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segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

A culpa não é sempre dos alemães


Na Grécia, a oligarquia, agora reforçada pelo Syriza, não luta pela independência, mas pela dependência. 

A culpa só será dos alemães se, mais uma vez, eles aceitarem a chantagem.


7 de Janeiro de 2015   7:59
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A culpa só será dos alemães se, mais uma vez, eles aceitarem a chantagem.
Em Atenas, não há dúvidas: a culpa é dos alemães. 
Pelo que dizem ou pelo que não dizem, pelo que emprestam ou pelo que não emprestam — pouco importa: a responsabilidade é deles e só deles. 
No entanto, não foi sempre assim. 
Antes da conspiração alemã para converter o continente à austeridade, houve a conspiração americana para abater o euro. 
Foi há quatro anos: a culpa era então das agências de rating e dos mercados de capitais, ambos avatares do imperialismo monetário americano, supostamente determinado a impedir o euro de substituir o dólar nos porta-moedas chineses. 
Só depois, é que a culpa casou com os alemães, acusados de usar o poder do Euro para lavar a Europa do barroquismo latino e do bizantinismo grego.

Não foi, porém, a Alemanha que forçou a adesão dos países do sul à moeda única. 
Os alemães desconfiavam do euro, e os seus governantes receavam a companhia da Grécia. 
Foram os países do sul que se impuseram, e se os nórdicos têm culpa, é talvez a de não terem resistido mais. 
Entretanto, a paixão grega pelo euro não acabou. 
Os gregos, hoje, parecem não querer pagar a dívida ou ajustar a despesa ao produto nacional. 
Mas continuam a querer o Euro, ou mais exactamente, o dinheiro estável e barato que o Euro significa, e que nunca a Grécia conheceu noutro regime. 
Mas querendo os benefícios, dispensam as regras. 
Porque é que julgam que isso será possível?

Essencialmente, porque a oligarquia grega convenceu-se de que o Euro é um projecto político, e não monetário ou económico. 
A base dessa crença está na história da origem do Euro: primeiro, criou-se a moeda, e depois esperou-se que as economias entrassem em sintonia. 
Ou seja, a prioridade parecia ser lançar as fundações de uma Europa politicamente unida, mais do que definir uma zona monetária coerente. 
O carácter político do Euro provava-se ainda pela admissão da próprio Grécia, que todos sabiam não cumprir os chamados “critérios de Maastricht”.  
Se a Grécia, sem cumprir, entrou, porque é que não haveria de ficar, mesmo não cumprindo?

Há quem, neste ponto, note que os gregos teriam razão no sentido em que o Euro, enquanto moeda forte, mais adequada à economia alemã do que à grega, seria a origem dos seus problemas. 
De certa forma, mereceriam ser indemnizados por isso.  
Não é completamente verdade. 
O Euro não é a razão das dificuldades do sul europeu. 
A causa da crise da Europa meridional está na expectativa de sociedades que se lançaram na globalização à procura de investimento e de crescimento, mas que não estiveram dispostas a adaptar-se para competir, e por isso não atraíram investimento nem geraram crescimento.

A economia portuguesa é um exemplo: de facto, nunca recuperou do choque da abertura dos mercados e do alargamento da União Europeia desde a década de 1990. 
Relutante em fazer reformas, a oligarquia política portuguesa abusou do crédito barato gerado pelo euro, e incentivou cidadãos e empresas a fazerem o mesmo, com a esperança de que as despesas fossem  reprodutivas. 
Não eram: eram apenas despesas. 
A história da Grécia não é muito diferente.

A questão não é de contrastes “culturais” entre o germanismo ou protestantismo do norte, e o latinismos ou catolicismo do sul (ou bizantinismo e ortodoxia, no caso grego), que seria necessário ajudar a coexistir dentro do Euro. 
Primeiro, ninguém alguma vez demonstrou que o défice e a dívida tivessem a ver especificamente com a latinidade ou o catolicismo. 
Segundo, é verdade que nas décadas anteriores à integração monetária, o inflacionismo – isto é, o abuso da moeda — vigorou no sul da Europa e na Irlanda, como demostrou Vítor Bento no seu livro Euro Forte, Euro Fraco. 
Mas ao contrário de Vítor Bento, não creio que seja necessário reconhecer profundidades antropológicas a percursos e situações circunstanciais.

Como nota o próprio Vítor Bento, a Irlanda, sem deixar de ser a Irlanda, ultrapassou a “cultura” inflaccionista. 
E Portugal até tem, ao contrário do que é costume repetir-se, uma história de esforços de equilíbrio: em regimes autoritários, como no caso de Afonso Costa em 1913 ou de Salazar em 1928, mas também em democracia: depois de 1974, o actual regime foi capaz de executar programas de ajustamento em 1978, em 1983 e em 2011, sempre com resultado, prova de que a sociedade portuguesa sabe adaptar-se. 
A resistência às reformas e ao rigor orçamental não é “cultural”, mas ideológica e sobretudo motivada pela percepção de uma oportunidade política.

Os alemães, de resto, também não colaboram, gastando como tantos lhe pedem, por qualquer moralismo luterano. 
É que a Alemanha não é um milagre: é também um esforço. 
No século XX, registou alguns dos maiores desregramentos financeiros do mundo, como a célebre “morte do dinheiro” na década de 1920. 
Ainda há apenas quinze anos, era um dos “homens doentes” da Europa. 
Tem uma sociedade tão envelhecida como a nossa, uma opinião tão dividida como a nossa, e um Estado social igualmente sob pressão como o nosso. 
Fez, entretanto, ajustamentos e adaptações que funcionaram, mas cujos efeitos podem ter-se esgotado entretanto. 
É natural que os seus líderes e cidadãos receiem o compromisso de sustentar regimes europeus inviáveis. 
Não é preciso invocar a “austeridade” luterana para compreender os alemães.

A este respeito, a integração europeia, e sobretudo a união monetária, pode ter sido involuntariamente perversa. 
Em teoria, deveria ter ajudado as oligarquias do sul a adaptar gradualmente os seus países à globalização. 
Em vez disso, a ideia de que o sentido do Euro é sobretudo político gerou nessas oligarquias a expectativa de que seria possível forçar o norte a financiar a relutância em mudar no sul. 
Se a prioridade é construir uma Europa unida, para além de toda a racionalidade económica, então faz sentido apostar em que, a fim de evitar a desagregação da zona Euro, toda a gente fará o que for preciso, inclusive pagar os défices gregos.

É o que todos, agora, suspeitam que significa o Syriza: não um qualquer chavismo balcânico, para que falta aliás o petróleo, mas apenas uma nova maneira de pressionar a Europa do norte. 
Na Grécia, a oligarquia, agora reforçada pelo Syriza, não luta pela independência, mas pela dependência. 
A culpa só será dos alemães se, mais uma vez, eles aceitarem a chantagem.

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