09:00 Quarta feira, 31 de dezembro de 2014
Em Portugal e no estrangeiro, a situação continua difícil. Com a recuperação económica ainda tremida, o terrorismo a assumir formas cada vez mais sinistras, e certas evoluções civilizacionais e de saúde a retroceder, 2014 não foi um ano simpático. O seu sucessor poderá não ser muito melhor. O Expresso recorda algumas das principais questões em aberto.
José Sócrates continuará preso?
A curto prazo, é isso que muitos portugueses, críticos ou partidários dele, querem saber.
A médio prazo, ver se a procuradoria conseguirá substanciar as acusações graves que lhe faz é a questão chave.
Pesem as alegadas informações diariamente publicadas sobre o processo, ainda falta compreender se existem provas do crime de corrupção, tal como a lei as exige.
Desse crime depende um outro, o de branqueamento de capitais.
Se nenhum dos dois ficar provado restam os crimes fiscais, cuja prova também ainda falta surgir absolutamente líquida nas fugas de informação.
Tema à parte, mas inevitável, é o das implicações políticas desse processo durante o ano eleitoral.
Porém, as eleições parlamentares não se deverão decidir em função disso, e sim do julgamento que os portugueses fizerem das políticas seguidas pelo governo.
Noutro país onde também haverá eleições em 2015, onde um governo de centro-direita também aplicou austeridade severa e onde os argumentos e contra-argumentos soam muitas vezes como um reflexo dos nossos - apesar das enormes diferenças entre esse país, o Reino Unido, e Portugal - também tudo se mantém em aberto, com a oposição à frente nas sondagens mas longe de garantir a desejada maioria absoluta.
Como aqui.
Noutro grande escândalo português do ano, o do BES, que teve efeitos danosos para a economia nacional, para o prestígio da nossa banca, e para milhares de pessoas diretamente afetadas, ainda não existem réus presos.
O 'ainda' é relativo, dada uma convicção não generalizada, mas crescente, de que isso só muito dificilmente acontecerá, e que as responsabilidades maiores poderão ficar por cobrar. As recentes audiências parlamentares não foram encorajadoras a esse respeito.
O recente arquivamento do processo dos submarinos também suscita dúvidas legítimas sobre a capacidade da nossa justiça para lidar com casos realmente grandes.
O facto de aí haver altos responsáveis que permanecem no poder talvez não seja um fator, mas dessa impressão desagradável a justiça já não se livra.
Cabe-lhe provar que é imparcial e que não ataca apenas os alvos fáceis, ou políticos contra os quais ela própria tem um 'animus' evidente (a julgar por declarações de representantes seus).
Se o preço do petróleo continuar baixo (e isto é uma das incógnitas fulcrais de 2015, pelas implicações que terá no ritmo da recuperação mundial), a economia da Rússia continuará a degradar-se, com a depreciação do rublo a encolher as poupanças dos cidadãos e a fazer subir em flecha os preços de muitos bens.
Por enquanto isso não afeta a popularidade de Putin - que atingiu 80 por cento após a anexação da Crimeia - mas é provável que a situação mude ao longo do ano.
Afinal, ele tornou-se popular originalmente por ser o líder que fez os ordenados e as pensões subirem de valor e serem pagos a horas, após o caos dos anos Yeltsin.
Na altura, a subida do preço do petróleo foi um elemento decisivo.
Com o efeito a inverter-se, resta-lhe reforçar os mecanismos repressivos (Alexey Navalny, o principal némesis de Putin, acusado de corrupção, num de vários processos claramente políticos que têm atingido os opositores do presidente, foi condenado ontem com pena suspensa) e jogar a cartada nacionalista.
As sanções dos países ocidentais contra a Rússia, que agravam as dificuldades do país, servem-lhe aí de argumento.
Ceder não está na natureza do presidente, e talvez não pudesse fazê-lo mesmo que quisesse.
Conforme notam alguns comentadores, ele hostilizou demasiadas pessoas e tem demasiada gente poderosa a depender do sistema a que preside.
Basta ver o que se passa na Duma, o parlamento russo.
Um dos deputados mais pobres é proprietário de um château em França...
E há vários autocratas pelo mundo fora que aprovam o modo como o presidente russo faz frente à pressão dos Estados Unidos e de outros países para imporem o sistema democrático em países alheios.
O Estado Islâmico avança ou recua?
Provavelmente, as duas coisas.
Nas áreas onde é combatido pelos curdos com o auxílio de bombardeamento americano, ele deve perder terreno.
Mas não é plausível que caia de repente.
Controlando um território onde vivem oito milhões de pessoas e superior em área ao de alguns países europeus com dimensão média, com rendimentos oriundos de múltiplas fontes (petróleo, mas também doações, extorsão, resgates, o "imposto islâmico", etc) o EI é o grupo islamista mais rico de sempre, e continua a receber soldados oriundos de diversas partes do mundo.
Neste momento, já se instalou como governo em provinciais e cidades onde exerce as funções normais de qualquer administração pública, ao que consta com razoável eficácia, sobretudo no que respeita à segurança e aos apoios sociais.
As decapitações e outras atrocidades, que horrorizam muita gente, são filmadas com nível profissional e servem-lhe de propaganda junto dos recrutas que lhe interessam.
Os quais chegam às centenas diariamente, animados pelo entusiasmo de terem finalmente encontrado uma força capaz de responder às humilhações que, na perspetiva deles, o Ocidente há muito impõe aos muçulmanos.
Com um programa tão radical como irrealista, que visa uma limpeza étnico-religiosa mundial e cujas armas incluem crianças-soldado que têm aprendem a decapitar com bonecos (se forem pequenos) ou com soldados sírios reais (se tiverem mais de 16 anos), o Estado Islâmico continuará a ser uma das grandes preocupações do ano.
O recuo da democracia no mundo deverá continuar, em países tão diversos como o Egipto (com julgamentos de um dia onde se condenam à morte centenas de pessoas), a Turquia (onde o presidente Erdogan adquiriu o hábito de mandar prender opositores, jornalistas e até argumentistas de telenovela por alegadamente usarem os seus textos para enviar mensagens ocultas) e a China (onde Hong Kong já percebeu o que esperar da parte de Pequim).
Em África, as leis anti-gay cada vez mais serão parte do aparato repressivo, com a vantagem de permitirem associar as oposições a uma suposta influência nefanda do Ocidente.
E a crescente influência do extremismo religioso, entre outros problemas, continuará a dificultar as ações dos profissionais de saúde em zonas atingidas pela guerra ou por doenças.
Os ganhos no combate a flagelos como a poliomielite poderão retroceder em consequência da desconfiança em relação às vacinas.
E falando em vacinas, espera-se que não tarde a aparecer uma contra o ébola, o problema de saúde mais urgente no continente africano.
As perspetivas parecem boas.
Last but not least, 2015 será a rampa de lançamento das presidenciais americanas.
Com um terceiro Bush (Jeb) e a uma segunda Clinton (Hillary) a posicionarem-se, o sensação de dejá vu é inescapável.
Mas ainda vai haver bastantes novidades num ano em que quaisquer potenciais candidatos, se quiserem concorrer, já não podem esperar mais para lançar a campanha. Certo é que Obama, com uns escassos dois anos para firmar o seu legado na História, vai querer ser mais afirmativo do que até aqui na defesa de algumas políticas, mas também estará mais limitado do que nunca por um Congresso agora inteiramente de maioria republicana.
Dado o peso que o seu país tem no mundo, é fatal que o mundo siga com fascínio essas evoluções.
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