Luís Ribeiro
18/11/2017, 7:31
Agora que o puzzle está claro, quanto será reaberto o inquérito ao crime contra o Estado de Direito para conhecermos a cumplicidade dos que então eram os mais altos responsáveis da Justiça portuguesa?
O mais grave no “Caso Sócrates” não é a descoberta de mais um político corrupto.
O mais grave não é que essa corrupção tenha chegado ao nível mais elevado do poder executivo.
O mais grave nem sequer é que essa corrupção tenha alcançado o grau de se conceber um esquema para controlar a imprensa e a economia do país.
Tudo isso foi descoberto, observado, gravado e investigado.
O mais grave foi o procurador-geral ter considerado que não existiam indícios probatórios nem elementos de facto que determinassem a instauração de procedimento criminal pela pratica do crime de atentado contra o Estado de Direito e ter enviado as provas – certidões e CDs das gravações das escutas telefónicas – ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, propondo a sua destruição.
O mais grave foi o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), no uso de competência própria e exclusiva, ter proferido decisões julgando nulos os despachos do Juiz de Instrução e ordenando a destruição de todos os suportes da prova.
Os mecanismos de defesa da democracia e do Estado de Direito funcionaram.
Os juízes de instrução do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Aveiro fizeram o seu trabalho e solicitaram em 2009, ao então Procurador-geral, Fernando Pinto Monteiro, a abertura de um inquérito por suspeita de crime de atentado ao Estado de Direito.
Existiam “fortes indícios da existência de um plano (…) visando o afastamento de jornalistas incómodos e o controlo de meios de comunicação social”.
Em gritante contraste com a investigação levada a cabo pelo DIAP de Aveiro, que encontrara “fortes indícios”, as chefias da PGR e do STJ concluem que não existem “indícios probatórios” nem “elementos de facto” da prática do crime de atentado contra o Estado de Direito.
Não havia vestígios, sinais, indicações, ou a menor possibilidade de existência de crime. Em suma, não havia nada nas gravações que merecesse ser investigado.
Mais, o Presidente do STJ ratificou a destruição das provas, que neste caso eram escutas telefónicas.
Porque se ordena a destruição de provas, quando uma decisão prudente aconselhava a que se guardassem, pois poderiam surgir outros indícios comprometedores que, somados aos anteriores, resultassem potenciados para efeitos probatórios?
Como efetivamente aconteceu.
Este é o cerne da questão: o crime de atentado contra o Estado de Direito resulta claramente da acusação formulada no âmbito da Operação Marquês, e até com contornos mais abrangentes do que fora verificado pelos juízes de instrução de Aveiro.
Para além do controlo da comunicação social, houve também um plano para controlar o setor bancário, o mais relevante na economia do país.
A atitude do então procurador-geral perante as investigações de políticos foi denunciada em 2015 pelo Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas: “No tempo do Dr. Pinto Monteiro … não havia grande incentivo para investigar pessoas poderosas, porque determinadas atuações podiam acabar em prejuízo para a carreira” … “quem tinha processos mediáticos, como regra, acabava com um processo disciplinar”.
Neste contexto, vem à memória o episódio do almoço de Pinto Monteiro — já depois de ter deixado a PGR — com José Sócrates, três dias antes de este último ser detido.
Antes tinha sido apanhado nas escutas da “Operação Marquês” a aconselhar José Sócrates a acompanhar as buscas domiciliárias.
O jornalista Fernando Esteves, no seu livro “A Sangue Frio”, considera que José Sócrates beneficiou da politização do Ministério Público.
Diz que o antigo primeiro-ministro tinha dois cúmplices no sistema judicial: precisamente o ex-presidente do Supremo Tribunal, Noronha do Nascimento, e o ex-procurador-geral da República, Pinto Monteiro.
As escutas destruídas provavam-no.
Recordemos que, no crime de atentado ao Estado de Direito, a mera tentativa é punível e a circunstância de ter sido cometido por titular de cargo político no exercício das suas funções constitui uma agravante.
Agora que o puzzle resulta finalmente claro, quanto tempo teremos de esperar pela reinstauração do inquérito ao crime contra o Estado de Direito, a fim de se perceber por fim o papel destes dois personagens, altos funcionários judiciais?
Ou será que os juízes estão acima da lei?
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