Na Grécia, a oligarquia, agora reforçada pelo Syriza, não luta pela independência, mas pela dependência.
A culpa só será dos alemães se, mais uma vez, eles aceitarem a chantagem.
7 de Janeiro de 2015 7:59
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A culpa só será dos alemães se, mais uma vez, eles aceitarem a chantagem.
Em Atenas, não há dúvidas: a culpa é dos alemães.
Pelo que dizem ou pelo que não dizem, pelo que emprestam ou pelo que não emprestam — pouco importa: a responsabilidade é deles e só deles.
No entanto, não foi sempre assim.
Antes da conspiração alemã para converter o continente à austeridade, houve a conspiração americana para abater o euro.
Foi há quatro anos: a culpa era então das agências de rating e dos mercados de capitais, ambos avatares do imperialismo monetário americano, supostamente determinado a impedir o euro de substituir o dólar nos porta-moedas chineses.
Só depois, é que a culpa casou com os alemães, acusados de usar o poder do Euro para lavar a Europa do barroquismo latino e do bizantinismo grego.
Não foi, porém, a Alemanha que forçou a adesão dos países do sul à moeda única.
Os alemães desconfiavam do euro, e os seus governantes receavam a companhia da Grécia.
Foram os países do sul que se impuseram, e se os nórdicos têm culpa, é talvez a de não terem resistido mais.
Entretanto, a paixão grega pelo euro não acabou.
Os gregos, hoje, parecem não querer pagar a dívida ou ajustar a despesa ao produto nacional.
Mas continuam a querer o Euro, ou mais exactamente, o dinheiro estável e barato que o Euro significa, e que nunca a Grécia conheceu noutro regime.
Mas querendo os benefícios, dispensam as regras.
Porque é que julgam que isso será possível?
Essencialmente, porque a oligarquia grega convenceu-se de que o Euro é um projecto político, e não monetário ou económico.
A base dessa crença está na história da origem do Euro: primeiro, criou-se a moeda, e depois esperou-se que as economias entrassem em sintonia.
Ou seja, a prioridade parecia ser lançar as fundações de uma Europa politicamente unida, mais do que definir uma zona monetária coerente.
O carácter político do Euro provava-se ainda pela admissão da próprio Grécia, que todos sabiam não cumprir os chamados “critérios de Maastricht”.
Se a Grécia, sem cumprir, entrou, porque é que não haveria de ficar, mesmo não cumprindo?
Há quem, neste ponto, note que os gregos teriam razão no sentido em que o Euro, enquanto moeda forte, mais adequada à economia alemã do que à grega, seria a origem dos seus problemas.
De certa forma, mereceriam ser indemnizados por isso.
Não é completamente verdade.
O Euro não é a razão das dificuldades do sul europeu.
A causa da crise da Europa meridional está na expectativa de sociedades que se lançaram na globalização à procura de investimento e de crescimento, mas que não estiveram dispostas a adaptar-se para competir, e por isso não atraíram investimento nem geraram crescimento.
A economia portuguesa é um exemplo: de facto, nunca recuperou do choque da abertura dos mercados e do alargamento da União Europeia desde a década de 1990.
Relutante em fazer reformas, a oligarquia política portuguesa abusou do crédito barato gerado pelo euro, e incentivou cidadãos e empresas a fazerem o mesmo, com a esperança de que as despesas fossem reprodutivas.
Não eram: eram apenas despesas.
A história da Grécia não é muito diferente.
A questão não é de contrastes “culturais” entre o germanismo ou protestantismo do norte, e o latinismos ou catolicismo do sul (ou bizantinismo e ortodoxia, no caso grego), que seria necessário ajudar a coexistir dentro do Euro.
Primeiro, ninguém alguma vez demonstrou que o défice e a dívida tivessem a ver especificamente com a latinidade ou o catolicismo.
Segundo, é verdade que nas décadas anteriores à integração monetária, o inflacionismo – isto é, o abuso da moeda — vigorou no sul da Europa e na Irlanda, como demostrou Vítor Bento no seu livro Euro Forte, Euro Fraco.
Mas ao contrário de Vítor Bento, não creio que seja necessário reconhecer profundidades antropológicas a percursos e situações circunstanciais.
Como nota o próprio Vítor Bento, a Irlanda, sem deixar de ser a Irlanda, ultrapassou a “cultura” inflaccionista.
E Portugal até tem, ao contrário do que é costume repetir-se, uma história de esforços de equilíbrio: em regimes autoritários, como no caso de Afonso Costa em 1913 ou de Salazar em 1928, mas também em democracia: depois de 1974, o actual regime foi capaz de executar programas de ajustamento em 1978, em 1983 e em 2011, sempre com resultado, prova de que a sociedade portuguesa sabe adaptar-se.
A resistência às reformas e ao rigor orçamental não é “cultural”, mas ideológica e sobretudo motivada pela percepção de uma oportunidade política.
Os alemães, de resto, também não colaboram, gastando como tantos lhe pedem, por qualquer moralismo luterano.
É que a Alemanha não é um milagre: é também um esforço.
No século XX, registou alguns dos maiores desregramentos financeiros do mundo, como a célebre “morte do dinheiro” na década de 1920.
Ainda há apenas quinze anos, era um dos “homens doentes” da Europa.
Tem uma sociedade tão envelhecida como a nossa, uma opinião tão dividida como a nossa, e um Estado social igualmente sob pressão como o nosso.
Fez, entretanto, ajustamentos e adaptações que funcionaram, mas cujos efeitos podem ter-se esgotado entretanto.
É natural que os seus líderes e cidadãos receiem o compromisso de sustentar regimes europeus inviáveis.
Não é preciso invocar a “austeridade” luterana para compreender os alemães.
A este respeito, a integração europeia, e sobretudo a união monetária, pode ter sido involuntariamente perversa.
Em teoria, deveria ter ajudado as oligarquias do sul a adaptar gradualmente os seus países à globalização.
Em vez disso, a ideia de que o sentido do Euro é sobretudo político gerou nessas oligarquias a expectativa de que seria possível forçar o norte a financiar a relutância em mudar no sul.
Se a prioridade é construir uma Europa unida, para além de toda a racionalidade económica, então faz sentido apostar em que, a fim de evitar a desagregação da zona Euro, toda a gente fará o que for preciso, inclusive pagar os défices gregos.
É o que todos, agora, suspeitam que significa o Syriza: não um qualquer chavismo balcânico, para que falta aliás o petróleo, mas apenas uma nova maneira de pressionar a Europa do norte.
Na Grécia, a oligarquia, agora reforçada pelo Syriza, não luta pela independência, mas pela dependência.
A culpa só será dos alemães se, mais uma vez, eles aceitarem a chantagem.
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