OPINIÃO Destaque
Redacção F8
13 de março de 2018
O texto que se segue foi publicado pelo Jornalista Paulo F. Silva no seu http://colinadecristal.blogspot.com em 10 de Outubro de 2007.
Do muito que temos lido sobre o assunto este é, sem qualquer dúvida, o melhor texto.
Devemos, aliás, acrescentar que o mesmo merecia ser divulgado em todos os media, tal é a sua pertinência analítica ou, até, premonitória.
Cremos até que quando se fizer a análise histórica deste período da vida de Angola, os historiadores terão obrigatoriamente de fazer referência a este trabalho do Paulo F. Silva.
«Notas relevantes
1 – Desconheço, em absoluto, o quadro penal aplicável ao exercício do Jornalismo em Angola, e tenho apenas como referência-base a situação vigente em Portugal.
2 – Hesitei, até agora, em escrever fosse o que fosse sobre o assunto por duas razões: a reduzidíssima informação que chega a Portugal, apesar dos dois países falarem na mesma Língua, ao contrário do volume da opinião expressa; e a existência de comentários que, nestas ocasiões, como de costume, surgem inesperadamente, inclusive até de quem se desconhecia a existência, caso da Iniciativa Angolana Antimilitarista para os Direitos Humanos que terá emitido um comunicado em Berlim (Alemanha) zurzindo forte e feio no Governo de Angola e que a agência Lusa deu eco substancial.
Factos
1 – Graça Campos, jornalista e editor do “Semanário Angolense” foi condenado, pelo Tribunal Provincial de Luanda, faz hoje uma semana, a oito meses de prisão e a uma multa de 250 mil dólares, devido à inserção, em duas edições daquele jornal (em Abril de 2001 e em Março de 2004), de expressões insultuosas contra o então ministro da Justiça, Paulo Tjipilica, actual provedor da Justiça.
2 – A acusação sem prova feita pelo réu, segundo o tribunal, viola a Lei da Imprensa, o Estatuto do Conselho Nacional da Comunicação Social e a Lei Constitucional de Angola.
3 – Alega o tribunal, também, que Graça Campos é reincidente no crime de abuso de liberdade de Imprensa e não respondeu às notificações judiciais, nem justificou as respectivas faltas.
4 – O advogado de Graça Campos interpôs recurso da sentença, que o juiz aceitou mas com “efeito devolutivo”.
5 – Graça Campos afirma que não beneficiou do “direito de contradizer a queixa”, nem de “justificar a alegação da ausência”.
E diz que é “falsa” uma suposta primeira condenação na província de Kwanza-Norte por abuso da liberdade de Imprensa.
5 – Em comunicado, a organização Repórteres sem Fronteiras (RSF) afirmou-se “perplexa” com a condenação de Graça Campos.
“O carácter desproporcional da pena é um primeiro motivo de inquietação.
Mas o facto de que, em Angola, um jornalista seja condenado à pena de prisão correccional aumenta a nossa preocupação”, dizem os RSF.
Informações complementares
1 – Graça Campos acusou Paulo Tjiplica, à data dos factos ministro da Justiça de Angola, de ser suspeito em alegadas situações de tráfico de influência relativas a restituições de propriedades a antigos colonos que, após a sua fuga antes e imediatamente após a independência, em 1975, tinham sido nacionalizadas e, a seguir, vendidas.
2 – Segundo julgo saber, os textos de Graça Campos repercutem ainda queixas de funcionários do Ministério da Justiça quanto ao desvio de fundos em dinheiro da sua caixa de assistência social.
3 – Lê-se na primeira edição do “Semanário Angolense” após a leitura da sentença de Graça Campos que Pedro Viana, o juiz que condenou o jornalista, não terá sequer concluído a licenciatura em Direito.
Informação não desprezível
Graça Campos assinou no “Semanário Angolense”, em 2003, a lista dos “Dez ricaços de Angola”, matéria jornalística que abalou parte importante da classe política no poder.
Vários processos foram movidos, mas o jornalista nunca foi condenado.
Perplexidades concomitantes
1 – Os meus pais, proprietários de um apartamento na Baixa de Luanda que tiveram de abandonar em Outubro de 1975, face ao agravamento da situação, tomaram conhecimento, já em pleno século XXI, da aprovação em Angola de “legislação específica” que lhes permitiria recuperar o seu bem patrimonial, bem como de outros bens de que fossem herdeiros, a troco de uma pequena quantia em dinheiro, o necessário para fazer a reconversão da titularidade da propriedade.
Em reunião de família, com a minha participação, foi ponderada a possibilidade de uma deslocação a Luanda para tratar desses assuntos.
Decidimos que não!
2 – São recorrentes e já por demais cansativas as denúncias de corrupção, activa e passiva, em Angola, a começar pelos que desempenham as mais altas funções na hierarquia do Estado. Nada de novo, portanto.
3 – É-me absolutamente inconcebível – e, aqui, desculpem-me a incapacidade – que um indivíduo como eu, que não sou licenciado em Direito ou em Engenharia, possa ser juiz num tribunal, seja lá em que causa for, ou autor de um projecto de electricidade na instalação de um prédio em construção.
Análise
Angola não é um Estado de Direito.
Angola não é um país onde Justiça e Liberdade coexistam com Democracia (pelo menos, como ela é entendida na Europa).
Angola é um país que, face à enormíssima pressão internacional, tem dado apenas, sobretudo depois da morte de Jonas Savimbi, ligeiros sinais de abertura tendentes a uma normalização possível.
Ligeiros?
Ligeiríssimos!
Num país onde a miséria se espalha visivelmente aldeia a aldeia, cidade a cidade, musseque a musseque, só pode campear a corrupção.
Estando as cliques do poder corrompidas e servidas é muito mais fácil depois sossegar as barrigas de fome e calar a revolta.
Revolta essa que é liderada, ainda que sem líder, por gente realmente honesta e empenhada em dar o seu melhor no trabalho que desenvolve em prol do país e também pelos oportunistas do costume.
Mas as cliques instaladas renovam-se, são auto-fágicas entre si, pela via da regeneração hereditária e pela necessidade de satisfazer novos poderes que, aqui e ali, vão surgindo.
É como um polvo que cresce sem parar, com tentáculos que se multiplicam sem parar, uns morrem, outros nascem.
Angola está neste exacto minuto num momento de renovação.
A começar, no fim das contas, pelo seu presidente da República, que, em 2009 ou mais tarde, acabará por ter de ceder a cadeira do Futungo de Belas…
Mas a cedência da “cadeira” poderá acontecer de modo pacífico, de espontânea deliberação (ironia suprema!), portanto, ou de forma violenta, para que se corte rente pequenas raízes do monstro marinho que amanhã poderá ser incontrolável.
O processo que conduziu ao 27 de Maio de 1977 em Angola, que por sua vez já era um eco do 25 de Novembro de 1975 em Portugal, pode estar a repetir-se em Luanda, ainda que com algumas (ligeiras) diferenças.
As penas recentes aplicadas ao general Fernando Garcia Miala, ex-responsável pelo Serviço de Inteligência Externa, e a Graça Campos, em meu entender, são disso, infelizmente, bom exemplo.
E até a revolta deste mês na cadeia de Luanda, curiosamente, ajuda a pintar o quadro.
Nota final
Que não se amofinem tanto os que gritam contra o silêncio em Portugal, relativamente à condenação do jornalista Graça Campos, de órgãos como o Sindicato dos Jornalistas. Como é sabido, as relações institucionais entre organizações faz-se por mecanismos próprios, que têm de ser exercitados em permanência, e nunca por intermédio de notícias e comentários de blogues e/ou de jornais.
Em tempo
Não faço a mais pequena ideia de quem é ou de quem são os proprietários do “Semanário Angolense”.
Não conheço e nada sei que aqui não tenha sido dito de Felisberto da Graça Campos, que, no entanto, conquistou a minha simpatia em 2003…»
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