«É
muito cedo para excluir segundo resgate»
Texto FILIPE SANTOS COSTA
e
JOAO SILVESTRE
Fotos ALBERTO FRIAS
Fotos ALBERTO FRIAS
Subir Lall mostra-se otimista cm relação
ao regresso de Portugal aos mercados mas não elimina nenhum cenário. Tudo é
possível até Junho, desde um segundo resgate clássico até uma saída limpa
semelhante à irlandesa. Em conversa com o Expresso no final da décima
avaliação, recusa ainda liminarmente a aparente contradição entre as palavras
‘políticas’ de Christiane Lagarde e o comportamento das equipas do Fundo Monetário
Internacional no terreno.
P Na semana passada o primeiro-ministro
afastou a hipótese de Portugal precisar de um segundo resgate. Depois desta
avaliação, diria que um segundo resgate deixou de estar no horizonte?
R Esta
revisão focou-se em garantir o cumprimento do acordado nas 8.ª e 9.ª revisões
em relação ao Orçamento do Estado, Julgamos que tudo está em ordem. Um
objetivo importante deste programa é garantir o acesso normal aos mercados.
Nesse aspeto temos de ter em conta dois elementos, a troca de divida do início
de dezembro que foi bem recebida pelos mercados e o anúncio da agência de
gestão da dívida que vai fazer emissões no início de 2014. Teremos de esperar.
Ainda faltam seis meses para o fim do programa. No início do ano teremos uma
melhor ideia quanto às perspetivas para Portugal
P É demasiado cedo para considerar que o
segundo resgate está excluído?
R É muito
cedo para termos uma discussão sustentada em relação ao que virá depois disto.
Mas os sinais até agora são bastante positivos.
P É possível que Portugal volte aos mercados em Janeiro e consiga financiamento suficiente para cumprir todas as necessidades de 2014 até Junho?
R É
bem passível e o sentimento tem sido bastante bom desde a troca.
P O sucesso do programa tem sido muito discutido no debate político. Acha que é a palavra adequada para descrever o que aconteceu até agora?
R Há
muita confusão sobre os objetivos do programa. A economia teve desequilíbrios
durante um longo período, mesmo antes do euro. O que o programa fez foi
estabilizar a economia e já vemos alguns primeiros sinais de retoma. O
ajustamento orçamental foi muito grande e devemos dar crédito a Portugal por o ter
conseguido. O programa foi bastante ambicioso e bem-sucedido. Nem tudo está
feito, diria que dois terços da consolidação primária estrutural foram
cumpridos, há mais um terço por fazer nos próximos dois anos. Os próximos dois
anos serão muito mais suaves do que os dois últimos.
P Diz que o programa tem sido bem-sucedido, mas as previsões do memorando original para 2013 saíram completamente ao lado. Isto é um sucesso?
R Para
definir sucesso temos de pensar nos objetivos iniciais, mas também no contrafactual.
Quando o programa começou, em 2011, havia uma determinada previsão sobre a
economia global e europeia em 2013. Claramente, todos nós subestimámos a
dimensão da crise na Europa. O ano passado foi difícil em muitos aspetos.
Antes do anúncio do BCE, os juros estavam a subir em toda a zona euro, o
crescimento era negativo e havia muita incerteza.
P Não houve também um problema dos multiplicadores orçamentais?
R Esse
é um conceito interessante. O multiplicador orçamental tenta simplificar uma
realidade que é complexa. O PIB não depende apenas da política orçamental. O
que fazemos no programa é uma avaliação a cada três meses e olhamos para todos
os fatores. Há uma restrição de financiamento por não haver acesso ao mercado
que limita a margem de manobra. Quando se tomou claro que a crise seria mais
aguda do que o previsto, o programa foi ajustado,
P O multiplicador foi recalculado? No ano passado Abebe Seiassié disse que o multiplicador para Portugal era de 0,8.
R Eu
tenho tentado fugir à questão do multiplicador porque é uma simplificação
excessiva. Não vejo por que razão havemos de nos concentrar apenas numa
questão. Quando vimos que a economia estava a desacelerar mais depressa do que
o previsto, o FMI teve de se adaptar a isso. A questão é que só nos podemos
adaptar se tivermos margem de manobra. No início do ano, havia essa margem de
manobra porque houve acesso ao mercado.
P Duas emissões de obrigações.
R Portugal
foi capaz de emitir por duas vezes. Assim, quando houve um alívio da restrição
financeira, pudemos ajustar o ritmo da consolidação. E veja que a meta para
este ano que vinha originalmente no memorando era muito mais exigente. Na discussão
que tivemos nas 8.ª e 9.ª avaliações, as pessoas falavam dos 4% ou dos 4.5% (de
meta do défice em 2014) e ninguém se lembrava que lá atrás tinha ficado uma
meta de 2,5%!
P A questão é se essa adaptação não chega demasiado tarde. As metas não deviam ser revistas por antecipação, de modo a evitar sacrifícios excessivos?
R Quando
as coisas já aconteceram é sempre fácil dizer isso. Fazemos o melhor que
conseguimos com base na informação que temos em cada momento. Este ano vimos
sinais de viragem e tentámos incorporar esses dados. Pode perguntar: então e a
meta do défice? A questão é que a restrição de financiamento se tornou mais apertada
depois de Julho. Podíamos tentar ajustar a meta do défice, mas onde é que íamos
buscar o dinheiro? Nessa altura, a coisa mais importante que Portugal podia
fazer para reduzir os yelds e spreads em relação às obrigações alemãs
era mostrar credibilidade. A diferença entre 4% e 4,5% em termos económicos
pode não ser muito significativa, mas em termos de credibilidade sim.
P Na semana passada, Christine Lagarde disse que devia ser “uma questão de honra" o FMI reconhecer os seus erros de previsão na questão dos multiplicadores. Esta semana, Paulo Portas notou que “as ideias devem ter consequências" mas não viu na atitude da missão qualquer consequência das palavras da diretora-geral do FMI. Parece haver uma divergência entre a liderança politica e as missões técnicas do FMI?
R Discordo disso. O programa já teve várias adaptações. Quando
se tornou claro que o desemprego estava a crescer mais do que o esperado e que
a crise era mais profunda, aliviaram-se as metas na medida do possível e da
disponibilidade de financiamento. Não há uma inconsistência entre o quadro
geral e o que aconteceu no terreno.
P Porque fala Lagarde na "questão de honra’’
de admitir os erros?
R Erros... pode haver uma questão de tradução aí. Uma coisa
é fazer uma previsão que se revela errada tendo em conta aquilo que depois
viemos a saber. Como podíamos adaptar o programa antes de termos consciência
de que as previsões iniciais estavam erradas?
P Então o seu ponto é que de facto têm tirado as consequências?
R Sim. Temos tirado consequências.
P Essa é uma boa questão, porque a opinião do Governo português é de que o FMI retira consequências demasiado tarde.
R Na economia nunca sabemos as coisas em tempo real. Só podemos
agir perante informação concreta.
P Quando diz que os constrangimentos financeiros foram uma variável decisiva para manter a meta de 4% do défice em 2014, está a dizer que se formos aos mercados com sucesso em Janeiro/Fevereiro podemos ter mais flexibilidade?
R Não. Eu estava a referir-me aos constrangimentos financeiros
deste ano. No ano que vem, o ponto central é a credibilidade, Temos de nos
lembrar que um dos nossos principais objetivos é a sustentabilidade da dívida.
Isso significa reduzir o nível de divida e ter crescimento que contribua para
isso.
P Então não há margem para flexibilizar o défice?
R Não, não há.
P Insiste na questão de dar sinais de credibilidade. Esse é o preço a pagar pela crise política de Julho?
R Não gostaria de ficar preso ao curto prazo, mas claramente
perdeu-se alguma credibilidade em Julho. Mas foi reconquistada e é importante mantê-la.
P O que espera para junho de
2014? Um programa cautelar? Uma saída limpa para os mercados como a Irlanda?
R É muito cedo para dizer. A economia pode já ter virado a esquina,
mas só saberemos mais sobre as condições das mercados financeiros em Janeiro,
quando Portugal voltar aos mercados.
P Qual é a deadline para
uma decisão?
R Não temos deadline,
é demasiado cedo para uma discussão fundamentada.
P Diria hoje que uma saída limpa é um cenário credível para Portugal? Qual é a probabilidade de isso acontecer?
R (risos) Eu não estou no negócio das apostas, se estivesse
iria para os mercados financeiros e podia enriquecer. Mas é um cenário
possível. A janela era multo estreita antes de Setembro, antes da anterior
avaliação, mas a janela alargou-se. É mesmo possível.
P O primeiro-ministro falou num programa cautelar de um ano e que, por não exceder este mandato, não precisaria do apoio do Partido Socialista. Parece-lhe avisado dispensar o apoio do maior partido da oposição neste caso?
R Não quero entrar na política.
P Qual é a margem para reduzir
impostos em 2015, nomeadamente o IRS como foi já anunciado pelo Governo?
R É demasiado cedo para pensar em políticas específicas. Deixámos
claro que as metas do défice são para respeitar em 2013 e 2014. Para
2015, temos uma ideia do ajustamento necessário para chegar à meta de
saldo primário (sem juros). Há várias formas de lá chegar.
P Mas, dito isso, há margem para baixar impostos?
R Para ser completamente honesto, não me foquei no que irá
acontecer em 2015. Temos claro que o défice deve ter uma trajetória descendente
para que a divida desça. Não fazemos micro-gestão, temos objetivos gerais.
fscosta@expresso.impresa.pt
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