ENTREVISTA
12 de Janeiro de 2015
Texto>. JORGE NASCIMENTO RODRIGUES
Em entrevista ao Expresso, George Pagoulatos, professor de Política e Economica Europeia na Universidade de Economia e Finanças de Atenas, fala sobre a situação instável no país, em vésperas de eleições legislativas antecipadas.
Os mercados financeiros estão nervosos com a crise
helénica e temem uma saída da Grécia do euro se as eleições a 25 de janeiro
forem ganhas pelo partido de Oposição de esquerda Syriza e se um compromisso
posterior não for alcançado com a troika.
O risco de Grexit (saída da Grécia do
euro, em inglês) foi agitado por alguns jornais alemães e a volatilidade regressou aos
mercados financeiros europeus.
O académico independente George Pagoulatos acha que, no
caso de uma vitória do Syriza, apesar do espaço ser extremamente limitado, “não há motivo para que não se alcance um acordo de compromisso”.
O jornal alemão “Die Welt” diz esta segunda-feira que o apoio a
uma nova reestruturação da dívida grega ganha terreno em Bruxelas,
No domingo, o primeiro-ministro holandês Mark Rutte afirmou em entrevista ao jornal “Nu” que uma
saída da Grécia seria um acontecimento “bizarro”.
A agência de notícias espanhola EFE
adianta que Bruxelas se inclina para adiar o final do programa de resgate por mais seis
meses.
A Grécia regressou aos radares dos investidores desde meados de
outubro quando o Fundo Monetário Internacional e Bruxelas disseram não a uma “saída
limpa” do país do segundo programa de resgate.
Essa decisão tirou o tapete à estratégia
do governo de coligação conservador-socialista chefiado por Antonis Samaras e levou à
subida dos juros da dívida a 10 anos, primeiro acima do limiar vermelho
dos 7% e depois provocando um disparo ate 10 %, após convocação das eleições presidenciais antecipadas em dezembro.
O acto único
presidencial, apresentado pelo governo e apoiado por Bruxelas, perdeu nas três voltas
de votações realizadas no Parlamento helénico, o que obrigou à convocação
de eleições legislativas antecipadas para 25 de janeiro.
O risco de bancarrota do
país supera hoje os 60% e a rentabilidade anual da dívida obrigacionista grega é
negativa, o único caso na zona euro.
Em agosto, os juros da dívida grega haviam
descido até 5,475%, um mínimo desde dezembro de 2009.
Segundo as duas últimas sondagens da Kapa
para o Jornal "To Vima" e da ALCO para o jornal “Proto Thema”, o Syriza continuava a liderar as intenções de voto, com 2,6 a 3,2 pontos percentuais de avanço em relação à Nova
Democracia, o partido que lidera a atual coligação.
Samaras ganhou as eleições de
junho de 2012 por 2,6 pontos percentuais em relaçao ao Syriza.
George Pagoulatos é professor
de Política e Economia Europeia no Departamento de Estudos Económicos Internacionais
e Europeus, na Universidade de Economia e Negócios de Atenas.
É, também, professor visitante
no Colégio da Europa, em Bruges, na Bélgica.
Em 2011-2012 foi Assessor Sénior e
Diretor de Estratégia dos primeiros-mimstros Lucas Papademos [primeiro-ministro
tecnocrata de um governo provisório entre novembro de 2011 e maio de 2012] e
Panayiotis Pikrammenos [primeiro-ministro interino entre maio de 2012].
É formado em Direito pela Universidade de Atenas e doutorado em Política pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, onde foi professor.
O seu livro "A Nova Economia Política da Grécia: Estado, Finanças e Crescimento do pós-guerra à UEM", publicado em 2003, ganhou, então, o prémio da Academia de Atenas para melhor livro de Economia.
Num mundo pós-Lehman Brothers seria uma tolice supor que o risco de contágio pode ser totalmente contido, especialmente numa união monetária com uma uma profunda interdependência económica e financeira
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Há razão para os mercados financeiros estarem assim tão nervosos com a crise
grega?
Os mercados estão nervosos porque há uma grande incerteza
sobre o dia seguinte às eleições.
Os mercados financeiros continuam a olhar a Grécia através das lentes da periferia da Zona Euro, uma periferia que continuam a considerar como uma fonte de grande risco para a estabilidade do Euro.
Há risco de contágio?
Esse risco é certamente menor do que em 2010 [resgate da
Grécia em maio], ou mesmo em 2012 [quando se realizaram em maio e junho duas rondas
de eleições legislativas].
Há agora proteções, instituições (como o Mecanismo Europeu de
Estabilidade e elementos de uma união bancária) e políticas monetárias (como o
programa OMT anunciado pelo Banco Central Europeu em setembro de 2012, etc) que não existiam
Podemos estar tranquilos?
Essas novas protecções não são, no entanto, plenamente suficientes para evitar que uma crise se espalhe.
Num mundo pós-Lehman Brothers seria uma tolice supor que o risco de contágio pode ser totalmente contido, especialmente numa união monetária com uma tão profundsa interdependência económica e financeira.
Se o Syriza não obtiver maioria absoluta, considero uma coligação com um partido de centro-esquerda como a possibilidade mais provável e mais desejável
O partido de oposição
Syriza tem mesmo condições de vencer as próximas eleições gerais a 25 de janeiro, ou a
Nova Democracia vai conseguir ganhar novamente, mesmo que por margem curta como
ao fim de duas eleições sucessivas em 2012?
Todas as sondagens de opinião disponíveis apontam para uma
forte probabilidade de uma vitória do Syriza.
Devido à fragmentação
política para além dos dois maiores partidos que bipolarizam 50 a 60% das intenções de voto
dos eleitores gregos, mesmo que o Syriza ganhe as próximas eleições por margem
pequena, é possível um governo de coligação estável?
Se o Syriza não obtiver maioria absoluta no Parlamento - uma
situação que tem uma probabilidade significativa -, então terá que formar uma coligação governamental ou contar com o voto de tolerância dos outros pequenos partidos.
Um governo
de coligação com qualquer um dos partidos de centro- esquerda parece-me possível -
seja o Potami (O Rio), o PASOK, ou o novo partido criado por George Papandreou
[ex-líder do PASOK e ex-primeiro-ministro], o Movimento dos Socialistas Democratas.
Por outro lado, uma coligação ou o apoio do partido dos Gregos Independentes, de
carácter populista - que, no entanto, desta vez, poderá não conseguir sequer votação para entrar no novo Parlamento -, ou do Partido Comunista ortodoxo (KKE) não garantiria estabilidade governativa.
Qual seria a sua
recomendação?
Se o Syriza não obtiver maioria absoluta, considero uma
coligação com um partido de centro-esquerda como a possibilidade mais provável e
mais desejável.
Um governo do Syriza tem espaço para acabar com a austeridade e renegociar a dívida grega?
O espaço é extremamente limitado.
Mas não há motivo para
que não se alcance um acordo de compromisso.
Em que sentido?
Um acordo em que se altere o perfil da dívida pública,
reduzindo o seu valor líquido presente, e que aponte para a implementação de reformas
estruturais, garantindo disciplina fiscal, mesmo que com alguma flexibilidade em
relação à meta de excedente primário.
Eu acho que deve ser alcançado um acordo nesse sentido.
Os parceiros e os credores da União Europeia devem ter em mente que a economia grega implementou uma das consolidações orçamentais mais rápidas da história
.
Como é que as entidades europeias (Eurogrupo, Comissão, BCE) devem lidar com a
nova situação na Grécia após as eleições?
Acredito que as entidades europeias têm todos os motivos e
mais um para se oporem a quaisquer ações unilaterais por parte do novo governo da
Grécia,
Mas eu não acredito que ocorram ações unilaterais.
É óbvio que um país que tem recebido tão extensa assistência financeira deve respeitar alguma condicionalidade.
A troco de quê?
Os parceiros e os credores da União Europeia devem ter em
mente que a economia grega implementou uma das consolidações orçamentais mais rápidas da
história.
O ajuste foi enorme, e todas as organizações internacionais reconhecem a
Grécia entre os líderes mundiais em termos de alcance das reformas, embora a
derrapagem tenha sido pronunciada.
Sem dúvida que mais mudanças de longo prazo devem
ser implementadas para modernizar a economia e a política gregas.
Que tipo de mudanças?
É preciso ter em conta que a sociedade grega está esgotada
com a intensidade da austeridade, com um desemprego em níveis intoleráveis e com as
taxas de pobreza a subirem.
Deve continuar a haver, por isso, uma ênfase renovada no aumento da produtividade, em reformas pelo lado da oferta, mas também é necessária uma
ênfase no combate à pobreza, no reforço do investimento socia, e no alívio da dívida
pública
A sexta avaliação da troika, que deveria ter sido concluída em agosto do ano
passado, terminará no final de fevereiro?
Não creio.
O seguimentpo do segundo resgate vai ter linhas cautelares do Fundo Monetário Internacional e do Mecanismo Europeu de Estabilidade, ou vai ser necessária uma segunda reestruturação da dívida com um envolvimento, agora, dos credores oficiais?
A primeira solução será necessária já no curto prazo.
Mas
algum alívio da dívida será indispensável e inevitável no longo prazo.
É claro que uma Grexit seria ruim para a Zona Euro e para a Alemanha, e ainda pior para a Grécia.Não precisamos de chegar a esse ponto, a meu ver
Como é
que o BCE, nas suas próximas reuniões de 22 de janeiro e 5 de março, pode ajudar a Grécia?
Um programa de QE [quantitative easing, de flexibilização
quantitativa] vai criar um ambiente mais propício para lidar com as tendências
deflacionárias na Zona Euro.
A deflação ou a inflação baixa estão a provocar
ajustamentos extremamente dolorosos na periferia do euro.
Estão a aumentar o peso
real da dívida pública e privada, em direção a níveis insustentáveis.
A Bloomberg revelou na
semana passada que os técnicos do BCE apresentaram cenários de compra de títulos
soberanos no valor de €500 mil milhões, mas unicamente se tiverem notação de
investimento.
Numa opção só com notação de triplo A, mas noutra modalidade incluindo
a compra de dívida até rating BBB-.
Neste quadro, títulos da Grécia e Portugal
ficariam de fora.
Deste modo, um QE poderá não servir de nada para a Grécia...
Uma política de flexibilização quantitativa por parte do
BCE, a meu ver, desempenharia um papel positivo para enfrentar esses problemas,
como já disse.
Embora, provavelmente, não seja suficiente.
O que falta?
Teria de incluir obrigações com notação de não-investimento
emitidas pelos governos grego e português.
Uma sondagem da
ARD-Deutschlandtrend diz que 61% dos alemães favorecem uma saída da Grécia do euro se
o país não respeitar os termos do resgate.
Revela, ainda, que 68% dos alemães
rejeitam um “corte de cabelo” na dívida grega, com apenas 28% a favor.
Pelo contrário,
uma sondagem na Grécia da GPO para a Mega TV publicada na semana passada constatou
que 52,6% dos gregos acreditam que, no caso de as negociações entrarem em rota de
colisão, os credores da Zona Euro acabarão por ceder às exigências gregas de alívio
da dívida.
Qual dos dois lados está mais próximo do que poderá acontecer?
É claro que uma Grexit seria ruim para a Zona Euro e para a
Alemanha, e ainda pior para a Grécia.
Não precisamos de chegar a esse ponto, a meu
ver.
A Grécia tem de prosseguir a reforma da sua economia e respeitar as regras orçamentais da União Económica e Monetária (UEM).
Mas o enquadramento da UEM também
precisa de se tornar mais inteligente e mais amigável do crescimento.
É também
evidente que o stock da dívida pública representa um enorme fardo para a economia grega.
A meu ver, existem maneirasde reduzir substancialmente o peso da dívida por meio da redução do valor líquido presente, como já referi, sem passar o custo para os contribuintes dos países credores da Zona Euro.
Quanto mais cedo forem encontradas soluções realistas, mais cedo poderá haver um regresso ao crescimento sustentável.
Em suma, em sua opinião, uma Grexit tem alta, média ou máxima probabilidade em 2015?
Muito baixa probabilidade.
Afinal, depois de um ajustamento doloroso como o que tivemos, a especulação sobre uma Grexit deve acabar uma vez por todas.
O resultado das eleições gregas poderão vir a ter um impacto "sistémico" na Zona Euro e um "efeito de contágio" noutras eleições previstas para este ano na Europa?
Se o Syriza formar Governo, abre-se um precedente e serão procuradas semelhanças noutras eleições na zona euro, especialmente nas que vão ocorrer na periferia.
Mas esse contágio, também representa um risco, para a forma como um governo do Syriza vai ser tratado pelos parceiros na zona euro, interessados em impedir uma maior radicalização dos eleitorados noutros paaíses.
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