando a República Turca de Chipre do Norte, que só Ancara reconhece — foi a última apropriação de território alheio... até este ano.
A Crimeia, uma república até agora pertencente à Ucrânia, passou a integrar a Federação Russa.
A península fora cedida a Kiev em 1953, uma oferta da República Socialista Soviética Russa à sua congénere ucraniana, ainda no quadro da URSS, para celebrar os 300 anos da união entre ambas.
O que Khrutschov deu, outro senhor do Kremlin volta a tirar: Vladimir Putin.
Há que recuar a 21 de novembro de 2013 para contar a história da primeira anexação europeia do século XXI.
Nesse dia, o então Presidente ucraniano, Viktor Ianukovitch, rasgou o acordo de cooperação que negociara com a União Europeia, voltando a aproximar-se de Moscovo. Num país a precisar de dinheiro e dividido entre pró-ocidentais e pró-russos, os primeiros ocuparam a Praça Maidan (Independência), no centro da capital, e nasceu o movimento Euromaidan.
Se predominavam os manifestantes pacíficos, é verdade que a multidão incluía de tudo, incluindo ultras nacionalistas e militantes da extrema-direita que se envolveram em duros confrontos com a polícia de choque.
A 22 de fevereiro, após semanas de manifestações, o Parlamento ucraniano destituiu Ianukovitch.
Entretanto, o Governo da Crimeia, pró-russo, tal como a maioria dos habitantes da península, avançou com um referendo sobre o eventual regresso à Mãe-Rússia.
A 16 de março, 96,77% dos eleitores escolheram essa opção.
Passados dois dias, tropas não-identificadas (forças especiais russas e elementos da Marinha vindos das bases navais russas na Crimeia) tomaram a sede do Governo regional e nomearam primeiro-ministro Serguei Aksyonov, líder do partido minoritário Unidade Rússia.
Putin reconheceu a independência da Crimeia, relativamente à Ucrânia, para logo a anexar. Em defesa do legado da URSS.
Foi o ato mais simbólico do ano por parte do Presidente russo, que já mostrara não ter contemplações para com a integridade das ex-repúblicas soviéticas.
Putin considera a desintegração da União Soviética “a maior tragédia geopolítica do século XX” e assume uma postura de líder — “czar”, dizem as más-línguas — de todos os russos, vivam onde viverem.
Protegê-los é, não raro, o pretexto para ações pouco edificantes à luz do direito internacional.
Em 2008, Putin liderou uma ação armada contra as tropas georgianas na Ossétia do Sul, legalmente território da Geórgia, mas “de facto” independente sob a égide do Kremlin.
É, tal como a Abecásia (também georgiana no papel), reconhecida apenas pela Rússia, Nicarágua, Venezuela e Nauru.
Também é useiro e vezeiro em aproveitar a dependência das exportações russas de energia para fins políticos, “fechando a torneira” quando os ventos não sopram de feição.
Vladimir Putin cumpriu o seu 10º ano como chefe de Estado.
Presidente desde 2000, por nomeação do demissionário antecessor Boris Ieltsin, o ex-agente do KGB (serviços secretos) venceu as presidenciais desse ano com 53,4% dos votos e foi reeleito, em 2004 com 71%.
Em 2008, e dado que a Constituição proibia um terceiro mandato, trocou de lugar com o primeiro-ministro, Dmitri Medvedev.
Este assumiu a presidência, Putin a chefia do Governo.
NO KREMLIN ATÉ 2024?
Poucos tiveram dúvidas sobre quem mandava no país mais vasto do mundo.
E ninguém abriu a boca de espanto quando a troca de chapéus se desfez em 2012, não sem antes Medvedev ter feito alargar o mandato presidencial de quatro para seis anos.
Ou seja, Putin poderá, no limite, mandar sem interrupções até 2024.
Nada disto acontece à margem da propaganda e do culto da personalidade.
Ficaram célebres as fotos de Putin — que é cinturão negro de judo — em tronco nu ou a cavalo, mostrando a sua robustez.
Quando, em 2007, fez aparecer o seu cão, Koni, numa reunião com Angela Merkel, a chanceler alemã comentou: “Eu percebo porque tem ele de fazer isto.
Para provar que é homem.
Tem medo das suas próprias fraquezas.
A Rússia não tem nada, não tem êxito na política nem na economia.
Isto é tudo o que tem”.
Implacável face aos movimentos que contestaram o seu regresso ao Kremlin, Putin apoia o seu poder em organizações como o movimento juvenil Nashi (que se declara “antifascista”, mas tem traços de milícia ultranacionalista).
No Ocidente acusam-no de recriar a Guerra Fria, por saudosismo da grandeza soviética que se esforça por recuperar, em eventos como os Jogos Olímpicos de Inverno, organizados este ano em Sochi, perto da Crimeia.
A fatura de 41 mil milhões de euros bateu todos os recordes olímpicos.
UMA CADEIA DE OPERAÇÕES DE CHARME
Para conquistar simpatias, Putin até libertou o seu arqui-inimigo Mikhail Khodorkovsky, ex-oligarca encarcerado há nove anos, cuja petrolífera Yukos o Presidente fez absorver pela estatal Gazprom.
Idem para elementos da banda contestatária Pussy Riot.
Segue-se, no calendário dos eventos, o Mundial de Futebol de 2018.
Encolhendo os ombros às sanções impostas pelos Estados Unidos e a União Europeia na sequência dos tumultos da Ucrânia e da violência nas regiões separatistas pró-russas de Donetsk e Lugansk, Putin ri-se — pelo menos para consumo externo — e não hesita em brincar com o espaço dos demais.
Ainda este ano dois caças F-16 da Força Aérea portuguesa intercetaram, ao serviço da NATO, dois aviões militares russos que tinham entrado no espaço aéreo vigiado por Portugal.
Resta saber até quando durará o império de Putin.
Se é inegável que marcou o ano 2014, não é menos certo que a baixa do preço do petróleo (quase 50% entre junho e dezembro) representou um rude golpe na economia russa.
Nas últimas semanas, juntou-se-lhe uma quebra abissal do valor da moeda nacional, o rublo, nos mercados cambiais.
As bolsas russas caíram 30% na primeira quinzena deste mês, o que deixa adivinhar uma quadra natalícia pouco simpática.
Os votos de “próspero Ano Novo” nunca devem ter sido tão desejados.
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