OPINIÃO
João Miguel Tavares
3 de Fevereiro de 2018, 6:49
Será que o Benfica e Luís Filipe Vieira iniciaram há 14 anos um processo tão perfeito de osmose que hoje já não há quem consiga distinguir a instituição do seu líder?
O advogado João Correia andou esta semana nas bocas do mundo pela sua pitoresca garantia de que Luís Filipe Vieira não era arguido, embora a Procuradoria-Geral da República assegurasse que sim.
O doutor Correia recorreu até ao seu melhor latim para propor uma verdadeira revolução no sistema judicial português — chamemos-lhe a revolução correiana: a condição de arguido passaria a ser um regime de voluntariado, dependente da vontade do próprio e da sua decisão de assinar, ou não assinar, determinados papéis.
Bravo.
É uma ideia com potencial para angariar inúmeros clientes endinheirados.
Mas talvez por andarmos todos tão divertidos com isto, penso que os jornalistas se terão esquecido de colocar a João Correia uma pergunta muito importante, e que é de longe aquela que mais me interessa ver respondida: de quem é ele advogado, afinal?
É advogado do Benfica ou é advogado de Luís Filipe Vieira?
Ainda mais enigmático: será que o Benfica e Luís Filipe Vieira iniciaram há 14 anos um processo tão perfeito de osmose que hoje em dia já não há quem consiga distinguir a instituição do seu líder?
Na primeira intervenção pública, após surgirem as notícias da Operação Lex, João Correia disse várias coisas curiosas.
A primeira foi que a investigação não envolvia o clube.
A segunda foi que existia “uma perseguição ostensiva ao Benfica”.
A terceira foi que o arguido Luís Filipe Vieira não era arguido.
É uma pena que toda a atenção mediática se tenha concentrado nesta terceira declaração, porque as duas primeiras são igualmente intrigantes.
Intrigantes, desde logo, por colocarem alguns problemas à lógica — o clube não está envolvido na investigação, mas ainda assim está a ser perseguido por ela —, mas intrigantes sobretudo por este facto: se João Correia se apresenta como advogado do Benfica, e se o Benfica nada tem a ver com a Operação Lex, por que é que o advogado do clube continua a emitir opiniões sobre a conduta privada do seu presidente?
Eis o problema central de tudo isto: eu ainda não percebi, e penso que a comunicação social também não — João Correia às vezes é referenciado como “advogado do Benfica”, outras vezes como “advogado de Luís Filipe Vieira” —, quem é que ele está realmente a representar.
Ora, convinha que isto não passasse por coisa normal.
O Benfica emitiu há dias o seguinte comunicado: “Nada tendo a ver o âmbito do processo com o Sport Lisboa e Benfica, são totalmente especulativas todas as interpretações que envolvam o nome desta instituição.”
Brilhante argumento, não fosse o facto de ser o próprio Sport Lisboa e Benfica a promover a especulação ao envolver o seu advogado no processo.
Não se trata apenas de saber quem lhe paga os honorários, embora essa também seja uma questão pertinente.
Trata-se, acima de tudo, de reconhecer a existência de um conflito de interesses óbvio, e que o próprio advogado deveria esclarecer: se a Operação Lex atinge as actividades privadas do empresário Vieira, e se o nome do Benfica tiver sido de alguma forma invocado por ele para obter ganhos pessoais, os interesses do clube são opostos aos interesses de quem o lidera.
Aliás, o facto de isto aparentemente não passar pela cabeça de ninguém, e de nenhum jornalista ainda ter perguntado a João Correia quem é que ele está a defender, demonstra bem o estado lamentável do futebol português e as implicações trágicas dessa absurda confusão entre a vida de um clube e as acções do seu presidente.
Jornalista
Sem comentários:
Enviar um comentário