Terreno da Estrada da Graça, em Setúbal DR
José António Cerejo - 04/12/2'014 - 06:57
A parte da herança que mais rendeu à mãe e aos tios de Sócrates foram os terrenos que o Estado lhes expropriou em 1998.
Os terrenos e o armazém herdados pela mãe e pelos tios de José Sócrates na Escarpa de São Nicolau e na vizinha Estrada da Graça, em Setúbal, foram expropriados pelo Estado, em 1998, por um valor substancialmente superior ao que foi pago aos restantes expropriados.
Sócrates era nessa altura ministro-adjunto do primeiro-ministro António Guterres, mas a negociação não passou por qualquer serviço por ele tutelado.
Remonta a 1976 a declaração de utilidade pública, para efeitos de expropriação, de uma vasta área da cidade de Setúbal destinada à construção de habitação social pelo então Fundo de Fomento da Habitação.
Nessa área estavam incluídos os terrenos e o armazém da família de Maria Adelaide e dos dois irmãos vivos.
Os terrenos, com uma área de 17.438 m2, ocupavam uma escarpa íngreme e tinham um valor reduzido, devido às poucas condições que ofereciam para a construção de edifícios. O armazém, com 600 m2, situava-se no sopé da escarpa, numa zona de antigas fábricas de conservas, junto ao porto, e estava há muitos anos arrendado ao Entreposto (comercialização de automóveis).
A construção de habitação social nunca foi por diante na maior parte dos 300 hectares declarados de utilidade pública e em 1993 o Governo desistiu mesmo da expropriação de 72 parcelas.
Não foi isso que sucedeu às dos irmãos Monteiro, nem a uma dezena de outras que ali foram expropriadas entre 1994 e 1998.
No caso da família de Sócrates, os terrenos da escarpa foram destinados pelo antigo Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE), que tratou da expropriação, à consolidação da encosta, ao seu arranjo paisagístico e à passagem de uma estrada.
Estas obras vieram ser feitas já no ano 2000.
Ao armazém onde se encontrava o Entreposto, porém, não foi dada qualquer utilização, sendo depois demolido e estando ainda hoje o local completamente abandonado.
Em todo esse troço ribeirinho da Estrada da Graça só uma outra parcela entre os muitos armazéns ali existentes, contígua à da família Monteiro, foi expropriada pelo IGAPHE.
Os 17.438 m2 da encosta renderam à família, após negociação, 219.760 contos (cerca de 1,1 milhões de euros).
Uma avaliação feita pelo próprio IGAPHE em 1991 atribuíra-lhes o valor de 45.300 contos (pouco mais de um quinto do que foi pago).
E uma outra parcela ali expropriada em 1994, com 13 mil m2, foi paga por 42.600 contos, sendo a avaliação de 1991 de 60 mil contos.
Quanto aos 600 m2 do armazém da Estrada da Graça, o IGAPHE pagou aos irmãos Monteiro 78.300 contos (391.500 euros), contra os 18 mil que tinham sido estimados em 1991.
Já a parcela contígua, expropriada quatro anos antes, tinha 180 m2, nos quais havia habitações com uma área total de 282 m2 (uma das casas tinha dois pisos) e rendeu aos donos 9.800 contos.
A avaliação de 1991 atribuíra-lhe 5.400 contos.
Em 2009 o PÚBLICO dirigiu numerosas perguntas ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, herdeiro do IGAPHE, acerca dos critérios usados nestas expropriações, mas foi sempre remetido para os documentos que o instituto possuía em arquivo e que não esclareciam o caso.
Nessa altura, um dos vogais da direcção do IGAPHE à data da expropriação, Teixeira Monteiro, que detinha o pelouro dos terrenos, disse ao PÚBLICO não se recordar dos pormenores do negócio, mas garantiu que nunca teve conhecimento de que parte das parcelas fossem da família de um membro do Governo.
Também o então responsável pela área das expropriações, António Camarinha, assegurou em 2009 que nunca sofreu qualquer pressão nesse ou noutros processos e que os irmãos Monteiro nunca lhe disseram que eram familiares de José Sócrates.
A expropriação do armazém da Estrada da Graça veio mais tarde a ter um enorme custo adicional para o erário público, além do 391.500 euros pagos aos proprietários: O Supremo Tribunal de Justiça obrigou o IGAPHE a pagar uma indemnização de 1,4 milhões de euros ao Entreposto, por ter obrigado a empresa a deixar as instalações de que era inquilina.
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