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quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

AS ESCOLHAS DO EXPRESSO EM 2014 - Figura Nacional CARLOS ALEXANDRE


Texto  MICAEL PEREIRA
Vídeo JOANA BELEZA 
Foto   ANTÓNIO PEDRO FERREIRA
FIGURA NACIONAL
CARLOS ALEXANDRE

            Um juiz determinado a limpar o regime
Já era muito conhecido pelos portugueses, mas a atuação de Carlos Alexandre à frente do Tribunal Central 
de Instrução Criminal nunca foi tão forte como em 2014: surpreendeu o país ao mandar deter Sócrates e Salgado

Vem do povo e o povo, de certa forma, está sempre com ele. 
Muitas vezes, na sala de interrogatórios, refere-se a si próprio como um “humilde aldeão”. Parece fazê-lo como uma provocação. 
Carlos Manuel Lopes Alexandre, de 52 anos, já era bastante conhecido pelos portugueses, mas 2014 confirmou-o como o juiz mais temido do país. 
Em julho assinou um mandado de detenção do banqueiro Ricardo Salgado e em novembro fez o mesmo com José Sócrates. 
Foram dois pontos altos num ano cheio de ação para aquele que, até setembro, era o único juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal.

A detenção de Sócrates, sobretudo essa, foi uma das notícias mais surpreendentes do ano. O Ministério Público não fora capaz, em 2010, de fazer perguntas ao então primeiro-ministro por causa de um processo de corrupção, o ‘Freeport’, e agora um juiz mandava-o deter? 
Mais: depois de manter um interrogatório de longas horas ao ex-primeiro-ministro — onde nunca tratou o arguido por José Sócrates, mas por senhor José Pinto de Sousa —, Carlos Alexandre colocou-o em prisão preventiva. 
Nenhum juiz até hoje enviara um ex-chefe de governo para trás das grades.

É um homem que desconfia do poder. 
Tem dificuldade em acreditar no que lhe dizem os políticos, empresários e gestores de topo que costumam sentar-se à sua frente. 
É, por outro lado, um homem religioso e encara os seus laços com a religião como um modo de restabelecer energias para as dificuldades do seu trabalho. 
“Gosto de ir a Fátima. 
Isso não me diminui. 
Penso que me fortalece”, dizia há dois anos num vídeo amador filmado por um amigo, antigo assessor do PS, António Colaço, nas ruas de Mação, quando participava numa celebração da Páscoa. 
Filho de um carteiro e de uma operária da indústria de lãs, cultiva a ligação à terra natal, onde costuma ir com frequência. 
“Nunca perdi o contacto com a minha origem e é nesta origem que quero manter os meus pés bem assentes no chão”, confessava nesse vídeo.

Na sala de interrogatório, é dominador. 
Ouve as escutas com atenção, quando elas existem, estuda bem os autos e gosta depois de fazer perguntas. 
Como há muita coisa a passar-lhe pelas mãos e o país é pequeno, tem um conhecimento cruzado e profundo sobre os calcanhares de Aquiles do regime. 
Uns acham-no clarividente e despachado, outros pensam que é tendencioso e persecutório. 
O Ministério Público, responsável pelas investigações e acusações contra algumas figuras do regime, tende a gostar dele, enquanto os advogados, pagos para defenderem suspeitos e acusados, costumam criticá-lo pelo modo como muitas vezes parece colocar-se do lado dos procuradores.


“É combativo e consegue associar a grande experiência que tem à capacidade de aplicar o Direito a cada situação em concreto”, elogia Maria José Morgado, diretora do DIAP (Departamento de Investigação e Ação Penal) de Lisboa. 
“É um trabalhador sem limites e um homem muito competente, que compreende todas as circunstâncias com que se cruza, sabendo interpretá-las com correção”, reconhece o advogado Nuno Godinho de Matos. 
“Mas procura suportar as teses e as posições do Ministério Público. 
Seria um grande diretor da Polícia Judiciária. 
Acho que essa é a sua vocação”.

AS OBRAS DO MAI E OS VISTOS GOLD
O que ninguém lhe nega é a coragem e a dedicação ao trabalho. 
E, nisso, o ano de Carlos Alexandre foi muito produtivo.

Em abril, ouviu em interrogatório João Alberto Correia e decretou-lhe prisão preventiva. 
O diretor-geral de Equipamentos e Infraestruturas (DGEI) do Ministério da Administração Interna, responsável pelas obras em esquadras e quartéis, tinha deixado já o cargo mas era ainda uma pessoa influente, filho de um ministro socialista do bloco central, nos anos 80. 
Foi indiciado por corrupção e participação económica em negócio e, alegadamente, estará envolvido num esquema em que beneficiava com contratos de ajuste direto membros de uma organização de que também faz parte: a maçonaria.

Já em novembro, mandou deter o presidente do Instituto dos Registos e Notariado (IRN), António Figueiredo, e o diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Manuel Jarmela Palos, em mais um momento inédito para a justiça em Portugal. 
Foi a primeira vez que isso aconteceu com o diretor de uma polícia. 
Jarmela Palos, após uns dias de prisão preventiva, acabaria por ficar em casa com pulseira eletrónica, mas Figueiredo não foi poupado e está ainda em prisão preventiva, apontado como o responsável de um esquema para facilitar a atribuição de vistos gold a cidadãos chineses, envolvendo crimes de corrupção, prevaricação, peculato, abuso de poder e tráfico de influências.

Para compreender o protagonismo de Carlos Alexandre é preciso conhecer a história do Ticão, como o TCIC foi batizado no meio. 
O tribunal surgiu em 1999 para funcionar a par e passo com o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), criado na mesma altura na dependência direta do procurador-geral da República e dedicado exclusivamente a casos complexos. 
Como o espectro de processos-crime se limitava ao que era investigado naquele departamento, foi considerado como suficiente um único juiz para lidar com tudo. 
Carlos Alexandre viria a ser o terceiro magistrado a ocupar o lugar, a seguir a Fátima Mata-Mouros e Ivo Rosa. 
Começou como juiz-auxiliar de Mata-Mouros, em 2004, e dois anos depois estava à frente do tribunal, quando o ritmo de trabalho exigido pelo DCIAP estava a aumentar. 
Esse ritmo tem vindo sempre em crescendo. 
E tem contribuído para o reforço do papel do juiz.

Carlos Alexandre podia já ter feito o que era esperado para um juiz preocupado com a carreira: passar a desembargador, mudando-se para o Tribunal da Relação, com um salário maior. 
Em vez disso, concorreu este ano para continuar no Ticão. 
Foi o mais bem classificado. 
O que prova que não quer ir para nenhum outro sítio. 
E que, na verdade, está para durar.

Pendentes, Urgentes, Afligentes: dossiers que 2014 não resolveu (e agora entrega a 2015)

Luís M. Faria |
09:00 Quarta feira, 31 de dezembro de 2014
Em Portugal e no estrangeiro, a situação continua difícil. Com a recuperação económica ainda tremida, o terrorismo a assumir formas cada vez mais sinistras, e certas evoluções civilizacionais e de saúde a retroceder, 2014 não foi um ano simpático. O seu sucessor poderá não ser muito melhor. O Expresso recorda algumas das principais questões em aberto.

José Sócrates continuará preso? 
A curto prazo, é isso que muitos portugueses, críticos ou partidários dele, querem saber. 
A médio prazo, ver se a procuradoria conseguirá substanciar as acusações graves que lhe faz é a questão chave. 
Pesem as alegadas informações diariamente publicadas sobre o processo, ainda falta compreender se existem provas do crime de corrupção, tal como a lei as exige. 
Desse crime depende um outro, o de branqueamento de capitais. 
Se nenhum dos dois ficar provado restam os crimes fiscais, cuja prova também ainda falta surgir absolutamente líquida nas fugas de informação.


Tema à parte, mas inevitável, é o das implicações políticas desse processo durante o ano eleitoral.
Porém, as eleições parlamentares não se deverão decidir em função disso, e sim do julgamento que os portugueses fizerem das políticas seguidas pelo governo. 
Noutro país onde também haverá eleições em 2015, onde um governo de centro-direita também aplicou austeridade severa e onde os argumentos e contra-argumentos soam muitas vezes como um reflexo dos nossos - apesar das enormes diferenças entre esse país, o Reino Unido, e Portugal - também tudo se mantém em aberto, com a oposição à frente nas sondagens mas longe de garantir a desejada maioria absoluta. 
Como aqui.


Noutro grande escândalo português do ano, o do BES, que teve efeitos danosos para a economia nacional, para o prestígio da nossa banca, e para milhares de pessoas diretamente afetadas, ainda não existem réus presos. 
O 'ainda' é relativo, dada uma convicção não generalizada, mas crescente, de que isso só muito dificilmente acontecerá, e que as responsabilidades maiores poderão ficar por cobrar. As recentes audiências parlamentares não foram encorajadoras a esse respeito.
O recente arquivamento do processo dos submarinos também suscita dúvidas legítimas sobre a capacidade da nossa justiça para lidar com casos realmente grandes. 
O facto de aí haver altos responsáveis que permanecem no poder talvez não seja um fator, mas dessa impressão desagradável a justiça já não se livra. 
Cabe-lhe provar que é imparcial e que não ataca apenas os alvos fáceis, ou políticos contra os quais ela própria tem um 'animus' evidente (a julgar por declarações de representantes seus).


Se o preço do petróleo continuar baixo (e isto é uma das incógnitas fulcrais de 2015, pelas implicações que terá no ritmo da recuperação mundial), a economia da Rússia continuará a degradar-se, com a depreciação do rublo a encolher as poupanças dos cidadãos e a fazer subir em flecha os preços de muitos bens. 
Por enquanto isso não afeta a popularidade de Putin - que atingiu 80 por cento após a anexação da Crimeia - mas é provável que a situação mude ao longo do ano.

Afinal, ele tornou-se popular originalmente por ser o líder que fez os ordenados e as pensões subirem de valor e serem pagos a horas, após o caos dos anos Yeltsin. 
Na altura, a subida do preço do petróleo foi um elemento decisivo. 
Com o efeito a inverter-se, resta-lhe reforçar os mecanismos repressivos (Alexey Navalny, o principal némesis de Putin, acusado de corrupção, num de vários processos claramente políticos que têm atingido os opositores do presidente, foi condenado ontem com pena suspensa) e jogar a cartada nacionalista. 
As sanções dos países ocidentais contra a Rússia, que agravam as dificuldades do país, servem-lhe aí de argumento.

Ceder não está na natureza do presidente, e talvez não pudesse fazê-lo mesmo que quisesse. 
Conforme notam alguns comentadores, ele hostilizou demasiadas pessoas e tem demasiada gente poderosa a depender do sistema a que preside. 
Basta ver o que se passa na Duma, o parlamento russo. 
Um dos deputados mais pobres é proprietário de um château em França... 
E há vários autocratas pelo mundo fora que aprovam o modo como o presidente russo faz frente à pressão dos Estados Unidos e de outros países para imporem o sistema democrático em países alheios.


O Estado Islâmico avança ou recua? 
Provavelmente, as duas coisas. 
Nas áreas onde é combatido pelos curdos com o auxílio de bombardeamento americano, ele deve perder terreno. 
Mas não é plausível que caia de repente. 
Controlando um território onde vivem oito milhões de pessoas e superior em área ao de alguns países europeus com dimensão média, com rendimentos oriundos de múltiplas fontes (petróleo, mas também doações, extorsão, resgates, o "imposto islâmico", etc) o EI é o grupo islamista mais rico de sempre, e continua a receber soldados oriundos de diversas partes do mundo. 
Neste momento, já se instalou como governo em provinciais e cidades onde exerce as funções normais de qualquer administração pública, ao que consta com razoável eficácia, sobretudo no que respeita à segurança e aos apoios sociais.

As decapitações e outras atrocidades, que horrorizam muita gente, são filmadas com nível profissional e servem-lhe de propaganda junto dos recrutas que lhe interessam. 
Os quais chegam às centenas diariamente, animados pelo entusiasmo de terem finalmente encontrado uma força capaz de responder às humilhações que, na perspetiva deles, o Ocidente há muito impõe aos muçulmanos. 
Com um programa tão radical como irrealista, que visa uma limpeza étnico-religiosa mundial e cujas armas incluem crianças-soldado que têm aprendem a decapitar com bonecos (se forem pequenos) ou com soldados sírios reais (se tiverem mais de 16 anos), o Estado Islâmico continuará a ser uma das grandes preocupações do ano.


O recuo da democracia no mundo deverá continuar, em países tão diversos como o Egipto (com julgamentos de um dia onde se condenam à morte centenas de pessoas), a Turquia (onde o presidente Erdogan adquiriu o hábito de mandar prender opositores, jornalistas e até argumentistas de telenovela por alegadamente usarem os seus textos para enviar mensagens ocultas) e a China (onde Hong Kong já percebeu o que esperar da parte de Pequim).

Em África, as leis anti-gay cada vez mais serão parte do aparato repressivo, com a vantagem de permitirem associar as oposições a uma suposta influência nefanda do Ocidente. 
E a crescente influência do extremismo religioso, entre outros problemas, continuará a dificultar as ações dos profissionais de saúde em zonas atingidas pela guerra ou por doenças. 
Os ganhos no combate a flagelos como a poliomielite poderão retroceder em consequência da desconfiança em relação às vacinas. 
E falando em vacinas, espera-se que não tarde a aparecer uma contra o ébola, o problema de saúde mais urgente no continente africano. 
As perspetivas parecem boas.


Last but not least, 2015 será a rampa de lançamento das presidenciais americanas. 
Com um terceiro Bush (Jeb) e a uma segunda Clinton (Hillary) a posicionarem-se, o sensação de dejá vu é inescapável. 
Mas ainda vai haver bastantes novidades num ano em que quaisquer potenciais candidatos, se quiserem concorrer, já não podem esperar mais para lançar a campanha. Certo é que Obama, com uns escassos dois anos para firmar o seu legado na História, vai querer ser mais afirmativo do que até aqui na defesa de algumas políticas, mas também estará mais limitado do que nunca por um Congresso agora inteiramente de maioria republicana. 
Dado o peso que o seu país tem no mundo, é fatal que o mundo siga com fascínio essas evoluções. 

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Grécia vai enfrentar eleições antecipadas a 25 de Janeiro

NUNO PAIXÃO LOURO
29 DE DEZEMBRO DE 2014
Faltam 12 votos ao candidato a Presidente apoiado pelo primeiro-ministro Samaras. Resultado: dissolução do Parlamento e eleições antecipadas

A Grécia vai enfrentar eleições antecipadas no final de Janeiro, depois do primeiro-ministro, Antonis Samaras, ter sido derrotado na terceira e última tentativa de convencer o Parlamento de apoiar o seu candidato a chefe de Estado.

O candidato apresentado pelo Governo, o ex-comissário europeu e várias vezes ministro grego Stavros Dimas, obteve o voto favorável de 168 dos 300 deputados, menos 12 do que os 180 necessários para ser eleito.

Nos termos da Constituição, o parlamento grego será dissolvido nos próximos dez dias e serão convocadas eleições legislativas antecipadas. Samaras disse: "Amanhã (terça-feira, dia 30), vou pedir ao actual Presidente a dissolução do Parlamento e a realização de legislativas antecipadas a 25 de Janeiro."

Quem se vangloriou pela derrota de Samaras foi o líder da oposição, Alexis Tsipras, que saudou o resultado da votação para Presidente afirmando que ela queria dizer o fim dos programas de resgate vinculados à austeridade: "Hoje é um dia histórico para a democracia grega. Com a vontade do nosso povo, em poucos dias os resgates vinculados à austeridade também serão coisa do passado. O futuro já começou."


A Bolsa de Atenas reagiu de imediato e caiu mais de 10 pontos.

ELEIÇÕES: É oficial. Grécia vai mesmo a votos

SYRIZA:  Alwexis Tsipras, líder do partido que segue à frente nas sondagens, à entrada para o Paralamento
PANAGIOTOU/EPA
29 de dezembro de 2014
Os deputados voltaram a rejeitar o candidato a Presidente da coligação governamental na terceira e última ronda. Seguem-se eleições antecipadas, com o partido de esquerda radical Syriza à frente nas sondagens.

Os números voltaram a ser os mesmos de há uma semana: 168-132.
Ou seja, foram apenas 168 os deputados a aprovar Stavros Dimas, o ex-comissário europeu e candidato a Presidente proposto pelo Governo da Nova Democracia (ND), em vez dos 180 necessários, o que levará o país a eleições antecipadas.

Segundo a lei grega, o Parlamento deve agora ser dissolvido e novas eleições convocadas no prazo de 10 dias.
As datas mais prováveis são as de 23 de janeiro ou 1 de fevereiro, com a “Associated Press” a avançar que o primeiro-ministro Antonis Samaras optou pela primeira data.

O correspondente do “Daily Telegraph” em Bruxelas, Bruno Waterfield, realça na sua conta de Twitter que os líderes da União Europeia têm uma reunião marcada para 12 de fevereiro e um encontro do Eurogrupo está agendado para dia 16 desse mês.
O programa de ajustamento grego termina no fim de fevereiro, o que significa que o novo Governo terá muito pouco tempo para preparar essa situação e discutir a entrada ou não do país num programa cautelar ou noutro tipo de apoio.

Samaras, da ND, tem assim uma tarefa complicada pela frente.
Ao contrário do que esperava, o seu candidato não foi aprovado pelo Parlamento e o seu partido terá de ir a eleições legislativas.

À frente nas sondagens está o Syriza, partido de esquerda anti-austeridade que defende a renegociação da dívida, com 3,3% de avanço - embora a vantagem de que dispõe já tenha sido maior.
À saída do Parlamento, o líder do Syriza Alexis Tsipras classificou o dia desta votação como "histórico" e declarou que "o futuro já começou" para os gregos.

A possibilidade de eleições já tinha feito os juros da dívida grega disparar.
A bolsa de Atenas desceu depois de ser conhecido o resultado da votação.
Na sequência deste anúncio de eleições antecipadas, o Fundo Monetário Internacional (FMI) declarou que irá suspender a ajuda financeira à Grécia até estar formado um novo Governo.
“Negociações com as autoridades gregas sobre a sexta tranche do programa de ajuda só vão ser concluídas após a tomada de posse do novo Governo”, disse em Washington o porta-voz do FMI, Gerry Rice.

PROTESTOS. O Outono que abalou a Hungria

DESCONTENTAMENTO: Uma das últimas manifestações, a 15 de dezembro, em frente do Parlamento Húngaro
Texto: CÁTIA BRUNO
29 DE DEZEMBRO DE 2014
A contestação inédita nas ruas de Budapeste deixou o primeiro-ministro Viktor Órban numa posição onde nunca esteve. O Expresso falou com uma das organizadoras dos protestos que têm ocorrido para perceber o ambiente que se vive na Hungria de hoje.

Emma Krasznahorkai estava muito nervosa quando subiu ao palco naquela terça-feira, dia 16 de dezembro. A ativista do grupo “Não nos calaremos!” não gosta de falar em público, mas, como é uma das poucas mulheres do movimento, sentiu a obrigação de se dirigir à multidão ali reunida na praça Kossuth, em frente ao Parlamento, dizendo-lhes que deviam exigir um novo Governo.
“Depois senti-me muito feliz.
E senti-me orgulhosa, porque as pessoas também estavam orgulhosas de mim”, recorda Emma ao Expresso. “Mas não quero voltar a fazer um discurso!”
O nervosismo de Emma não surpreende.
Afinal, a estudante universitária húngara tem apenas 20 anos.
Apesar disso, Emma desenvolveu desde cedo uma consciência política.
Aos 17 anos já fazia parte da Amnistia Internacional húngara e aos 18 foi detida pela primeira vez, na sequência de um protesto de estudantes que organizou devido a alterações nas universidades.
“A 11 de março de 2012 sentámo-nos em frente ao Parlamento.
Foi uma ação de desobediência civil e éramos na maioria estudantes entre os 14 e os 20 anos”, conta-nos. A estudante recorda-se de estar sentada na cela, depois do protesto, “a pensar na vida.”
Desde aí, não parou de se envolver em várias ações políticas.
Não é por isso de admirar que esteja ligada à onda de protestos que tem varrido a Hungria desde outubro. Tudo começou no dia 28 desse mês, quando mais de 100 mil pessoas se juntaram em Budapeste para exigir o cancelamento de uma taxa sobre o uso da internet que o Governo de Viktor Órban queria introduzir.
A reação em massa duma população geralmente pouco ativa politicamente foi uma surpresa para o regime, que acabou por recuar em toda a linha na medida.



Os húngaros parecem ter-lhe tomado o gosto.
Desde então, várias manifestações têm-se sucedido, embora nunca com a mesma dimensão da primeira, atraindo entre 2 mil a 10 mil pessoas por noite.
Protestos contra a corrupção, manifestações pela liberdade de expressão, marchas de funcionário públicos contra os cortes do Orçamento de Estado são alguns dos exemplos de que juntaram pessoas de todas as idades na rua, os mais jovens transportando bandeiras da União Europeia.
“Acho que as manifestações contra o imposto sobre a internet deram um sentido político e de democracia às pessoas”, considera Emma.
“Acho que é uma espécie de acordar, uma nova revolução”.

CONSEQUÊNCIAS SÓ A LONGO PRAZO
“É muito atípico na Hungria as pessoas saírem à rua como aconteceu depois de proposta da taxa da internet”, diz ao Expresso a analista política de Budapeste Júlia Lakatos.
“Apesar de não serem representativas da sociedade como um todo, mostram que há um segmento da sociedade que nem o Governo nem a oposição de esquerda liberal conseguem mobilizar e que está a começar a levantar a sua voz contra o Governo”.
Os números não enganam: uma sondagem de 11 de dezembro revela que a popularidade do Fidesz, o partido actualmente no poder, desceu de 38% para 26% desde que as manifestações começaram.
No entanto, Emma admite que, apesar da multidão presente nas manifestações ser heterogénea e difícil de classificar, é certo que não abrange todos e é geralmente composta por membros da classe média: “As classes mais pobres estão a morrer à fome, não querem saber da internet (ou porque não têm eletricidade ou porque são analfabetas...), nem das questões de direitos humanos.
Por isso [os manifestantes] vêm geralmente da classe média, porque se sentem a escorregar e a ficar cada vez mais pobres.
O ambiente é de raiva.
As pessoas estão zangadas.”
Também os jovens não têm a força que poderiam ter.
Muitos estão fora do país, emigrados à procura de condições de vida melhores.
Outros são atraídos pelas ideologias mais radicais como a do Jobbik, o partido nacionalista de extrema-direita em franco crescimento, que assume uma retórica contra a imigração, as minorias e a Europa.
A estudante destaca ainda que alguns estão afastados da política, razão pela qual o “Não nos calaremos!” procura cativar jovens como ela e envolvê-los na recente contestação.
REGIME: Viktor Órban, o primeiro-ministro hungaro, já disse defender o estilo das "democracias iliberais"

Essa promete continuar - há inclusive uma nova manifestação marcada para dia 2 de Janeiro.
Mas, apesar de tudo, é pouco provável que a mudança nas ruas se traduza no Parlamento.
Não só o Fidesz tem legitimidade para terminar o mandato, depois de ter ganho a reeleição com 45% dos votos e conquistado dois terços da Assembleia nas eleições de abril (tendo também vencido as últimas autárquicas e europeias), como a oposição não consegue unir-se e mobilizar os húngaros.
O único partido que tem crescido nos últimos anos é o Jobbik, a quem muitas vezes o Fidesz se cola, que atrai o voto de muitos descontentes, mas assusta outros tantos.
Os restantes partidos não têm conseguido criar uma alternativa viável ao Governo de Órban, que parece ir continuar de pedra e cal no poder.
Emma e os restantes ativistas que a acompanham sabem-no, mas nem por isso baixam os braços: “Queremos criar um movimento e mais tarde, talvez daqui a alguns anos, alguns partidos diferentes surjam daqui”, conta a jovem estudante.
“Precisamos de uma nova oposição!
Essa é a questão mais importante.”
Lakatos reforça a ideia de que o movimento trará frutos no futuro: “Embora isto provavelmente não traga uma mudança de Governo, a seu tempo o grupo pode crescer para algo mais do que um movimento sem rosto e formar uma alternativa aos partidos da oposição que existem atualmente.”
A pergunta que fica é: quantos anos estarão os húngaros dispostos a esperar?

MERCADOS - Os bons, os maus e os chineses

CRISE  Se a bolsa correu mal em Portugal, na Rússia nem se fala. 
Putin tem a crise do rublo e a descida do preço do petróleo a ameaçar a sua governação
Texto: ELISABETE TAVARES
Crimes, vilões, vinganças. Recordes, heróis, euforia. 2014 fica na história dos mercados. Para o bem e para o mal. Ah, e depois há os chineses

Há anos assim.
Em 2014 não faltou nos mercados emoção, drama, tragédia e terror, crime e justiça.
Tanto no exterior como em Portugal, foram 12 meses marcados por eventos históricos e alguns recordes. A Bolsa portuguesa teve um dos piores anos de sempre.
O BES protagonizou uma das mais dramáticas e súbitas falências da história.
E Alibaba invadiu Nova Iorque.
E agora, tal como no famoso jogo Minecraft (cujo dono foi este ano comprado pela Microsoft), os investidores prepara-se para criar um novo mundo.
As condições mudaram.
O preço do petróleo, instabilidade política e a atuação dos bancos centrais vão ditar as regras.

FEBRE ALIBABA
No dia 18 de setembro, a chinesa Alibaba completou a sua oferta pública inicial.
A estreia na Bolsa de Nova Iorque tornou-se histórica.
É o maior IPO (Initial Public Offer) de sempre, ultrapassando o do Agricultural Bank of China em julho de 2010.
O negócio atingiu os 21,4 mil milhões de dólares (17,5 mil milhões de euros).
Com a venda adicional de ações, além das que estavam previstas, o valor de encaixe atingiu os 25 mil milhões de dólares (19,6 mil milhões de euros).
Não surpreende.
O ano de 2014 está a registar uma explosão de IPO.
Os bancos têm estado ocupados.
Praticamente todas as semanas há algum IPO de destaque a acontecer na Europa ou nos Estados Unidos. Mas não são as empresas europeias ou norte-americanas que lideram as emissões.
Pela primeira vez desde 2011, os chineses lideram nos IPO com 45,7 mil milhões de dólares de valor encaixado (37,4 mil milhões de euros), face aos 6,4 mil milhões de dólares (5,2 mil milhões de euros) registados em 2013 por esta altura, segundo dados da Dealogic.
No total, as receitas obtidas em estreias em Bolsa em 2014 foram as mais elevadas desde 2007: 7,1 mil milhões de dólares (5,8 mil milhões de euros), mais 23% do que em 2013, de acordo com a Dealogic.
Os Estados Unidos lideram.
Seguidos da China.
O Morgan Stanley lidera o ranking dos assessores de IPOs com uma quota de 8,5% do mercado, seguido da Goldman Sacks e o JP Morgan.

Em geral, 2014 foi o ano mais agitado desde 2007 em estreias em bolsa e emissão de novas ações com as empresas a realizar operações de 865 mil milhões de dólares (708 mil milhões de euros), segundo dados da Thomson Reuters.
Só em ofertas públicas iniciais as empresas arrecadaram (204 mil milhões de euros) em todo o mundo. Com as taxas de juros em mínimos, as empresas aproveitaram para atrair a atenção dos investidores ávidos de retornos mais elevados.
As colocações em bolsa subiram 50% face a 2013.



LOUCURA DE CASAMENTOS E COMPRAS
O volume de fusões e aquisições atingiu o máximo desde 2007: 3,2 biliões de dólares ou 2,6 biliões de euros (leu bem).
Mais 27% do que em 2013.
O setor da saúde é campeão seguido das telecoms e do imobiliário, segundo dados da Dealogic.
A oferta da Comcast pela Time Warner Cable foi a maior do ano (69,8 mil milhões de dólares) com conclusão prevista para janeiro de 2015.
O maior negócio concluído ainda em 2014 coube à compra da Forest Laboratories pela Actavis por 28,4 mil milhões de dólares.
A Goldman Sachs é a campeã no ranking de assessores financeiros com negócios de 933,3 mil milhões de dólares, seguida da Morgan Stanley e do JP Morgan.

DÍVIDA MANIA
Os juros da dívida soberana na Europa desceram a mínimos recorde.
Portugal lidera nas valorizações.
Os juros da dívida a 10 anos rondam os 2,7%.
O risco do país diminuiu com a saída de Portugal do programa de assistência financeira.
Apesar do caso BES.



BCE VS FED
Draghi foi um dos heróis do ano.
O presidente do BCE anunciou medidas históricas para estimular o crescimento económico na zona euro e combater a baixa inflação.
E em 2015 volta a estar na ribalta.
Espera-se que o banco central avance com compra de ativos.
Nos Estados Unidos, a Reserva Federal começou a preparar uma subida das taxas de juro que deverá acontecer em 2015, de forma lenta a gradual.



PETROCHOQUE
Os preços do petróleo estão em mínimos de cinco anos.
E há apostas que apontam que vão baixar ainda mais.
Para já o barril de Brent ronda os 60 dólares, menos 20 dólares do que há um mês atrás.
A Arábia Saudita diz que não corta produção para estabilizar os preços.
Pelo meio, várias economias exportadoras de petróleo correm o risco de implodir, incluindo a russa.



SEM SALVAÇÃO
Nesta altura, Ricardo Salgado deve sentir-se como na letra de Roads dos Portishead: “I got nobody on my side and surely that ain’t right”.
A comissão de inquérito ao caso vai apurando o que se passou no Grupo Espírito Santo e pelos testemunhos, tudo estava centralizado no ex-presidente-executivo do grupo.
Salgado foi considerado o pior CEO pela BBC.
Fazendo ‘rewind’, um dos maiores e mais emblemáticos grupos financeiros portugueses ruiu do dia para a noite.
O grupo escondia um mega buraco que envolve Angola, venda de produtos alegadamente fraudulentos aos clientes de retalho e contas em paraísos fiscais (além de alegadas ‘luvas’ relativas ao caso dos submarinos).
No dia 3 de agosto o governador do Banco de Portugal anunciou a decisão de dividir o BES num banco bom e num banco mau.
O BES desapareceu.
O banco e a Espírito Santo Financial Group deixaram o PSI-20, que ficou reduzido a 18 cotadas.
Pelo meio, investidores lesados preparam um mar de processos judiciais.
O que falhou?
Quem falhou?
Como foi possível?

TERROR EM LISBOA
Pior só a Rússia.
A Bolsa portuguesa teve em 2014 um dos piores anos de sempre.
O índice PSI-20 perde cerca de 23%.
Enquanto na dívida soberana Portugal está no topo das valorizações em 2014, no mercado acionista a situação é precisamente o inverso.
Cada tiro cada alvo.
Primeiro o BES, depois a PT.
A somar, veio o aumento de dívida da Mota-Engil e o adiamento da dispersão em Bolsa da subsidiária Mota-Engil África (que acabou por estrear em Amesterdão com uma queda estridente).
A Sonae Indústria ajudou ao enterro da imagem da Bolsa portuguesa no exterior com um mega aumento de capital que gerou uma dúzia de queixas no regulador CMVM.
“A cereja no topo do bolo”, dizem responsáveis de investimento, foi a prisão do ex-primeiro-ministro José Sócrates.
Vender Portugal no estrangeiro não está fácil.
Nem tudo foi mau.
Foram negociados em Lisboa mais 10 mil milhões de euros em ações do que em 2013.
O número de negócios foi recorde: 7,5 milhões de negócios (um aumento de 38) face a 2013); 128,1 mil milhões de ações negociadas (+122%), 38,2 mil milhões de euros movimentados (+33%).
A capitalização bolsista do índice principal caiu 10 mil milhões de euros para 44 mil milhões de euros.
BES, PT, Galp e JM são os principais culpados por esta queda.
EDP e EDPR ajudaram a minimizar os estragos.
Pelo meio, a estreia em Bolsa da Espírito Santo Saúde e as Ofertas Públicas de Aquisição (OPA) sobre esta e sobre a Portugal Telecom vieram animar a praça portuguesa.
E em plena crise do BES/GES,
O Millennium bcp conseguiu realizar o maior aumento de capital de sempre da Bolsa portuguesa.
O feito é digno de registo.
Apesar disso, o banco foi o único português a ter nota negativa no mais recente teste de stress do BCE. Veremos o que traz 2103.

CHINESES
A era da china está aí e chega a Portugal, que como país resgatado tem estado em saldos.
Depois da entrada de investidores chineses da EDP, a Fosun comprou a Espirito Santo Research, e reforçou na REN, entre muitos investimentos que fez no país.
Lá fora, os chineses protagonizaram negócios emblemáticos de fusões e aquisições e ainda marcaram pontos nas estreias em bolsa (como no Alibaba).
E foi o ano em que ligou as bolsas de Hong Kong e Shangai a meio da ocupação pró-democracia em Hong Kong.



EM MODI DE SUBIDA
A Índia foi uma superestrela nos mercados no ano que agora termina.
O novo primeiro-ministro Narendra Modi entrou em funções em maio e levou a bolsa indiana aos píncaros de forma efusiva.
O índice Sensex soma ganhos de 34% em 2014, uma das melhores performances entre os mercados emergentes.

MULTAS BILIONÁRIAS
Os bancos pagaram nos últimos seis anos mais de 200 mil milhões de euros em multas.
Do escândalo da manipulação da taxa Libor à alegada manipulação das taxas de câmbio, as multas surgem como cogumelos à medida que é trazida para a luz do dia a forma de atuação de muitos bancos no mercado. O fato com o pagamento de multas os casos ficarem arquivados levanta dúvidas a quem gostaria de ver feita justiça a sério.