ANGOLA
Luís Villalobos
8 de Janeiro de 2018, 18:26
João Lourenço diz que cabe a José Eduardo dos Santos clarificar a sua posição política.
O actual Presidente de Angola, João Lourenço, tem mostrado que existem diferenças entre si e o seu antecessor, José Eduardo dos Santos (J.E.S.), tanto ao nível do conteúdo como ao nível da forma.
Isso ficou bem evidente esta segunda-feira quando, numa conferência de imprensa inédita, em que respondeu a perguntas de jornalistas de vários órgãos de comunicação social, nacionais e estrangeiros, afirmou que não tinha necessariamente de ser também o líder do MPLA.
“Não há nada que me obrigue a ser presidente do meu partido para poder ser Presidente da República.
Eu sinto-me bem na situação em que me encontro”, afirmou João Lourenço, dando assim a entender que poderá não ser ele a substituir J.E.S quando este sair do topo do MPLA, ajudando a separar um pouco o que é o Estado e o que é o partido.
Neste momento, a expectativa em Luanda é saber se o próximo congresso do MPLA representa a saída de J.E.S. do cargo que ainda lhe dá uma forte influência no país.
Apesar de se ter retirado da Presidência da República, J.E.S. permaneceu como o líder do partido que detém o poder (Lourenço é vice-presidente), dando origem a uma espécie de liderança “bicéfala” (apesar de, até agora, Lourenço ter conseguido cumprir o seu papel sem contestação, graças a apoio no bureau político do comité central).
“Só compete ao presidente José Eduardo dos Santos dizer se sairá da vida política activa, como prometeu”, afirmou João Lourenço, referindo-se ao facto de J.E.S. ter prometido, em 2016, afastar-se este ano da vida política activa.
Questionado sobre a relação com o seu sucessor e a existência de crispação, devido às mudanças que já fez e afectando figuras próximas de J.E.S. e os seus próprios filhos, desvalorizou a questão.
“Talvez estejamos a olhar com olhos diferentes.
Eu não sinto essa crispação [nas relações entre ambos]”, defendeu.
Sobre as relações com Lisboa ficou evidente que o caso do anterior vice-presidente, Manuel Vicente, continua a ser um obstáculo, com o Ministério Público a querer vê-lo julgado por corrupção em Portugal no âmbito da Operação Fizz.
“Lamentavelmente, Portugal não satisfez o nosso pedido [de transferir o processo de Portugal para Angola], alegando que não confia na Justiça angolana.
Portanto nós consideramos isso uma ofensa”, disse, acrescentando que “qualquer posição nova de Angola vai depender muito do desfecho deste caso”.
A conferência de imprensa, com João Lourenço a responder às questões de forma tranquila, sentado perante dezenas de jornalistas – muitos dos quais de pé – e com uma zona de segurança entre ambos, serviu para o balanço dos cem dias do seu Governo, marcado por diversas exonerações.
Entre elas, a que mais se destacou foi a de Isabel dos Santos, filha de J.E.S.
Questionado sobre o porquê do seu afastamento do cargo de presidente da Sonangol, Lourenço não quis estabelecer demasiadas rupturas com o passado: “Nunca nenhum presidente veio a público justificar porque é que foi exonerado A, B ou C.
Porque é que tenho de me justificar por ter exonerado o presidente de uma empresa pública?
Isso eu não faço”, afirmou, acabando por dizer, com uma ironia que arrancou risos na sala, que tal ocorreu por “conveniência de serviço”, justificação que é dada sempre que há uma exoneração.
O actual Presidente de Angola respondeu ainda a questões sobre outros dois filhos de J.E.S., José Filomeno dos Santos e Tschizé dos Santos.
O primeiro é o presidente do Fundo Soberano de Angola, que gere activos de cinco mil milhões de dólares e que se mantém no cargo, apesar de se especular há meses sobre a sua exoneração, nomeadamente por ter aparecido ligado ao caso dos Panama Papers, por causa de investimentos em empresas que operam em territórios que têm offshores.
“Não diria que vou exonerar”, disse Lourenço, sem deixar de sublinhar que tal “pode acontecer”.
Para já, este não era o momento de anunciar o passo a dar, tendo adiantado que foi contratada uma entidade externa para verificar as contas do Fundo Soberano.
Quanto a Tschizé dos Santos, o caso do seu afastamento da televisão pública foi dado como exemplo depois de João Lourenço ter pedido “factos” após uma questão que envolvia referências a “alegadas perseguições aos filhos do anterior Presidente”.
“Quem rescindiu o contrato com a empresa que geria o canal 2 e a TPA internacional [Semba] foi a TPA”, defendeu, para depois dizer que o acordo “foi assinado numa determinada conjuntura”, que já mudou.
“Nós não perseguimos pessoas”, disse, acrescentando que o contrato era “bastante lesivo para os interesses do Estado”.
Quanto à questão da corrupção, João Lourenço reiterou que a base para o seu crescimento tem sido a impunidade, prometendo “coragem” e “determinação” para o seu combate.
Com Claudia Carvalho Silva
luis.villalobos@publico.pt
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