BENFICA
Bruno Roseiro e Luís Rosa 07 Março 2018
Um telefonema anónimo para um coordenador da PJ deu o pontapé de saída para a investigação da Operação E-Toupeira e para a descoberta de uma rede de informadores do Benfica no interior da Justiça.
Foi a 27 de setembro que a PJ começou a suspeitar de que dirigentes do Benfica tinham uma toupeira infiltrada no sistema judicial.
Através de um telefonema anónimo realizado para o coordenador Pedro Fonseca, um dos principais altos quadros da Judiciária que desempenha funções de coordenador da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da PJ, foi denunciada a existência de “um canal privilegiado «no Campus de Justiça» (sic), por parte de responsáveis do Sport Lisboa e Benfica”, lê-se numa informação de serviço da PJ que foi revelada na internet em fevereiro último e que já tinha sido noticiada pela revista Sábado.
Esta informação de serviço, que foi escrita por Pedro Fonseca para conhecimento exclusivo de Saudade Nunes, diretora da UNCC, estará na origem da Operação e-toupeira e, ironicamente, também terá sido transmitida a Paulo Gonçalves poucos dias depois de ter sido escrita.
Ao que o Observador apurou, a PJ suspeita que o documento terá sido transmitido a Gonçalves por José Silva, funcionário do departamento informático do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ), que terá retirado o mesmo do sistema informático utilizado pelo DIAP de Lisboa.
Não existe qualquer indício de que a fuga de informação tenha partido da Judiciária.
Foi assim que começou a Operação e-toupeira.
Com o desenrolar da investigação, a PJ começou a recolher indícios de que o que estava mesmo em causa era a construção de uma autêntica rede de contactos no Instituto de Gestão da Justiça, que gere a rede informática do Ministério Público (MP) e dos tribunais. Além de José Silva, também já foi identificado Júlio Loureiro, funcionário judicial do Tribunal de Guimarães, mas natural de Fafe, são dois dos elementos que farão parte dessa rede de contactos de Paulo Gonçalves.
O Observador, contudo, sabe que a investigação da PJ não vai ficar por aqui e que outros funcionários judiciais deverão ser constituídos arguidos em breve.
Foi esta rede que permitiu a Paulo Gonçalves ter acesso a informação sob segredo de justiça relacionada não só com inquéritos criminais em que o Benfica era visado, como também sobre matérias criminais que apenas diziam respeito a clubes adversários como o Sporting Clube de Portugal e o Futebol Clube do Porto.
Tal como o Observador noticiou, em troca e como alegada contrapartida pela documentação judicial fornecida, Gonçalves ofereceria a diversos funcionários judiciais bilhetes para jogos do Benfica e artigos de merchandising do clube da Luz.
O valor total desses produtos será financeiramente relevante na ótica da investigação, não estando, segundo assegurou fonte judicial ao Observador, ao alcance do seu poder de compra.
Voltando ao momento inicial da Operação e-toupeira.
Apesar de ser no Campus de Justiça, em Lisboa, que está situada a sede do IGFEJ — que também é responsável pelo aluguer dos edifícios daquele espaço localizado na zona da Expo –, Fonseca começou por apontar o alvo da investigação para o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa.
A fonte anónima relatou em pormenor que existiam suspeitas de violação de segredo de justiça, violação de segredo por funcionário e de corrupção passiva para ato ilícito, que teriam permitido aos dirigentes do Benfica ter acesso a peças processuais do inquérito do chamado caso dos vouchers e do caso dos emails.
A fonte anónima descreveu mesmo com grande precisão todas as peças processuais que já teriam sido transmitidas ao Benfica.
De acordo com a revista Sábado, tal acesso terá sido materializado uma semana após o início do inquérito que resultou de uma queixa de Francisco J. Marques, diretor de comunicação do FC Porto.
O Benfica segue a “a par e passo” (sic) o inquérito dos emails e “sabem tudo sobre o processo”, insistiu a fonte anónima que, para reforçar a credibilidade das suas denúncias, descreveu novamente com grande pormenor o conteúdo de inúmeros documentos judiciais do caso dos emails, inclusive de documentos elaborados e assinados pelo próprio Pedro Fonseca.
Com base nessa denúncia, e numa notícia da revista Sábado que relatava o alegado acesso privilegiado de dirigentes do Benfica e do escritório Vieira de Almeida a informação em segredo de justiça, Pedro Fonseca propôs a abertura de inquérito criminal e posterior comunicação à 9.ª Secção do DIAP de Lisboa.
A justificação: “Os factos ora relatados são graves e são em si mesmos suscetíveis de consubstanciar a prática de crimes graves, designadamente e a confirmar-se, cometidos no exercício de funções públicas – acrescidamente, no interior de órgão de soberania”, escreveu o coordenador da PJ, referindo-se à suspeita inicial de a toupeira ‘residir’ no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa.
Com a abertura do inquérito, rapidamente a PJ percebeu que a ’toupeira’ principal estava no IGFEJ, enquanto que existiam toupeiras secundárias espalhadas por outros tribunais judiciais.
Ao que o Observador apurou, os inspetores da Judiciária terão criado informação falsa que colocaram no sistema informático do MP com o propósito de tais informações serem transmitidas a Paulo Gonçalves — que estava sob vigilância policial e escuta telefónica.
Foi assim que a investigação conseguiu identificar José Silva.
1 - Vieira recebeu emails com oferta de bilhetes a funcionários judiciais
Uma das linhas da investigação da Operação e-toupeira segue o rasto dos famosos emails das diversas caixas de correio eletrónicas do Benfica que foram divulgadas nos últimos meses na internet.
Alguns desses emails indicam que Luís Filipe Vieira recebeu emails que indiciam a entrega de bilhetes para jogos do Benfica a, pelo menos, um dos funcionários judiciais que estão indiciados por suspeita de corrupção passiva na Operação e-toupeira.
Os emails foram enviados por Paulo Gonçalves, diretor do departamento jurídico do Benfica, para Ana Zagalo, da direção comercial do clube encarnado, com Vieira conhecimento, e indiciam a hipótese de o presidente do Sport Lisboa e Benfica ter tido conhecimento das alegadas práticas criminais que estão na origem da detenção de Paulo Gonçalves pela PJ por suspeitas de corrupção ativa, na manhã desta terça-feira, em Santarém.
Ao que o Observador apurou, Luís Filipe Vieira, não é, para já, encarado pela investigação da PJ como suspeito da Operação e-toupeira, mas o eventual envolvimento no inquérito criminal titulado pela 9.ª Secção do DIAP de Lisboa não está excluído.
O gabinete e o computador de Vieira não terão sido alvo das buscas realizadas esta tarde pela PJ no Estádio da Luz, mas a pesquisa de informação documental nos espaços de trabalho de Paulo Gonçalves e de outros funcionários e administradores do Benfica visaram a recolha de informação que também servirá para escrutinar a ação de Luís Filipe Vieira.
Recorde-se que Vieira já foi constituído arguido na Operação Lex — inquérito que tem o juiz Rui Rangel como principal arguido e que investiga quatro crimes de tráfico de influências alegadamente praticados pelo desembargador da Relação de Lisboa, sendo que um deles envolve o presidente do Benfica.
O Observador confrontou o Benfica com todas estas informações relativas a Luís Filipe Vieira, mas fonte oficial não quis adiantar mais nada além do que consta dos dois comunicados emitidos pelo clube da Luz ao longo desta terça-feira.
2 - O homem de Fafe
Um dos funcionários judiciais que faria parte da rede de Paulo Gonçalves chama-se Júlio Loureiro e trabalha no Tribunal Guimarães.
Tal como o Observador noticiou, Gonçalves requisitou para Loureiro junto do departamento comercial do Benfica um total de sete bilhetes.
Três foram para o piso 2 do Estádio da Luz, para assistir a um dos principais jogos da época 2016/2017: o Benfica/Porto de 1 de abril — um jogo que já levou à abertura e arquivamento de um inquérito criminal que tinha Mário Centeno, ministro das Finanças e actual presidente do Eurogrupo, como principal suspeito.
Tal como aconteceu com Centeno, Luís Filipe Vieira também estava em conhecimento nas comunicações electrónicas trocadas entre Gonçalves e Ana Zagalo.
Contudo, não é claro no email enviado por Paulo Gonçalves para Ana Zagalo, com Luís Filipe Vieira em conhecimento, qual é o sector e os lugares concretos dos lugares disponibilizados ao funcionário judicial do Tribunal de Guimarães.
Gonçalves apenas é taxativo ao afirmar que se trata de “3 convites” para “Júlio Loureiro (Fafe)”, a terra natal do funcionário, e que os mesmos não são bilhetes “para compra” dos respetivos beneficiários.
Os preços dos bilhetes para este jogo colocados à venda para o público em geral variavam entre os 25 euros e os 75 euros.
O segundo jogo, Benfica/Estoril, decorreu logo na semana seguinte e levou Paulo Gonçalves a requisitar mais quatro “convites” para “Júlio Loureiro” mas desta vez para o “Piso 1”.
Mais uma vez, não é identificado o setor e o lugares exatos que terão sido ocupados por Loureiro e os seus acompanhantes.
Uma coisa é certa: a PJ encara estas alegadas prendas como uma contrapartida do alegado crime de corrupção ativa pelo qual Paulo Gonçalves está indiciado e do alegado crime de corrupção passiva alegadamente imputado a Júlio Loureiro.
De facto, e de acordo com emails que foram disponibilizados na internet e que pertencerão à caixa de correio eletrónica de Paulo Gonçalves, Júlio Manuel Loureiro terá dado a 10 de novembro de 2016 “conhecimento antecipado” ao diretor jurídico do Benfica de uma notificação que seria enviada para Rui Vitória, para que o treinador do Benfica testemunhasse num processo criminal que envolveria o Vitória de Guimarães.
Tal notificação estaria sob segredo de justiça, não podendo ser transmitida a mais ninguém sem ser ao próprio notificado.
Existirão mais indícios contra Júlio Loureiro que foram recolhidos pela PJ desde a abertura do inquérito da Operação e-toupeira em setembro de 2017.
[Veja no vídeo as denúncias de Francisco J. Marques contra Paulo Gonçalves]
3 - Rede informática sem perfis de segurança adequados
Uma das principais fontes de Paulo Gonçalves era José Silva.
Segundo o Expresso, fará agora parte de uma equipa de apoio informático ao Tribunal Judicial de Guimarães, mas tinha acesso generalizado ao backoffice do sistema informático utilizado pelo Ministério Público e pelos diferentes tribunais de instrução criminal.
Segundo o Expresso, teria ainda acesso às passwords dos magistrados e ainda de outros funcionários judiciais, o que lhe permitia aceder sem deixar rasto a toda a documentação judicial disponibilizada na rede informática do MP e dos tribunais de instrução criminal — instituições por onde circula toda a informação judicial que está coberta pelo segredo de justiça.
A rede informática do MP chamava-se anteriormente Habilus, mas foi rebatizada de Citius. Apesar de o nome ser o mesmo que a plataforma informática que é igualmente utilizada pelos advogados na área cível, na fase de inquérito do processo penal os causídicos não têm acesso à mesma.
Na sequência de um desmentido formal de Pedro do Carmo, diretor nacional adjunto da Polícia Judiciária, foi retirado o último parágrafo que relatava uma alegada visita da Polícia Judiciária às instalações do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ).
Tal visita não ocorreu.
O Observador lamenta o erro cometido.
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