sexta, 24 novembro 2017 14:54
A batalha com o novo PR está em crescendo e JES começa a ver o chão a fugir-lhe dos pés.
Antes que o descalabro total aconteça, uma cartada que poderá tentar será levar para o BP do MPLA os homens que lhe foram leais durante o seu mandato como presidente, de modo a reequilibrar um pouco a correlação de forças.
Há indicações de que o líder do MPLA pode estar de regresso a Luanda esta quinta-feira, 23, depois de mais uma estada em Barcelona, Espanha, para “recauchutar” a saúde.
José Eduardo dos Santos (JES) encontrará o mesmo país que ele deixou quando saiu há pouco mais de um mês, mas é indubitável que mergulhará num ambiente de cada vez maior hostilidade com João Lourenço, o homem que o sucedeu na presidência de Angola a 26 de Setembro último.
O que era suposto ser uma passagem de testemunho pacífica entre duas figuras do mesmo partido acabou por desembocar num quadro de relações hipertensas, com possíveis riscos e custos para a sociedade que não devem ser negligenciados.
Isto mesmo, de resto, que já o Correio Angolense vem advertindo desde o seu lançamento em Abril passado.
Neste momento, a corrente entre ambos – chefe de Estado e líder do MPLA – praticamente deixou de circular.
A voltagem é propiciadora de permanentes curtos circuitos.
Observadores há que apontam mesmo para aquilo que já deixou de ser simples desinteligência de natureza política, para ganhar um pendor marcadamente pessoal.
É verdade que ninguém precisaria de uma bola de cristal para prever que, a qualquer momento, o choque entre ambos aconteceria.
Isso era mais do que previsível.
Mas o factor realmente surpreendente nisto tudo é a velocidade com que se deterioraram as relações entre José Eduardo dos Santos e João Lourenço.
Deste último, mesmo salvaguardando os poderes e prerrogativas que lhe confere a condição de Presidente da República e de Titular do Poder Executivo, até se esperava por maior contenção e espírito diplomático.
Coisas que não estão a verificar-se.
Enfim, o tempo de espera de João Lourenço esgotou muito depressa.
Ao ponto de no curtíssimo prazo de apenas uma semana, João Lourenço ter feito ataques directos aos centros nevrálgicos dos poderes que restam a José Eduardo dos Santos. Primeiro, foi o ataque ao império da filha primogénita, Isabel dos Santos, provocando o seu fragoroso despenhamento do cimo da Sonangol.
Acto contínuo, deu-se o desmantelamento de outro nicho do clã dos Santos (Tchizé e Coréon Du) montado no sistema de comunicação social, com o fim do contrato de gestão do Canal 2 da TPA pela Semba Comunicação.
E agora, ao início desta semana, outro ataque cirúrgico desferido a círculos de defesa e segurança próximos de JES, que culminou com as exonerações do comandante-geral da Polícia Nacional, Ambrósio de Lemos, e do chefe dos Serviços de Inteligência Militar, António José Maria, o odioso general que foi um dos mais ferozes “pitbulls” do regime de José Eduardo dos Santos.
Pergunta-se agora o que foi que aconteceu e fez com tudo se precipitasse e o castelo erguido à volta de José Eduardo dos Santos começasse a ser desbastado por João Lourenço já não ao ritmo e à política de formiga – isto é, lenta e seguramente – mas agora a uma velocidade quase supersónica, podendo provocar reacções colaterais intempestivas do lado do oponente?
Fontes que estão no “inside” puseram o Correio Angolense ao corrente de um acontecimento que, presumivelmente, terá precipitado tudo, mais do que qualquer outro factor.
Algo semelhante à gota que entorna o copo.
Nesse acontecimento esteve envolvido nada mais nada menos que o antigo governador do Banco Nacional de Angola Walter Filipe, que veio a revelar-se o elo mais frágil da cadeia do antigo PR, o que explicaria, de resto, a carga virulenta com que João Lourenço o terá visado no seu discurso sobre o estado da Nação, precipitando a sua posterior demissão.
Mas a estória conta-se com a rapidez de um tiro.
De facto, assim que João Lourenço tomou posse como PR, a sua Casa de Segurança e segmentos dos serviços de inteligência que estão sob seu domínio puseram-se no encalço do ainda governador do Banco Nacional de Angola, montando-lhe um implacável cerco.
WF não aguentou a pressão e pôs-se a “vomitar” alguns segredos cabeludos sob sua jurisdição.
Entre estes, pasme-se, estava o facto pavoroso de ter recebido “instruções superiores” para transferir imenso dinheiro para o estrangeiro.
Muito desse dinheiro destinava-se ao Banco Postal, propriedade de Danilo dos Santos, um dos filhos de JES com Ana Paula, o mesmo que protagonizou o escândalo do relógio arrematado num leilão em Cannes.
José Filomeno “Zenu” também seria beneficiário de um quinhão da milionária transferência.
Detalhe: à semelhança dos vários decretos exarados por JES já com João Lourenço na condição de Presidente eleito, ainda que à espera de tomar posse, essas operações financeiras – que representavam o vazamento dos cofres do Estado num momento em que as finanças do país já andam nas lonas – também foram executadas na “25ª hora”.
Ora, estas revelações de Walter Filipe tiveram um efeito demolidor no estado de espírito de João Lourenço.
É que se só a partir dos factos e acontecimentos anteriores, João Lourenço intuiu imediatamente que o seu antecessor lhe andaria a tramar a vida – mas talvez simplesmente para manter intactos os interesses financeiros da antiga família presidencial –, em face da terrível delação ouvida da boca do ex-governador do banco central, o novo PR sentiu que a questão era bem mais tenebrosa.
A partir daí não teve dúvidas: José Eduardo dos Santos estava afinal firmemente disposto a dinamitar-lhe todas as pontes, e isto com o fito mais vasto de transformar a sua governação num rotundo fiasco.
Por essa razão, de resto, é que João Lourenço, como uma moto-niveladora, tratou de passar imediatamente à acção, despedaçando todos os “cadeados” que o rival lhe foi colocando pelo caminho, sobretudo no que diz respeito às vias de acesso ao dinheiro. Passou por cima do estatuto que, em Agosto, já nos derradeiros instante do seu consulado, José Eduardo dos Santos aprovara às pressas e nas costas do novo PR, atribuindo poderes ilimitados à filha para gerir como bem lhe aprouvesse a Sonangol.
Desfez igualmente outro “cadeado” que o antigo presidente colocara na Endiama, onde um mês antes havia renovado o mandato de Carlos Sumbula à frente do Conselho de Administração da diamantífera.
E agora, por fim, as exonerações na Polícia e nos serviços de inteligência militar, marcando o início de uma investida exactamente contra aqueles órgãos que, juntamente com o sector financeiro, JES considerou vitais para prolongar o seu poder – ao ponto de os ter armadilhado, pouco antes do termo do seu consulado, através de outro maldito decreto com o qual visava impedir o seu sucessor de efectuar alterações nas chefias militares, da polícia e dos órgãos de inteligência.
Neste último caso, não obstante o decreto ter sido aprovado pela Assembleia Nacional, a verdade é que inadvertidamente os parlamentares deixaram uma porta entreaberta a partir da qual o novo PR se esgueirou e furou o cerco, tendo feito as exonerações e nomeações que fez.
Na verdade, a porta entreaberta foi a própria Constituição, cujo artigo 122º propiciou as cláusulas que serviram de âncora a João Lourenço, ao estabelecer que o PR só precisa ouvir o Conselho de Segurança Nacional para fazer quaisquer alterações nas chefias militares, polícias e órgãos de segurança.
O passo seguinte de JES
Por junto e atacado, a percepção que paira é a de que João Lourenço ganhou um significativo ascendente sobre JES.
Mas trata-se de uma vantagem que ainda não lhe permite dar-se à veleidade de entrar em euforias e perder de vista que o seu predecessor pode ter sido atirado às cordas, como se diz em linguagem usada no mundo do pugilismo, mas não está ainda sob nocaute, ou KO.
Diante dos acontecimentos que se desenrolam neste momento em Angola, o professor da Universidade de Oxford Ricardo Soares de Oliveira, versado em assuntos angolanos, está entre os observadores que, projectando o que pode vir a ocorrer, entendem que JES não levantará tão cedo a bandeira branca.
O autor do livro "Magnífica e Miserável: Angola desde a guerra civil", reconheceu recentemente haver "uma tentativa de eliminação política" da família dos Santos, mas que só se JES “estiver mesmo muito debilitado é que ele não reagirá”.
E o ponto é mesmo este.
O que se sabe, de facto, é que JES está inconformado sobretudo com os golpes desferidos contra os filhos, algo que considera, em última instância, uma humilhação e tentativa de “vendeta” contra si.
O que está à mesa é saber o que ele pode e ainda tenciona fazer para reverter a situação, se isso for ainda de alguma maneira possível.
E com que armas contará.
Regra geral, os “assessements” sobre o assunto apontam para um cenário de acordo com o qual JES procurará, nesta fase, transferir o centro de gravidade do poder real no país do Palácio da Cidade de Alta, de onde saiu, para a sede do MPLA, onde agora se encontra. Será um pouco como que trazer o “Futungo” para o “Kremlin”.
Numa palavra, a “futunguização” do partido, uma receita que lhe proporcionou rendimentos durante o seu consulado como Presidente.
Na verdade, esta rearrumação de peças por parte de JES já começou a verificar-se pouco antes da sua última deslocação a Barcelona para fazer a “revisão do motor”.
Estamos todos recordados que já aí ele terá conseguido pôr os órgãos de cúpula do MPLA (Comité Central e Bureau Político) a “ostracizarem” a figura do Presidente da República, omitindo o seu nome e os seus feitos de vários pronunciamentos oficiais do partido.
A declaração do BP por ocasião das comemorações do aniversário da Independência foi a toda a linha um exemplo disso.
Os observadores estão persuadidos que mal retorne ao país, algo que ao que tudo indica poderá acontecer ainda esta quinta-feira, 23, JES não perderá tempo e fará diligências para pôr imediatamente em marcha o seu plano de “futunguização” do partido.
Fontes que acompanham este dossier perspectivam que ele poderá tratar de convocar imediatamente uma reunião do Bureau Político destinada exactamente a fazer ajustamentos a nível do secretariado desse órgão de cúpula.
É que de acordo com as avaliações que são feitas, JES estará particularmente preocupado com o Secretariado do BP, porque além de ser um órgão com funções executivas e não estáticas, ele tem mostrado alguma vulnerabilidade e sensibilidade à penetração das hostes mais identificadas com o novo Presidente da República.
Presentemente a correlação de forças no interior do Secretariado do BP continua a favorecer a ala eduardista.
Porém, foi notado um grande crescimento dos chamados “lourencistas”, que têm a sua expressão mais visível em figuras como o responsável pelos assuntos de Comunicação e Marketing, Mário António, e Pedro Sebastião, que também está ao lado de João Lourenço na Presidência da República, sendo ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança.
Junta-se a eles Manuel Nunes Júnior que a nível do Secretariado do BP se ocupa dos assuntos económicos, ao mesmo tempo que também está ao lado de João Lourenço no Executivo como ministro de Estado para o Desenvolvimento Económico e Social.
Há ainda Frederico Cardoso, que é o ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República, e a líder da OMA, a falange feminina do partido, Luzia Inglês “Inga”.
As figuras do Secretariado que, até prova em contrário, se encontram do lado de José Eduardo dos Santos são Joana Lina (Administração e Finanças), Dino Matross (Relações Exteriores), Paulo Cassoma (secretário-geral do partido) e Luther Rescova, o líder do braço juvenil, JMPLA.
Outros pró-JES são o líder da bancada parlamentar Salomão Xirimbimbi, Jorge Dombolo e Ferreira Pinto.
No entanto, a próxima reunião do BP pode proporcionar uma boa oportunidade a JES para realizar ajustamentos no órgão que lhe favoreçam, com a introdução de novos membros como Carlos Feijó e Norberto Garcia, havendo igualmente quem estime que Aldemiro da Conceição, um “futunguista-mor”, também venha a fazê-lo.
Admite-se que Feijó e Aldemiro tenham renunciado aos seus assentos na Assembleia Nacional exactamente em obediência a essa estratégia de recauchutar o BP do MPLA em favor de JES.
A movimentação de indefectíveis de JES para o interior dos órgãos de direcção do MPLA seria acompanhado de um crescendo de acusações contra João Lourenço, que teria de responder pelo “delito” de insubordinação e indisciplina partidária, um processo que até já foi despoletado, ainda que discretamente.
O deputado João Pinto pode ser uma espécie de “lebre” de tal estratégia.
Deu o rosto a uma campanha desenvolvida nas redes sociais, por meio da qual se tem disseminado a ideia de que as reformas e actos governativos de João Lourenço estariam eivados de uma carga demagógica que poderia minar a estabilidade e unidade do país, comprometendo o progresso social e o desenvolvimento económico.
Numa das suas últimas intervenções no Facebook, João Pinto postou o seguinte: “Não devemos confundir a clemência de JES perante a guerra com a vingança perante a paz que os populares exigem.
JES recusou o triunfalismo dos vitoriosos...
Um filho ou cidadão que esquece a virtude de um Presidente [como] JES, que em tempo de medo transmitiu segurança e confiança é um ingrato...
Não me confundam com oportunismo populista que pode descambar, se as expectativas falharem, e redundar em frustração ou revolta".
A verdade é que a avaliar pelas respostas antagónicas que tem suscitado contra si mesmo nas redes sociais, João Pinto, tudo o indica, está fadado ao fracasso.
Exigem-se figuras de maior estaleca para advogarem a causa de José Eduardo dos Santos.
Está claro, por ora, que se ele ainda não perdeu o jogo, a verdade também é que está remetido a uma sufocante defesa.
Pior ainda é que no momento em que JES se apresta a aterrar no país, até os sinos no Zimbabwe ressoam como má notícia para si.
Realmente hoje os povos têm cada vez menos tolerância para com os dinossauros.
Não há nada que indique que com JES será diferente...
Correio Angolense
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