25 de setembro de 2017, 11:48
Os eleitores da AfD não são mais pobres ou precários do que os dos outros partidos. O que motiva o voto deles é o medo em relação ao futuro.
Esta segunda-feira, mais um sinal das divisões no partido de extrema-direita: Frauke Petry, candidata mais votada, anuncia que não quer ser deputada pela AfD.
Medo do crime, medo de perder o controlo, medo de não ser tido em conta.
A Alternativa para a Alemanha (AfD) alimentou-se de uma característica muito alemã, um medo existencial, o Angst, para o seu sucesso – com 13% dos votos é o primeiro partido de extrema-direita a entrar no Bundestag (Parlamento) no pós-guerra.
O partido ganhou eleitores preocupados sobretudo com a identidade alemã e um medo que esta seja perdida por influência do islão.
Segundo um inquérito aos eleitores do partido feito pela televisão pública ARD, 99% dos eleitores da AfD disseram que o partido “percebeu melhor do que os outros que as pessoas já não se sentem seguras”, e também concordam com acções para “diminuir a influência do islão na Alemanha”.
Outros 96% acham bem que sejam impostos limites à vinda de refugiados e 85% dos entrevistados viram este partido como o único meio de fazer um voto de protesto. Finalmente, um último dado interessante: 55% dos eleitores defendem que o partido não se distancia suficientemente de posições de extrema-direita.
Na manhã de segunda-feira, uma surpresa: Frauke Petry, uma das líderes do partido, anunciou que não vai fazer parte do grupo parlamentar da AfD e será uma deputada independente.
Além disso, criticou os comentários de Alexander Gauland em que este prometeu “caçar Merkel”.
O que esta decisão significa ninguém sabe: Petry foi a figura mais votada da AfD no seu círculo eleitoral.
A base de extrema-direita
A AfD tem flirtado com esta retórica como meio de ganhar publicidade a par de outras declarações polémicas (normalmente racistas) e assegurar cobertura mediática.
Mas também, como explicou o analista do German Marshall Fund Joerg Forbrig ao PÚBLICO, para assegurar o voto claramente nazi, que no passado tinha ido para partidos que tiveram altos e baixos, como o Partido Nacional Democrata (NPD), mas que nunca chegaram a ser eleitos para o Parlamento nacional e apenas tiveram presença nos estados-federados.
A AfD tem de assegurar que mantém estes votos de extrema-direita, uma base relativamente estável, enquanto ganha os votos de protesto e de medo, uma base mais volátil.
O partido conseguiu a maioria dos seus votos de pessoas que não tinham antes votado, 1,2 milhões, e cerca de um milhão de votos de antigos eleitores da CDU (os democratas-cristãos da chanceler Angela Merkel, que venceram as eleições), 500.000 do SPD (os sociais-democratas de Martin Schulz, partido de centro-esquerda) e outros 500.000 de Die Linke (partido de esquerda).
Refugiados, o ponto de viragem
Formada como partido anti-resgates do euro mesmo a tempo das eleições de 2013, a AfD começou a aproveitar um movimento de protesto contra a imigração logo em 2014, mas deu um salto sobretudo na sequência da entrada de quase um milhão de refugiados no ano seguinte.
O que aconteceu entre o momento em que os alemães foram recebê-los às estações de comboio no Verão de 2015 e os meses seguintes foi que em muitos locais o processo arrastou-se: a burocracia alemã não estava a conseguir acompanhar os casos, ginásios de escolas ficaram meses a fio ocupados por refugiados, e em algumas pessoas começou a criar-se uma sensação de que o país não estava preparado e não ia conseguir integrar os recém-chegados.
Dois anos depois, os sinais de integração são promissores, a maioria dos menores estão a estudar, e tudo parece estar, aos poucos, a funcionar.
Mas a AfD tornou-se o único partido para os eleitores que queriam expressar este medo dos refugiados.
Sentimento de insegurança
Richard Hilmar, especialista em sondagens que fez um inquérito sobre a AFD, disse antes da votação que o principal factor que leva ao voto na AfD é “o medo do futuro”: “Estas pessoas vêem muito mais problemas do que os outros, sentem-se muito mais inseguras”, diz, dando mais atenção a relatos de crimes, acreditando mais em teorias da conspiração.
A vida destes eleitores corre bem, sublinha.
“Não são, em média, mais pobres ou mais precários”, diz, notando que ele próprio foi surpreendido por isso: há pessoas com alto nível de instrução e também de rendimentos entre os eleitores da AfD.
Têm é medo de que a sua situação mude para pior. (Aliás, esta não é uma característica apenas alemã, muitos partidos de extrema-direita ou direita populista têm apelo em países com boa situação económica e social como a Áustria ou a Suíça).
Os eleitores da AfD “sentem que perderam o controlo da sua vida, e que a Alemanha está a perder o controlo”, resume Richard Hilmar.
“Sentem que não são ouvidos e que a sua vida é decidida de um modo em que não participam.”
Força no Leste
A votação da AfD no Leste, nos estados-federados da antiga República Democrática Alemã, foi ainda muito maior do que no Ocidente.
Vários factores explicam esta diferença: o Leste foi muito menos exposto a imigração durante a altura da ex-RDA e o sistema comunista desencorajava o debate social; muitos alemães de Leste sentiram-se perdidos quando o seu país desapareceu e se juntaram à República Federal, contribuindo para o desejo de manutenção de uma identidade; muitos cargos importantes em instituições políticas ou empresas no Leste foram ocupados por alemães ocidentais, algo que é ainda apontado como causa de ressentimento.
Como lidar com a AfD?
O modo como os partidos e os media lidaram com a AfD também contribuiu para o seu sucesso, alimentando a ideia de que são injustamente excluídos e vítimas de preconceitos.
A cobertura mediática de polémicas só lhes trouxe mais publicidade, totalmente desproporcional ao seu peso.
No seu discurso na noite eleitoral, Merkel disse que quer ganhar os eleitores da AfD, ouvir as suas preocupações e lidar com os seus medos mas, sublinhou, atrás de boas soluções políticas.
A entrada do partido no Parlamento, ainda por cima com esta força, vai trazer-lhes “níveis de financiamento, influência, e visibilidade com que os anteriores partidos de extrema-direita nunca sonharam ter”, diz Joerg Forbrig.
Notícia corrigida às 13h50: Frauke Petry não vai sair da AfD, como se referiu antes. Recusou ser deputada pelo partido e vai ser deputada independente.
A cobertura mediática de polémicas só lhes trouxe mais publicidade, totalmente desproporcional ao seu peso.
No seu discurso na noite eleitoral, Merkel disse que quer ganhar os eleitores da AfD, ouvir as suas preocupações e lidar com os seus medos mas, sublinhou, atrás de boas soluções políticas.
A entrada do partido no Parlamento, ainda por cima com esta força, vai trazer-lhes “níveis de financiamento, influência, e visibilidade com que os anteriores partidos de extrema-direita nunca sonharam ter”, diz Joerg Forbrig.
maria.joao.guimaraes@publico.pt
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