Marina Litvinenko, viúva do ex-agente do KGB Alexander Litvinenko, à saída do tribunal em Londres. Esta terça-feira
Manuela Goucha Soares
21:55 Terça feira, 27 de janeiro de 2015
O ex-agente russo Alexander Litvinenko tinha 44 anos quando morreu envenenado com Polónio 210, no dia 23 de Novembro de 2006.
O Expresso disponibiliza online uma entrevista feita à sua viúva quando esta veio a Lisboa protestar contra a visita oficial de Putin a Portugal.
A entrevista foi originalmente publicada a 27 de outubro de 2007.
Marina Litvinenko conheceu Alexander - Sasha para os amigos - no dia do seu 31º aniversário.
A professora de danças de salão deixou-se conquistar pela tranquilidade de Sasha e nunca imaginou que o promissor funcionário dos FSB (Serviços de Segurança da Federação Russa), ex-KGB, haveria de morrer envenenado com Polónio 210, a 23 de Novembro de 2006, com 44 anos.
Na noite de 1 de Novembro de 2006 Litvinenko foi hospitalizado com sintomas daquilo que os médicos pensaram ser uma intoxicação alimentar.
Dias mais tarde concluíram que tinha sido exposto a uma substância radioactiva muito forte.
Morre no dia 23 e o diagnóstico de intoxicação com Polónio 210 só é feito depois da sua morte.
No dia 1 Alexander encontrara-se com Lugovoy, principal suspeito da sua morte, no bar de um hotel em Londres.
EXP - Quando é que decidiu escrever a 'Morte de um Dissidente', onde conta como ocorreu a morte do seu marido?
Não foi uma decisão minha, mas antes uma resposta ao desafio de um agente literário. Chegámos a pensar num livro meu e num outro escrito pelo Alex Goldfarb, mas acabámos por decidir escrever apenas um, em conjunto.
Neste processo, o Alex funcionou como as minhas próprias mãos.
Tivemos pouco tempo, já que a proposta nos chegou em Dezembro e entregámos o texto em Maio.
EXP - A escrita foi dolorosa?
No princípio achei que não iria ser capaz.
Mas quando começaram a aparecer notícias que acusavam o meu marido de ser espião - coisa que ele nunca foi - achei que tinha obrigação de repor a verdade.
E a escrita ajudou-me a fazer o luto.
Tinha tanta coisa cá dentro que precisava de fazer sair...
Além disso, foi uma maneira de me proteger das perguntas dos jornalistas, porque enquanto estive a trabalhar no livro tinha uma justificação para não falar com ninguém.
EXP - Como é que a Marina e o seu filho - de 12 anos - viveram os últimos dias de Alexander?
No início, tínhamos muita esperança, não sabíamos do que se tratava.
O Tolik ia visitar o pai todos os dias e fazia muitas brincadeiras para o animar.
Quando o Sasha foi transferido do primeiro hospital onde esteve para o segundo, disse-me para não voltar a levar o Tolik, porque achava que um hospital não era local para crianças.
EXP - A agonia do seu marido durou 22 dias. Ele sabia que ia morrer?
Teve sempre muita força e nunca acreditou que ia morrer.
Em muitos momentos, ao pensar na força dele, senti-me envergonhada por fraquejar, nomeadamente quando lhe ligaram a máquina de respiração assistida.
Nessa altura não se sabia que a substância que tinha no corpo era radioactiva.
Se soubessem tinham proibido as visitas.
EXP - Como soube da morte dele?
Já era de noite quando me telefonaram do hospital a dizer para ir até lá.
O meu filho também quis ir.
Mas quando chegámos, o Sasha já tinha morrido.
EXP - O seu marido converteu-se ao Islão pouco antes de morrer?
O Sasha era cristão.
Não era praticante mas tinha uma relação com Deus.
Quando foi internado tirei-lhe a cruz que usava ao peito por causa das radiografias.
Anos antes, quando viveu na Tchetchénia, criou uma grande amizade com Achmed Zakaev, que o visitou quase todos os dias no hospital e lhe deu muita força durante o internamento.
Um dia, em que já não tinha a cruz, perguntou a Zakaev como é que os muçulmanos falavam com Deus.
Ele disse umas palavras em árabe, e Sasha repetiu-as.
Foi isto que aconteceu.
EXP - Acha que Putin mandou matar o seu marido?
Não posso fazer essa afirmação.
Mas posso perguntar porque é que Putin não extradita Andrei Lugovoi, o principal suspeito das autoridades britânicas.
E porque é que Lugovoi se candidata a deputado nas próximas eleições de Dezembro.
E como é que Sasha foi envenenado em Londres, com uma substância radioactiva, de acesso restrito, que não é vendida no mercado negro nem nunca deveria ter saído da Rússia.
O Presidente Putin tem necessariamente responsabilidades sobre o paradeiro e o uso de substâncias tão perigosas como o Polónio 210.
E também tem responsabilidades na decisão de não extraditar Lugovoi.
E foi Putin quem disse pela primeira vez que a morte de Sasha não poderia ser transformada num jogo político.
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