Rui Verde
2 de Novembro de 2017
Lemos o “Plano Intercalar (Outubro 2017 – Março de 2018).
Medidas de Política e Acções para Melhorar a Situação Económica e Social Actual”.
É um texto de 85 páginas, datado de 4/5 de Setembro de 2017.
Não se percebe quem o escreveu, apenas que pretendeu orientar a política económica do presidente João Lourenço.
O Plano começa por traçar um enquadramento e definir objectivos.
E inicia-se desde logo uma exposição atabalhoada.
Por um lado, afirma-se que o pressuposto fundamental é a estabilidade macroeconómica, mas, por outro, pretende-se mitigar os problemas sociais mais prementes, acrescentando-se que prosseguirão os esforços de construção/reconstrução das infra-estruturas.
Estes objectivos, por si, são sem dúvida meritórios.
O problema é que são também incompatíveis.
Por estabilidade macroeconómica quer-se significar desemprego baixo, inflação baixa, crescimento económico alto e finanças públicas equilibradas.
Para construirmos mais infra-estruturas, precisamos de mais dinheiro; mais dinheiro implica mais inflação e mais gastos nas finanças públicas.
O mesmo acontece com a mitigação dos problemas sociais.
Os técnicos do MPLA têm de deixar de fazer textos “bonitinhos” que dizem tudo, mas não resolvem nada.
Governar é escolher.
E, quando há falta de dinheiro, têm de ser feitas mais escolhas.
O problema de Angola não é a instabilidade macroeconómica.
É a existência de um sistema económico não competitivo, com deficiências estruturais quanto à concorrência, ao funcionamento do mercado, à protecção do investimento e da propriedade e ao funcionamento das instituições e dos tribunais.
Por isso, qualquer programa económico para Angola deveria começar com um big bang de libertação da economia.
Ao mesmo tempo, as estatísticas angolanas são muito rudimentares.
Não vale a pena querer fazer política económica sem números fiáveis – donde, a par do big bang económico, há que investir fortemente num modelo estatístico fiável para Angola.
Até à sua página 7, o Plano é assim uma espécie de introdução de tese de mestrado feita por um técnico empenhado do MPLA, mas que tem tanto a ver com Angola como o faraó Ramsés II.
Depois, até à página 21, o documento contém um diagnóstico da situação – este, ao contrário do enquadramento preliminar, bem elaborado e objectivo.
Podemos não concordar com todos os dados, designadamente com a alegada melhoria dos sectores sociais, mas concordamos com alguns aspectos fundamentais.
Lê-se no Plano:
“… a economia angolana – sujeita a políticas fiscal e monetária expansionistas, que têm sido relativamente ineficazes – encontra-se próxima de uma situação de estagflação, com um mercado cambial segmentado e um mercado bancário concentrado e ineficiente, num contexto de crescente perda de competitividade internacional.
Do ponto de vista social, embora os indicadores neste domínio tenham conhecido melhorias substanciais ao longo da última década, a maioria da população continua a ter acesso limitado a serviços básicos. (sublinhado nosso).
As assimetrias no que respeita a distribuição do rendimento ainda são significativas e os níveis de desemprego ainda são relativamente altos, se tivermos em conta os padrões internacionais.”
Estas considerações pecam por defeito: a desigualdade continua gritante, e o desemprego, sobretudo entre jovens, é absurdo.
Na sequência do diagnóstico, o Plano sugere um misto de políticas que permita “conceber e implementar um credível e eficaz programa de estabilização macroeconómica, para reunificar o mercado cambial, reduzir as taxas de inflação e criar-se o ambiente propício ao investimento privado, relançar a economia do país e melhorar os indicadores sociais do país”.
Sobre este tema, discordamos em absoluto.
Trata-se de um discurso teórico e com pouco contacto com a realidade da economia angolana.
Na verdade, até à página 37 é esboçado um detalhado plano de medidas concretas a ser introduzidas de acordo com o Plano.
Havê-las-á boas, como outras que não dizem nada de especial.
Por exemplo: “Disponibilizar mecanismos de apoio eficientes aos centros de suporte às crianças desprotegidas”, quer dizer exactamente o quê?
“Disponibilizar às famílias agrícolas terrenos para cultivo, infra-estruturados pelo Estado, com canais de irrigação e energia eléctrica”, tem que custos e que localização geográfica? “Reforçar as medidas que visam uma gestão mais eficiente dos medicamentos e outros produtos de saúde à nível municipal”, é o quê?
Poderíamos continuar a detalhar a vacuidade, irrelevância ou impossibilidade das medidas propostas.
Há um problema com esta tecnocracia que rodeia os decisores políticos angolanos.
Os estudos são concebidos por alunos que terminaram os seus cursos com distinção, certamente, mas não estão sintonizados nem adaptados à realidade concreta no terreno. Tudo se resume a listas de intenções não quantificadas.
Repetimos: a economia e a sociedade angolanas necessitam, antes de mais, de um big bang reformista, que não se compadece com gradualismo e estabilidade.
Pelo contrário, este é o tempo de correr riscos e acabar com os constrangimentos na economia angolana, destruindo os oligopólios, fazendo introduzir a concorrência, protegendo as indústrias nascentes – mas só essas –, libertando a economia das famílias poderosas que a sufocam.
Não se pense que Isabel dos Santos (Sonangol), José Filomeno dos Santos (Fundo Soberano) ou Kopelipa (saque desenfreado do país) não são problemas económicos.
Eles são os problemas mais graves da economia angolana, pois afectam a sua estrutura institucional.
E é esta que tem de ser transformada.
Economia livre, instituições fortes, liberdade para escolher, e ordem para garantir um país próspero.
Estas, sim, são as linhas obrigatórias para realmente reformar o País.
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