ANÁLISE
Jorge Almeida Fernandes
18 de Março de 2018, 7:03
A elite do poder teme o fim do último mandato do Presidente.
Sem Vladimir Putin como funcionará o “putinismo”?
É um regime sem mecanismos para organizar a sucessão.
Mas abrem uma discussão fascinante.
A sucessão de Vladimir Putin, em 2024, é um tabu, mas também causa de nervosismo na chamada elite.
“O problema do Kremlin não é a vitória eleitoral, mas o que acontecerá a seguir — o desenvolvimento da agenda pós-eleitoral”, resume a analista russa Lilia Shevtsova.
“À medida que 2024 se aproxima, a questão de quem ou daquilo que substituirá Putin vai tornar-se cada vez mais relevante.
Há o sentimento de que a Rússia está a entrar na era pós-Putin”, afirma Sir Andrew Wood, antigo embaixador britânico em Moscovo.
A razão é simples: a sucessão põe a nu as fraquezas do “Estado forte” de Vladimir Putin.
Não está em causa uma mudança de regime.
Mas o regime vai começar a mudar, escrevem os analistas Ivan Krastev e Gleb Pavlosvki, num estudo do European Council on Foreign Relations.
“A eleição presidencial marcará a chegada da Rússia pós-Putin, independentemente de Putin permanecer na chefia do Estado nos próximos seis ou 16 anos.
Porque, a seguir ao voto, o comportamento dos grandes actores políticos e económicos não se definirão pela presença de Putin no poder mas pela expectativa da sua partida.”
Um prolongamento do mandato presidencial para lá de 2024 apenas agravaria o problema. A verdadeira questão não é tanto quem poderia ser o sucessor e o modo como ascenderia ao “trono”, mas aquilo que o novo líder poderá fazer uma vez lá chegado, num sistema concebido à medida da personalidade de Putin.
Saberá a Rússia gerir o momento crítico da substituição do líder?
A Rússia não tem instituições fortes.
O regime não tem mecanismos institucionais para fazer a passagem do poder.
O “árbitro-chefe”
Putin dirige a Rússia há 18 anos, dos quais 14 como Presidente, com o mesmo “círculo de amigos”, onde prevalecem oligarcas e os siloviki, homens dos aparelhos de força — militares, forças de segurança e serviços secretos.
Foi o fundador do Estado russo pós-soviético.
O “putinismo” assenta na concepção do “Estado forte”, ultracentralizado, baseado na “vertical do poder” e em que o arbítrio é designado por “ditadura da lei”.
O FSB, sucessor do KGB, em que Putin começou a sua carreira, está instalado no “coração do sistema”.
Trata-se de um regime largamente desinstitucionalizado, de uma estrutura de poder opaca que roda em torno da única instituição funcional, a Presidência, e dotado de uma administração ineficaz e corrupta.
Putin não funciona como ditador: é sobretudo o “árbitro-chefe” dos interesses e das facções da elite, que frequentemente se digladiam.
Os oligarcas têm a sua riqueza protegida desde que apoiem o Presidente e não tenham ambições políticas.
Os recalcitrantes acabam na prisão.
A grande interrogação é: sem Vladimir Putin como funcionará o “putinismo”?
O Presidente levanta um sério problema à sobrevivência política do “círculo interno”, que não existe sem ele.
O primeiro objectivo da elite é conservar o seu próprio poder e este depende da presença de Putin.
“A diferença em relação a antes é que Putin se tornou num obstáculo ao processo, não um facilitador, porque ninguém pode assumir o papel [de sucessor] sem minar a sua autoridade”, escreve Pavlovski no Moscow Times.
“A via de acesso à hierarquia do poder na Rússia significa que a procura do próximo presidente é uma anedota.
Todos percebem que enquanto Putin tiver o controlo dos códigos nucleares, não abdicará do seu papel de árbitro-chefe.”
A elite tem a noção de que o Presidente vai estar concentrado no desenho da “Rússia pós-Putin”, frisam Krastev e Pavlovski.
Começou a promover uma nova geração de jovens tecnocratas a posições de poder.
Tem a convicção de que a Rússia não necessita de um simples sucessor — como ele o foi de Boris Ieltsin — mas de uma “geração sucessora”.
Haveria uma transferência de poder da actual elite para a “geração Putin”.
Como?
Putin parece hoje muito mais ocupado com a política externa do que com a doméstica.
“A Rússia moderna não é um império mas o seu regime político tem aspirações imperiais”, que se traduzem num virulento nacionalismo e numa política de confronto com o Ocidente, resume o analista Andrei Kolesnikov.
O desígnio de transformar a Rússia numa grande potência é um dos grandes esteios do poder pessoal e da popularidade do Presidente.
Nada indica que nos próximos seis anos, e depois deles, haja qualquer inflexão nesta política.
Krastev e Pavlovsky exprimem uma derradeira dúvida: “Mas sem [Putin] a Rússia será provavelmente um actor internacional mais fraco: foi Putin, mais do que o Estado russo, quem reconquistou o estatuto de grande potência.”
jafernandes@publico.pt
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