António Ramalho Eanes
23:09 Sexta feira, 23 de janeiro de 2015Última atualização há 25 minutos
O ex-Presidente da República António Ramalho Eanes traça um perfil do seu amigo e Conselheiro de Estado, Miguel Galvão Teles.
Um exclusivo do Expresso onde Eanes afirma que via MGT "como um irmão, ao mesmo tempo mais velho e mais novo".
Olhando em perspectiva a vida deste homem, Miguel Galvão Teles, para quem o destino foi, contraditoriamente, tão pródigo e tão injustamente avaro, eu recordo as palavras de Malraux, que bem poderiam sintetizar este homem tão grande: "Quem poderá matar [a sua] imortalidade?"
E não há neste registo, neste meu registo, um exagero emotivo, natural, aliás, nesta altura, para mim, que o assumo como um irmão, ao mesmo tempo mais velho e mais novo. Irmão que admirava pela sua inteligência, de excepção, pela sua cultura e cosmopolitismo, pela sua doação, devotada, diria eu, aos amigos, pela sua lucidez política, pela sua, sempre, empenhada disponibilidade de servir os seus ideais humanistas, sem nunca se escravizar, por eles, lutando sem contabilidades pessoais, com exemplar e prudencial inteligência, isto é, a um só tempo globalizante e pormenorizada, que o tornava um idealista do real possível.
Queria mudar Portugal; mudá-lo totalmente, conjugar virtuosamente, na democracia, a liberdade e a igualdade, fazer de Portugal uma verdadeira comunidade de justiça, de afectos, de unidade de propósitos, enfim, de irmãos.
Mas, mudá-lo com reformas, de propósito e acção estratégicos, de unidade popular bem sentida no afecto, procurada na razão, realizada no quotidiano e bussolada pelo verdadeiro bem comum.
Tudo isto era seu anseio, ideal e idealizante.
Na sua praxis, sempre fiel se manteve contra as revoluções em que o sonho, as bandeiras e as espadas pouco tardam, quase sempre, a ser substituídos pela prisão que afoga a dignidade, a esperança e o futuro, pela fortuna que, normalmente, destrói a verdade e a dignidade, pelos cutelos de execução que cortam, com a morte, o fio tão dramático quão belo da vida do homem, dessa maravilha do mundo, de Deus ou sem deus.
Aqui, nesta dramática bifurcação, histórica, de todos os tempos, ele reconhecia, com aquele sorriso de ternura, como Togliatti, com a sua célebre metáfora, que "a girafa, animal estranho mas real, impõe-se ao unicórnio, ser maravilhoso, mas, por infelicidade, inexistente".
Não exagero.
Eu conhecia Miguel Galvão Teles.
Conhecia-o bem - primeiro, sem pessoalmente o conhecer.
Jovem capitão, resolvi fazer, na Faculdade de Direito, a cadeira de Ciência Política e Direito Constitucional.
A minha formação tinha por base a Matemática e as ciências exactas, que ela gera ou, pelo menos, alimenta.
Preparei-me para o exame com o Manual de Ciência Política e Direito Constitucional de Marcelo Caetano, revisto pelo seu assistente, Miguel Galvão Teles.
Fiquei deslumbrado.
Afinal, o Direito - no caso, o Direito Constitucional - e a Ciência Política poderiam ser quase Matemática e quase Estética!
Contactei pessoalmente com Miguel Galvão Teles anos depois.
Contacto e interacção, para mim, de descoberta e não raro de profunda admiração, pelas suas qualidades, pela sua qualidade de verdadeira excelência.
Usufruí, então, da sua colaboração, do seu apoio e da sua crítica, muitas vezes acerada. Primeiro, no Conselho da Revolução, sobretudo na elaboração e execução do Pacto MFA-Partidos; a seguir, na Presidência da República; depois, como conselheiro de Estado; depois, ainda, no PRD, no seu propósito utópico de devolver a democracia à cidadania, de sociabilizar a política e de politizar a sociedade.
Depois de terminado o segundo mandato, segui a sua caminhada profissional.
Caminhada brilhante, a todos os títulos, de um grande profissional da advocacia.
Pena tive que as necessidades da vida o tivessem afastado da universidade, e com que prejuízos para o País, para todos nós.
E também neste percurso profissional - de necessidade, lhe chamo eu -, Miguel Galvão Teles foi excepcional, pela sua inteligência, competência, eficácia, honestidade e tolerância.
E, permitam-me que, sentidamente, repita, neste momento de partida e mágoa: Miguel Galvão Teles, "quem poderá matar [a tua] imortalidade? - pelo menos, nos nossos corações, na nossa memória, na nossa saudade.
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