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Hugo Franco e Rui Gustavo 28 de Julho de 2018
O Benfica está envolvido em vários processos judiciais, mas garante que não cometeu qualquer ilegalidade
O funcionário judicial José Augusto Silva e o assessor jurídico do Benfica Paulo Gonçalves usaram intermediários para comunicar entre si, diz o Ministério Público e o Tribunal da Relação
Tão cedo o funcionário judicial José Augusto Silva não sairá da prisão, nem mesmo para ficar confinado às quatro paredes de casa com uma pulseira eletrónica.
Os investigadores da ‘Operação E-Toupeira’, de que é um dos principais arguidos, têm receio de que destrua provas ou que venha a ter a ajuda de cúmplices ainda não identificados, mas que serão também funcionários judiciais.
“A investigação ainda não se encontra concluída”, pode ler-se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a prisão preventiva decretada em março de 2017 pelo juiz de instrução criminal.
CONTEXTOQUANDO: As buscas da ‘Operação E-Toupeira’ foram realizadas a 7 de marçoONDE : A PJ esteve na Luz e nos tribunais de Guimarães e FafeQUEM : Entre os arguidos estão funcionários judiciais, um dirigente e um empresário de futebolPORQUÊ : Suspeita de fuga de informação do Citius para o Benfica
O oficial de justiça tem 51 anos e é técnico informático do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ).
De acordo com a investigação, entre julho do ano passado e janeiro deste ano, José Augusto Silva acedeu 385 vezes ao sistema informático do Ministério da Justiça, diariamente e “várias vezes ao dia”, para consultar dez processos relacionados com o clube da Luz.
Terá passado as informações em segredo de justiça ao assessor jurídico do Benfica Paulo Gonçalves, também arguido no processo, que chegou a ser detido após as buscas ao Estádio da Luz mas que acabou por ficar em liberdade.
A defesa do escrivão-adjunto recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, argumentando que os indícios que o colocaram em prisão preventiva “não são suficientemente fortes e sólidos”, mas os desembargadores não lhe deram razão.
Acreditam que se José Augusto Silva fosse libertado e colocado em prisão domiciliária iria voltar a aceder ao Citius para adulterar ou mesmo destruir provas que o pudessem incriminar.
De acordo com a investigação, o suspeito entrou com quatro credenciais diferentes: duas de procuradoras do Ministério Público e outras duas de funcionários judiciais.
E nada garante que não voltasse a fazê-lo, inclusivamente com a password ou mesmo a colaboração direta de outros agentes da Justiça.
“Os perigos não se centram apenas no exercício de funções do próprio recorrente, havendo mais funcionários envolvidos ou outras credenciais de terceiros que permitam aceder a processos.”
No acórdão a que o Expresso teve acesso, é referida por duas vezes a suspeita de haver mais funcionários judiciais envolvidos no esquema de corrupção, falsidade informática e violação do segredo de justiça que alegadamente ajudaria o Benfica a ter informações privilegiadas sobre processos judiciais em curso, como o dos vouchers, o dos e-mails ou o da corrupção no futebol.
E ainda de outros relacionados com os rivais Sporting e FC Porto.
“Se das escutas é percetível que o mesmo, por incúria de outros colegas, conhece credenciais de outros funcionários, já a forma como acedeu às credenciais da magistrada com a qual nunca se cruzou profissionalmente não está de todo explicada, existindo o sério receio de que terceiros ainda não identificados também intervenham nesta prática”, refere o Ministério Público, numa tese subscrita pelos juízes da Relação.
SUSPEITAS SOBRE PAULO GONÇALVES
As relações entre José Augusto Silva e o assessor jurídico do Benfica suscitam dúvidas e críticas, patentes ao longo do documento.
Ao consultar os processos de que era alvo o clube encarnado, Paulo Gonçalves poderia “antecipar diligências e impedir o sucesso das mesmas”.
Já o facto de ter em mãos documentos judiciais sobre os clubes rivais permitia-lhe “obter informações que depois usava consoante as necessidades”.
BILHETES E CAMISOLAS FORAM SUFICIENTES PARA CORROMPER?José Augusto Silva está em prisão preventiva desde que a ‘Operação E-Toupeira’ rebentou, a 7 de março de 2017. As suspeitas que recaem sobre ele são graves: usando os privilégios que tinha como técnico especialista do IGFEJ, o instituto do Ministério da Justiça que gere o sistema informático dos tribunais, acedeu à password adormecida da magistrada Ana Paula Vitorino e entrou 385 vezes em dez processos judiciais em segredo de justiça que envolvem o Benfica e os seus adversários. Há suspeitas também de que tenha usado a password de outra magistrada e até de outros funcionários judiciais. As contrapartidas que, segundo o Ministério Público, terá recebido do Benfica estão à vista na página do Facebook que continuava ativa dias depois da sua detenção: fotos na bancada presidencial ao lado do homónimo José Augusto, antiga lenda do Benfica, uma foto com Paulo Gonçalves e fotos do relvado tiradas a partir de lugares VIP. A acreditar na tese da investigação, José Augusto Silva aceitou violar o segredo de justiça a troco de bilhetes para os jogos, lugares no estacionamento, camisolas e fatos de treino e a promessa, não concretizada, de um emprego para o sobrinho no Museu Cosme Damião. Natural de Paris, José Augusto Silva estava colocado nos tribunais de Fafe e Guimarães como técnico informático do IGFEJ. No recurso à prisão preventiva, assume que acedeu ilegitimamente aos processos em segredo de justiça, mas alega que não tinha acesso ao teor dos documentos. Apenas às “movimentações processuais”. Segundo a PJ, avisou o Benfica de duas delas: as buscas ao Estádio da Luz em outubro de 2016 e em outubro de 2017.
As camisolas do Benfica, os bilhetes para os jogos de futebol na Luz e a promessa de um emprego para o sobrinho no Museu do Benfica — favores que o funcionário judicial receberia como contrapartida por aceder ilegalmente ao Citius — causam estranheza entre os desembargadores.
“Quanto a nós, não é nada normal as benesses auferidas pelo arguido por parte de Paulo Gonçalves”, salientam.
E não têm dúvidas de que ao aproveitarem-se das funções que exerciam e exercem (Paulo Gonçalves continua a ter o mesmo cargo no clube) conseguiram “obter vantagens relevantes para si e para terceiros”, em “grave prejuízo do sistema de justiça”.
O acórdão de 46 páginas revela ainda que os dois principais arguidos do caso utilizaram intermediários para contactarem entre si, de forma a “melhor esconderem a sua conduta”.
A defesa de José Augusto Silva admite que este acedeu de forma ilegítima aos inquéritos, mas garante que o funcionário do IGFEJ não conseguiu entrar no conteúdo dos processos em segredo de justiça.
“É tecnicamente impossível no programa informático dos tribunais portugueses aceder aos documentos propriamente ditos, mas somente à visualização da movimentação processual.”
O advogado nega também que Paulo Gonçalves tenha dado qualquer tipo de contrapartidas a José Augusto Silva por alegadas informações judiciais.
“É público que os clubes de futebol, e concretamente o Benfica, oferecem milhares de convites às mais diversas entidades e pessoas, sendo maquiavélico concluir-se que os mesmos seriam feitos com a intenção criminosa ou de obter vantagens.”
O currículo do sobrinho do oficial de justiça apreendido no gabinete da Luz, na operação da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ, em março, não prova qualquer crime de corrupção, já que, de acordo com a defesa, seria normal que José Augusto Silva pedisse a alguém como Paulo Gonçalves, que conhece um grande número de pessoas, para ajudar o familiar a procurar um emprego.
Poderia ter sido uma contrapartida caso o sobrinho tivesse sido contratado para o museu ou exercesse outra função no clube, algo que não aconteceu.
O Expresso fez várias tentativas para contactar o advogado de José Augusto Silva, mas sem sucesso.
Também o advogado de Paulo Gonçalves não respondeu até ao fecho desta edição.
Os restantes arguidos no caso são Júlio Loureiro (outro oficial de justiça), Óscar Cruz (empresário de futebol) e José Ribeiro (funcionário judicial aposentado).
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