GRÉCIA
Nuno André Martins 20 Agosto 2018
A Grécia teve de aprovar cortes nas pensões e mais impostos para 2019 o ano passado, será submetida a revisões trimestrais e tem que aplicar medidas até 2022.
O resgate acabou, mas pouco mudará.
Quase 10 anos depois, a Grécia terminou com sucesso o terceiro resgate à sua economia entre felicitações e avisos e com o anúncio de uma nova era, na qual os gregos recuperaram o controlo sobre o seu destino.
Mas depois dos dois primeiros resgates falhados, os credores impuseram restrições de tal ordem que a margem de manobra de Alexis Tsipras para escolher as suas políticas é tão limitada que até pode vir a custar-lhe a liderança.
“A Grécia recuperou o controlo pelo qual lutou”, anunciou o ministro das Finanças português e presidente do Eurogrupo, Mário Centeno, num vídeo publicado esta segunda-feira, para marcar o final oficial do terceiro resgate, dizendo ainda que os benefícios das reformas (que tanto criticou antes das eleições e depois de se tornar ministro das Finanças) ainda não chegaram a todos, mas que irão chegar.
Pierre Moscovici, o comissário europeu para os Assuntos Económicos, alinhou pela mesma nota otimista: “O Governo vai ter mais margem de manobra para adaptar as políticas às preferências do povo grego”.
Em entrevista, Moscovici salientou que os gregos tinham recuperado a sua liberdade.
Yanis Varoufakis, antigo ministro das Finanças do Syriza, e figura pouca querida na Grécia (inclusivamente dentro do próprio Syriza) assemelha estas declarações de Centeno a propaganda norte-coreana.
Quem tem razão?
A Grécia terminou esta segunda-feira o terceiro programa de resgate, o único com sucesso depois de pedir ajuda ao Fundo Monetário Internacional e aos países do euro em maio de 2010.
Foi o primeiro país do euro a fazê-lo.
Seguiram-se a Irlanda e Portugal, depois a Espanha (apenas para os bancos) e o Chipre.
A Irlanda foi a primeira a recuperar.
A Espanha nem precisou do dinheiro todo que havia pedido para reestruturar o setor bancário.
Portugal conseguiu a sua saída no verão de 2014.
Seguiu-se o Chipre.
No caso grego, foram precisos quase 10 anos, seis primeiros-ministros (dois deles interinos), a imposição de controlos de capitais, a reestruturação da dívida e muitas peripécias para finalmente chegar a uma posição em que irá finalmente sobreviver (quase) sem ter de pedir ajuda financeira aos seus parceiros do euro.
Mas a ‘saída limpa’ que o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, decidiu para o seu país (com um forte empurrão dos países da linha dura do Eurogrupo) não podia ser mais diferente das outras.
Visitas da troika a cada três meses, pagamentos condicionados à aplicação de medidas pré-acordadas até 2022, medidas já legisladas e que entram em vigor nos próximos anos e a condição de que continua a cumprir todas as condições que lhe foram impostas para que em 2032 os parceiros europeus aceitem discutir mais medidas para aliviar a sua dívida. Tudo isto enquanto a economia grega é das que menos cresce na zona euro, o desemprego ainda está perto dos 20% (dos quais metade são desempregados de longa duração) e com a dívida pública superior a 180% do PIB.
Um programa forçado, mas sem empréstimos
Os resgates falhados e as medidas por concretizar do passado levaram os credores europeus a exigirem mais garantias desta vez.
Alexis Tsipras chegou ao governo em janeiro de 2015 prometendo um novo rumo e uma Grécia que não se iria submeter aos credores.
Mas rapidamente percebeu que não seria assim tão fácil.
Os primeiros seis meses não podiam ser mais atribulados.
Neste período a Grécia teve de aguentar uma quebra nas negociações, um referendo a uma proposta dos credores europeus que os gregos rejeitaram (mas que já nem sequer estava em cima da mesa…) e a imposição de controlos de capitais por parte de Atenas.
Um dia depois do referendo, Tsipras despediu o seu ministro das Finanças e cedeu de tal forma aos credores, que aceitou um programa ainda mais duro do que aquele que o que os gregos haviam rejeitado pouco tempo antes nas urnas.
Nesse programa, o Eurogrupo exigiu garantias e essas garantias vieram em forma de leis que ficariam muito além do final do resgate.
Em 2017, o governo grego viu-se obrigado a aprovar cortes nas pensões na ordem dos mil milhões de euros, o 14.º corte desde 2010, mas que entram em vigor apenas em janeiro do próximo ano.
Caso não aceitasse esta condição, a Grécia não receberia o dinheiro do resgate.
Houve votações de mais de mil páginas de legislação no Parlamento, de uma só vez, tudo medidas que os credores exigiam à Grécia.
“Não é uma saída limpa.
Na prática continuamos com um programa forçado, mas sem o dinheiro”, afirma George Pagoulatos, ex-diretor de estratégia do governo de Lucas Papademos e do governo interino de Panagiotis Pikrammenos.
Outra das medidas que o Governo já aprovou e vai ter de aplicar no próximo ano é a redução do valor do chamado mínimo de existência, a parte dos rendimentos que está isento do pagamento de impostos.
Com isto, o governo grego vai colocar todos os gregos a pagar mais impostos e em troca tem de conseguir poupanças na ordem dos mil milhões de euros.
O Governo está ainda obrigado a avançar com uma lista de privatizações e as receitas têm de ser colocadas num fundo, para abater à dívida pública grega.
Com o fim do resgate, em teoria o governo grego teria nas suas mãos o poder para, juntamente com o Parlamento, decidir sobre esta matéria sem sequer ter de consultar as autoridades europeias.
Bastaria alterar a lei que aprovou.
No entanto, a questão está longe de ser tão simples.
Um incentivo recauchutado
Apesar de já não haver lugar ao pagamento de partes de um empréstimo, o Eurogrupo conseguiu garantir que tem incentivos suficientemente fortes para que a Grécia cumpra o que prometeu.
O primeiro deles é o pagamento dos lucros do Banco Central Europeu com a compra de dívida grega.
Em maio de 2010, o BCE criou um programa para comprar títulos de dívida pública dos países do euro no mercado secundário como forma de aliviar a pressão sobre estes países e estabilizar as taxas de juro que estavam a ser exigidas pelos investidores nos novos leilões de dívida.
Essa dívida foi comprada a preço de mercado, ou seja, a desconto face ao que vale, e permaneceu no balanço do BCE até vencer, o que significa que, para além do lucro que tinha com a compra mais barata daquela dívida, o BCE também encaixava os juros que essa dívida rende todos os anos até vencer.
Os lucros são, por sua vez, distribuídos aos bancos centrais nacionais.
Os países acordaram em 2012 abdicar destes lucros, que receberiam via dividendos dos bancos centrais, a favor da Grécia.
Foi o único caso em que tal aconteceu.
Mas para isto acontecer, a Grécia tinha de continuar a cumprir todas as revisões trimestrais com sucesso.
O acordo expirou com o segundo resgate em 2015.
O novo acordo entre o governo grego e os credores é de que estes lucros vão voltar a ser distribuídos ao governo grego, entre 2018 e o junho de 2022, e só podem ser usados para reduzir as necessidades de financiamento gregas ou financiar investimentos que os credores aprovem previamente.
Mas para isto, a Grécia tem de cumprir e implementar as medidas que ficaram acordadas no Eurogrupo de 22 de junho.
A lista é longa e estende-se a quase todos os sectores da economia, desde a reforma do sistema de pensões, das prestações sociais, à garantia de um saldo primário de 3,5% do PIB anualmente e à atualização de vários impostos todos os anos, como o imposto sobre a propriedade, que passou a ser cobrado anualmente e que rende aos cofres do Estado grego mais de 3 mil milhões de euros por ano.
Uma dívida praticamente para a vida
Outra das formas que os credores encontraram de garantir que a Grécia cumpre os seus compromissos foi empurrando com a barriga o problema da dívida grega.
As regras europeias exigem que a dívida pública, em percentagem do PIB, seja inferior a 60%.
Quando a dívida supera os 100%, começam a colocar-se dívidas sobre a sua sustentabilidade.
No caso da Grécia, a dívida pública já supera os 180% do PIB.
Durante os últimos nove anos de resgate, e graças à reestruturação da dívida pública detida por privados em 2012, 90% da dívida grega é detida pelos credores oficiais, ou seja, os países do euro, o Fundo Monetário Internacional e o BCE.
No primeiro resgate, a Grécia recebeu 73 mil milhões de euros.
No segundo outros 153,8 mil milhões.
No terceiro, mais 61,9 mil milhões de euros.
Ou seja, um total de 288,7 mil milhões de euros que os países do euro e o FMI, que não entrou no terceiro resgate, emprestaram à Grécia.
A Grécia já pagou mais de metade do que devia ao FMI, mais de 20 mil milhões dos 32,1 mil milhões que devia.
Aos 266,7 mil milhões de euros que ainda deve aos parceiros europeus e aos 12 mil milhões de euros que ainda deve ao FMI, a Grécia ainda deve outros 13 mil milhões de euros ao BCE, pela dívida que a instituição liderada por Mario Draghi comprou no mercado.
Ou seja, só aos credores oficiais, a Grécia deve 291,7 mil milhões de euros, 90% de toda a sua dívida pública.
No entanto, as condições da dívida pública também são muito diferentes das dos restantes países do euro.
A Grécia só tem de começar a pagar os empréstimos bilaterais que recebeu dos países do euro no primeiro resgate em 2041.
Os empréstimos restantes só começam a ser pagos ao Mecanismo Europeu de Estabilidade em 2034.
Os primeiros pagamentos de juros só terão de começar em 2022.
Mesmo os juros que estavam já contratualizados foram reduzidos e as margens financeiras do Mecanismo foram abolidas a favor da Grécia.
De acordo com o Mecanismo Europeu de Estabilidade, isto deve reduzir o rácio da dívida pública grega em 25 pontos percentuais do PIB até 2060.
No entanto, mesmo com estas mudanças, a dívida pública é considerada insustentável.
Por essa razão, o FMI recusou entrar no terceiro resgate, participando apenas como consultor técnico.
“Já todos concordam que a dívida não é sustentável.
Por isso [as autoridades] também encontraram um conceito mais viável de sustentabilidade de dívida pública” e começaram a centrar-se mais nas necessidades de financiamento, explica George Pagoulatos.
O acordo no Eurogrupo estipula já algumas medidas para entrarem em vigor e aliviarem o peso da dívida grega caso algum cenário inesperado se concretize.
A única garantia que o governo grego tem em relação à sua dívida é que as instituições europeias vão fazer uma nova avaliação da sustentabilidade dessa dívida em 2032, daqui a 15 anos, altura em que os empréstimos terão de começar a ser pagos.
Nessa altura, o Eurogrupo pode vir a tomar mais medidas para reduzir a dívida grega, mas só se o governo grego cumprir as regras orçamentais europeias e os compromissos que assumiu para com os credores.
Controlo mais apertado sem fim à vista
Para além dos incentivos financeiros e das medidas que já conseguiram que a Grécia aprovasse, os credores europeus têm ainda à disposição outros mecanismos de controlo, mais apertados do que os que aplicaram a Portugal e à Irlanda.
Quando um país termina com sucesso um resgate, até pagar 75% do empréstimo, fica sujeito a missões de supervisão a cada seis meses.
É o caso de Portugal, Irlanda, Chipre e Espanha.
No entanto, com a Grécia, a Comissão Europeia aprovou um regime mais restritivo, a Enhanced Surveillance Framework, que implica que as missões sejam a cada três meses – tal como acontecia durante o resgate –, e mais intrusivas.
O sistema permite assim às instituições europeias um maior controlo e monitorização da economia grega, em todas as suas dimensões.
Esta é a primeira vez que a Comissão Europeia ativa este sistema desde que ele foi criado em 2013.
A Grécia estará também abrangida pelo Early Warning System do Mecanismo Europeu de Estabilidade, que implica o controlo dos técnicos do fundo enquanto a Grécia não pagar a totalidade dos empréstimos que deve ao fundo de resgate do euro.
Esta avaliação poderia ser mais pro-forma ou política, se não houvesse incentivos associados, como é o caso de Portugal.
Mas no caso da Grécia, esta é outra pré-condição para que possa vir a beneficiar de medidas de alívio da dívida quando a situação voltar a ser revista em 2032.
Que margem para o futuro?
As medidas já aprovadas e as restrições que ficam do resgate colocam também questões importantes ao nível político.
Alexis Tsipras conseguiu sobreviver a vários contratempos e adaptar o seu partido às novas circunstâncias.
Em 2015, deu uma volta de 180 graus e aceitou condições mais restritas do que as que havia rejeitado, e mesmo assim conseguiu vencer as eleições e limpar o seu partido das alas mais radicais, lideradas por Panagiotis Lafazanis, o ministro da Energia que tinha um plano para se apropriar das reservas de euros do banco central e retirar o país do euro), Yanis Varoufakis, o seu ministro das Finanças, e Zoe Konstantopoulou, a presidente do Parlamento grego.
Mas a vitória que conseguiu nessas eleições parece agora muito mais longe.
Com eleições legislativas a acontecer, no máximo, até setembro do ano que vem, Alexis Tsipras não tem a vida facilitada.
Depois de vários anos a tomar medidas impopulares, como os cortes de pensões que sempre rejeitou, os incêndios na zona balnear de Attica que levaram à morte de pelo menos 93 pessoas, estão a ter impacto na popularidade do líder do Syriza, tal como o acordo sobre a questão da Macedónia, que chegou a fazer cair um governo da Nova Demoracia.
A popularidade que Alexis Tsipras poderia conseguir com a saída do resgate, algo que o PASOK e a Nova Democracia não conseguiram, também pode ser afetada a partir de janeiro, quando o governo cortar novamente as pensões e aumentar os impostos, como resultado das medidas já aprovadas.
Ainda antes dos fogos e da questão da Macedónia, a Nova Democracia de Kyriakos Mitotakis já liderava nas sondagens por vários pontos.
Em alguns casos, por mais de 10 pontos.
As sondagens mais recentes ainda não têm em conta os incêndios em Attica e o acordo sobre o nome da Macedónia, mas já colocam o Syriza em grande desvantagem face à Nova Democracia.
As sondagens mais recentes ainda não levam em conta os incêndios em Attica e o acordo sobre o nome da Macedónia, mas já colocam o Syriza em grande desvantagem face à Nova Democracia.
O corte nas pensões é um tema sensível para Alexis Tsipras, e que afeta uma parte importante do seu eleitorado.
“O governo tem tentado muito encontrar formas de adiar esse corte, é uma das suas principais prioridades, mas as autoridades europeias já disseram que não vão rever o que já está acordado”, explica George Pagoulatos.
“Tsipras tem vindo a ‘flirtar’ com a possibilidade de tomar uma decisão unilateral no caso das pensões, mas os credores conseguiram garantias de que isso não acontecerá assim tão facilmente”, explicou este especialista.
Com as opções limitadas, Alexis Tsipras arrisca-se a sair do poder por tomar as decisões que tanto criticou e que lhe permitiram ganhar as eleições em 2015, apesar de fazer o que nenhum dos outros cinco primeiros-ministros conseguiram antes dele: acabar com o programa de resgate.
Pelo menos no papel.
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