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sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

«É muito cedo para excluir segundo resgate»



«É muito cedo para excluir segundo resgate»

Texto FILIPE SANTOS COSTA 

   e  JOAO SILVESTRE
Fotos ALBERTO FRIAS
Subir Lall mostra-se otimista cm relação ao regresso de Portu­gal aos mercados mas não elimina nenhum cenário. Tudo é pos­sível até Junho, desde um segun­do resgate clássico até uma saí­da limpa semelhante à irlande­sa. Em conversa com o Expresso no final da décima avaliação, recusa ainda liminarmente a aparente contradição entre as palavras ‘políticas’ de Christiane Lagarde e o comportamento das equipas do Fundo Monetá­rio Internacional no terreno.

P Na semana passada o primeiro-ministro afastou a hipótese de Portugal precisar de um segundo resgate. Depois desta avaliação, diria que um segundo resgate dei­xou de estar no horizonte?
R Esta revisão focou-se em garantir o cumprimento do acor­dado nas 8.ª e 9.ª revisões em re­lação ao Orçamento do Estado, Julgamos que tudo está em ordem. Um objetivo importante deste programa é garantir o acesso normal aos mercados. Nesse aspeto temos de ter em conta dois elementos, a troca de divida do início de dezembro que foi bem recebida pelos mer­cados e o anúncio da agência de gestão da dívida que vai fazer emissões no início de 2014. Te­remos de esperar. Ainda faltam seis meses para o fim do progra­ma. No início do ano teremos uma melhor ideia quanto às perspetivas para Portugal

P É demasiado cedo para considerar que o segundo resgate está excluído?
R É muito cedo para termos uma discussão sustentada em re­lação ao que virá depois disto. Mas os sinais até agora são bas­tante positivos.

P É possível que Portugal volte aos mercados em Janeiro e consi­ga financiamento suficiente pa­ra cumprir todas as necessida­des de 2014 até Junho?
R É bem passível e o sentimento tem sido bastante bom desde a troca.

P O sucesso do programa tem si­do muito discutido no debate po­lítico. Acha que é a palavra ade­quada para descrever o que aconteceu até agora?
R Há muita confusão sobre os objetivos do programa. A eco­nomia teve desequilíbrios du­rante um longo período, mes­mo antes do euro. O que o pro­grama fez foi estabilizar a eco­nomia e já vemos alguns pri­meiros sinais de retoma. O ajustamento orçamental foi muito grande e devemos dar crédito a Portugal por o ter conseguido. O programa foi bastante ambicioso e bem-suce­dido. Nem tudo está feito, diria que dois terços da consolida­ção primária estrutural foram cumpridos, há mais um terço por fazer nos próximos dois anos. Os próximos dois anos se­rão muito mais suaves do que os dois últimos.

P Diz que o programa tem sido bem-sucedido, mas as previsões do memorando original para 2013 saíram completamente ao lado. Isto é um sucesso?
R Para definir sucesso temos de pensar nos objetivos iniciais, mas também no contrafactual. Quando o programa começou, em 2011, havia uma determina­da previsão sobre a economia global e europeia em 2013. Cla­ramente, todos nós subestimá­mos a dimensão da crise na Eu­ropa. O ano passado foi difícil em muitos aspetos. Antes do anúncio do BCE, os juros esta­vam a subir em toda a zona euro, o crescimento era negativo e havia muita incerteza.

P Não houve também um pro­blema dos multiplicadores orça­mentais?
R Esse é um conceito interessan­te. O multiplicador orçamental tenta simplificar uma realidade que é complexa. O PIB não de­pende apenas da política orça­mental. O que fazemos no pro­grama é uma avaliação a cada três meses e olhamos para todos os fatores. Há uma restrição de financiamento por não haver acesso ao mercado que limita a margem de manobra. Quando se tomou claro que a crise seria mais aguda do que o previsto, o programa foi ajustado,

P O multiplicador foi recalcula­do? No ano passado Abebe Seiassié disse que o multiplicador pa­ra Portugal era de 0,8.
R Eu tenho tentado fugir à ques­tão do multiplicador porque é uma simplificação excessiva. Não vejo por que razão have­mos de nos concentrar apenas numa questão. Quando vimos que a economia estava a desace­lerar mais depressa do que o pre­visto, o FMI teve de se adaptar a isso. A questão é que só nos po­demos adaptar se tivermos mar­gem de manobra. No início do ano, havia essa margem de manobra porque houve acesso ao mercado.

P Duas emissões de obrigações.
R Portugal foi capaz de emitir por duas vezes. Assim, quando houve um alívio da restrição fi­nanceira, pudemos ajustar o rit­mo da consolidação. E veja que a meta para este ano que vinha originalmente no memorando era muito mais exigente. Na dis­cussão que tivemos nas 8.ª e 9.ª avaliações, as pessoas falavam dos 4% ou dos 4.5% (de meta do défice em 2014) e ninguém se lembrava que lá atrás tinha fica­do uma meta de 2,5%!

P A questão é se essa adapta­ção não chega demasiado tarde. As metas não deviam ser revis­tas por antecipação, de modo a evitar sacrifícios excessivos?
R Quando as coisas já acontece­ram é sempre fácil dizer isso. Fa­zemos o melhor que conseguimos com base na informação que temos em cada momento. Es­te ano vimos sinais de viragem e tentámos incorporar esses da­dos. Pode perguntar: então e a meta do défice? A questão é que a restrição de financiamento se tornou mais apertada depois de Julho. Podíamos tentar ajustar a meta do défice, mas onde é que íamos buscar o dinheiro? Nessa altura, a coisa mais importante que Portugal podia fazer para reduzir os yelds e spreads em relação às obrigações alemãs era mostrar credibilidade. A diferença entre 4% e 4,5% em termos económicos pode não ser muito significativa, mas em termos de credibilidade sim.

P Na semana passada, Christine Lagarde disse que devia ser “uma questão de honra" o FMI re­conhecer os seus erros de previ­são na questão dos multiplicado­res. Esta semana, Paulo Portas notou que “as ideias devem ter consequências" mas não viu na atitude da missão qualquer con­sequência das palavras da diretora-geral do FMI. Parece haver uma divergência entre a lideran­ça politica e as missões técnicas do FMI?
R Discordo disso. O programa já teve várias adaptações. Quan­do se tornou claro que o desem­prego estava a crescer mais do que o esperado e que a crise era mais profunda, aliviaram-se as metas na medida do possível e da disponibilidade de financia­mento. Não há uma inconsistên­cia entre o quadro geral e o que aconteceu no terreno.

P Porque fala Lagarde na "questão de honra’’ de admitir os erros?
R Erros... pode haver uma ques­tão de tradução aí. Uma coisa é fazer uma previsão que se reve­la errada tendo em conta aquilo que depois viemos a saber. Co­mo podíamos adaptar o progra­ma antes de termos consciência de que as previsões iniciais esta­vam erradas?

P Então o seu ponto é que de facto têm tirado as consequên­cias?
R Sim. Temos tirado consequên­cias.

P Essa é uma boa questão, porque a opinião do Governo português é de que o FMI retira consequências demasiado tarde.
R Na economia nunca sabemos as coisas em tempo real. Só po­demos agir perante informação concreta.

P Quando diz que os constrangi­mentos financeiros foram uma variável decisiva para manter a meta de 4% do défice em 2014, está a dizer que se formos aos mercados com sucesso em Janei­ro/Fevereiro podemos ter mais flexibilidade?
R Não. Eu estava a referir-me aos constrangimentos financei­ros deste ano. No ano que vem, o ponto central é a credibilida­de, Temos de nos lembrar que um dos nossos principais objetivos é a sustentabilidade da dívi­da. Isso significa reduzir o nível de divida e ter crescimento que contribua para isso.

P Então não há margem para flexibilizar o défice?
R Não, não há.

P Insiste na questão de dar si­nais de credibilidade. Esse é o pre­ço a pagar pela crise política de Julho?
R Não gostaria de ficar preso ao curto prazo, mas claramente perdeu-se alguma credibilidade em Julho. Mas foi reconquistada e é importante mantê-la.


P O que espera para junho de 2014? Um programa cautelar? Uma saída limpa para os merca­dos como a Irlanda?
R É muito cedo para dizer. A economia pode já ter virado a es­quina, mas só saberemos mais sobre as condições das mercados financeiros em Janeiro, quando Portugal voltar aos mercados.

P Qual é a deadline para uma de­cisão?
R Não temos deadline, é demasiado cedo para uma discussão fundamentada.

P Diria hoje que uma saída lim­pa é um cenário credível para Portugal? Qual é a probabilida­de de isso acontecer?
R (risos) Eu não estou no negó­cio das apostas, se estivesse iria para os mercados financeiros e podia enriquecer. Mas é um ce­nário possível. A janela era mul­to estreita antes de Setembro, antes da anterior avaliação, mas a janela alargou-se. É mesmo possível.

P O primeiro-ministro falou num programa cautelar de um ano e que, por não exceder este mandato, não precisaria do apoio do Partido Socialista. Pare­ce-lhe avisado dispensar o apoio do maior partido da oposição neste caso?
R Não quero entrar na política.

P Qual é a margem para reduzir impostos em 2015, nomeada­mente o IRS como foi já anuncia­do pelo Governo?
R É demasiado cedo para pen­sar em políticas específicas. Dei­xámos claro que as metas do dé­fice são para respeitar em 2013 e 2014. Para 2015, temos uma ideia do ajustamento necessário para chegar à meta de saldo primário (sem juros). Há várias for­mas de lá chegar.

P Mas, dito isso, há margem pa­ra baixar impostos?
R Para ser completamente ho­nesto, não me foquei no que irá acontecer em 2015. Temos claro que o défice deve ter uma trajetória descendente para que a di­vida desça. Não fazemos micro-gestão, temos objetivos gerais.

fscosta@expresso.impresa.pt












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