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segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

AS ESCOLHAS DO EXPRESSO EM 2014 - Acontecimento Nacional O ESTOURO DO BES

Texto  JOÃO VIEIRA PEREIRA 
Vídeo JOÃO SANTOS DUARTE 
Foto   TIAGO MIRANDA
ACONTECIMENTO NACIONAL
O ESTOURO DO BES


A queda do império
Em janeiro, Espírito Santo confundia-se com dinheiro e poder. Doze meses depois, rima com falência. Não foi só um grupo económico, foi todo um sistema de poder que morreu

Desconhece-se o autor da alcunha de Ricardo Salgado. 
O próprio despreza o título. 
Numa entrevista publicada no início de 2013, a propósito dos 40 anos do Expresso, foi confrontado publicamente pela primeira vez com o facto de o apelidarem de DDT – Dono Disto Tudo. 
Reagiu mal: "Isso é um disparate. 
O nosso grupo procura manter a sua ética e assim tem sido desde sempre. 
O que temos feito é fruto da vontade de valorizar o nosso país e não com o objetivo de dominar a economia".

Mas se Salgado não se sentia assim, era desse modo que os seus pares o viam. 
Ainda mais quando 2013 terminou com a sua vitória clara na guerra pela liderança. 
O ataque veio do seu primo José Maria Ricciardi,que tentou unir os vários ramos da família em torno de um novo desígnio: mudar cúpula do grupo Espírito Santo. 
Os mesmos familiares, que numa primeira fase lhe deram o apoio, retiraram-no depois. 
Os mesmos que hoje devem estar arrependidos por não terem acreditado em Ricciardi mais cedo.

Na altura ainda havia algo para salvar. 
No início deste ano, comentava com um banqueiro português o caso Espírito Santo, dizendo-lhe que havia pouco do grupo para salvar. 
Como resposta disse-me: "Podem sempre vender o banco". 
Seis meses depois já nem banco havia para vender.

Ricardo Salgado entra em 2014 com o controlo de tudo. 
Ou pelo menos do que conseguia. 
Fora da sua vasta área de influência estava a capacidade de tirar o país de uma das mais graves crises económicas e financeiras. 
Quando o endividamento do Grupo Espírito Santo começou a crescer exponencialmente o ex-líder do BES Santo não contava que a crise iniciada em 2008 se arrastasse por seis anos. 
O que começara como uma necessidade, a de esconder perdas de 180 milhões, terminou com a falência da família e a separação do BES em dois banco, o bom e o mau.

Com a falência do Grupo Espírito Santo e o desaparecimento do segundo maior banco privado português terminou mais do que um potentado económico: foi o fim de uma cúpula de poder que moldou os último 25 anos da economia, o fim de um regime.


O INÍCIO DO FIM
O véu, ou melhor, a manta pesada e negra que escondia os problemas financeiros do GES começou a ser destapada após o exercício de controlo do Banco de Portugal. 
A primeira notícia é dada pelo Expresso em Setembro de 2013, referindo o excesso de concentração da dívida do grupo num fundo de investimento gerido por uma sociedade do banco. 
Em janeiro deste ano poucos apostavam na queda de Salgado.

Nada supunha que os problemas pudessem ser tão graves. 
No primeiro dia de Fevereiro, o Expresso noticia que está em curso uma auditoria à Espírito Santo International a pedido do Banco de Portugal. 
Era o princípio de uma bola de neve que se tornou imparável. 
O BES Santo apresenta pouco dias depois prejuízos superiores a 500 milhões. 
O último ano em que tinham sido distribuídos dividendos às holdings da família fora em 2011. 
A situação financeira das empresas estava já muito complicada e veio a agravar com o buraco descoberto na ESI, de 1,3 mil milhões, cujas contas tinham sido manipuladas desde 2008.

O que se passou depois disso foi uma sucessão de erros, decisões e acontecimentos que acabaram por obrigar o Banco de Portugal a intervir. 
Em meses assistimos a uma tentativa desesperada de Carlos Costa de isolar o impacto que a parte não financeira do grupo pudesse ter no BES e nos seus clientes. 
Lutando nesse caminho com a gestão de Ricardo Salgado que tentava provar que tudo estava bem. 
Desaparecimento de milhares de milhões de euros em Angola, garantias, aumentos de capital, pedido de alteração da liderança do banco, novo CEO que nunca chegou a ser, cartas de conforto, e até uma nova administração liderada por Vítor Bento. 
Meses alucinantes que levaram o Expresso a fazer oito manchetes seguidas sobre o tema.

A queda do Grupo Espírito Santo teve ramificações um pouco por todo o lado. 
A Portugal Telecom foi de longe a mais importante. 
Um investimento de 900 milhões de euros em dívida da ESI e depois da Rio Forte contribuíram de maneira decisiva para termos hoje uma PT muito diferente. 
Em poucos meses a maior operadora de telecomunicações passou de estratégica a dispensável.

3 DE AGOSTO DE 2014
A data ficará registada como o dia do fim do BES. 
A resolução do banco apresentada por Carlos Costa apanhou todos de surpresa. 
Depois de as portas se fecharem sucessivamente à família Espírito Santo foi-se conhecendo toda a verdade. 
Muito mais feia do que se podia pensar. 
O BES apresenta prejuízos históricos de 3,57 mil milhões de euros nos últimos dias de julho. 
Era preciso salvar o banco. 
O uso da linha de recapitalização foi afastado pelo Governo, que aliás se manteve sempre muito longe de todo este processo, inclusive quando Ricardo Salgado pediu ajuda direta a Passos Coelho. 
A Carlos Costa restou apenas a hipótese de resolução, cenário que funcionou como aquilo que ele sempre tentou evitar ser, o carrasco do BES.

Até ao fim do ano Vítor Bento, José Honório e João Moreira Rato ainda bateram com a porta, em rutura com o governador do Banco de Portugal. 
Foram substituídos por Eduardo Stock da Cunha e o Novo Banco voltou aos poucos a operar dentro da normalidade possível.

O caso GES/BES ainda está para ficar. 
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) montou um circo mediático à volta do caso. 
Os trabalhos começaram há poucas semanas e nem duas dezenas de pessoas foram ouvidas. 
Ainda faltam mais de 100, sem contar com os que terão de voltar à CPI. 
Até ao momento há poucas certezas sobre as responsabilidades no caso.

Um a um, os intervenientes foram deixando cair Ricardo Salgado, mas sempre com uma confortável rede para o aparar. 
As frases que mais ecoam dão conta de um total desconhecimento do que se passava. 
Era Salgado, o centralizador, que tudo geria. 
Os outros confiavam. 
Da mesma maneira como é pouco provável que Francisco Machado da Cruz tenha decidido sozinho falsear as contas da ESI, também é difícil acreditar que Salgado tenha conseguido destruir um império sozinho.

Em 2014 houve o estrondo do BES; os próximos anos serão palco de investigações, acusações e batalhas legais pelos despojos do antigo império. 
Os estragos vão perdurar por anos.

Se há um ano alguém ousasse desenhar o cenário de um Portugal sem BES o mais provável era receber uma gargalhada como resposta.

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