RONALDO
Ricardo Lourenço Correspondente nos EUA
5 de Outubro de 2018
INVESTIGAÇÃO
Ao Expresso, peritos americanos em Direito dizem que Ronaldo não tem razões para se preocupar e levantam suspeitas sobre o advogado de Kathryn Mayorga
A polícia de Las Vegas reabriu a investigação ao caso da alegada violação de Cristiano Ronaldo a Kathryn Mayorga, uma americana residente na cidade conhecida como a capital do entretenimento.
Esse facto ocorreu a 13 de junho de 2009.
Na altura, a Polícia Metropolitana de Las Vegas (PMLV) recebeu a queixa, mas “a vítima não forneceu aos detetives dados sobre o local do incidente ou descritivos do suspeito”, indicou ao Expresso o porta-voz da PMLV, o agente Aden Ocampo.
“O caso foi reaberto no mês passado e estamos a atualizar a investigação com base nas informações da vítima.”
Questionado sobre os exames médicos efetuados a Mayorga, nomeadamente a existência de um rape kit (kit de violação) que ainda terá ADN do agressor, a mesma fonte preferiu não comentar.
Porém, em declarações ao jornal “USA Today”, Ocampo explicou segunda-feira que “a análise do ADN nunca foi realizada porque Mayorga não apresentou queixa na altura do incidente”.
Assegurou, no entanto, que “esse teste pode ainda ocorrer”.
O Expresso perguntou-lhe quando, mas este recusou responder: “A investigação está a decorrer e como tal não daremos mais detalhes.”
Na quarta-feira à tarde, Cristiano Ronaldo defendeu-se no Twitter: “Nego terminantemente as acusações de que sou alvo. Considero a violação um crime abjeto, contrário a tudo aquilo que sou e em que acredito.”
Para já, a defesa do atleta prefere esperar para ver, antes de agir publicamente; fontes próximas do jogador garantem ao Expresso que Ronaldo não violou.
O certo é que o capitão da seleção ficou fora da convocatória para quatro encontros: Polónia, Escócia, Itália e outra vez Polónia.
Entretanto, há factos, estratégias e informações que se discutem.
O PRAZO
Uma das questões que se coloca é esta: qual o prazo de prescrição em casos de violação, pois este incidente terá ocorrido em 2009.
Lance Maningo, advogado de Las Vegas, especializado na representação de atletas profissionais em processos-crime e civis, esclarece ao Expresso que “até 2015, este tipo de crimes prescrevia no Nevada ao final de quatro anos”.
Após uma longa batalha no Congresso Estadual do Nevada, “estendeu-se esse período de tempo para 20 anos e com efeitos retroativos, ou seja, aplica-se a este episódio caso se verifique, como é claro, que houve crime”.
Addie Rolnik e Anne Traum, ambas professoras de Direito na University of Nevada Las Vegas, uma das mais prestigiadas na região, confirmaram os prazos dados por Maningo. Nota: caso Ronaldo seja algum dia julgado por um crime deste género no Nevada, a pena mínima prevista é de dez anos e a máxima de prisão perpétua.
Um outro jurista especializado em direito criminal, que pediu para não ser identificado, faz outra leitura dos acontecimentos: “Isto parece um clássico caso de extorsão.”
Segundo este advogado, o português não tem nada a temer, porque há dois pontos a explorar: o tempo que Mayorga demorou a falar sobre isto; e o perfil do advogado desta, Leslie Stovall.
É que os peritos ouvidos alertaram o Expresso para o passado de Stovall, que, segundo o diário “Las Vegas Sun”, em 2002, viu o Supremo Tribunal do Nevada suspendê-lo da advocacia por dois anos, após ter entregado uma falsa declaração de impostos. “Honestamente quando li a notícia sobre as alegações contra o Ronaldo fiquei admirado. Não sabia que o Stovall tinha voltado”, assevera Maningo.
Um outro advogado de Las Vegas, Darius Rafie, confessa a mesma perplexidade.
“No desporto americano estamos sempre a ouvir episódios desta natureza.
Provoca-me algum desconforto que alguém não tente, logo após a alegada violação, fazer tudo para que as autoridades persigam o suspeito.”
O QUE DIZ MAYORGA
Em paralelo à investigação criminal, Mayorga avançou, na quinta-feira, com um processo-civil no Tribunal Distrital do Condado de Clark, estado do Nevada, contra o craque da Juventus.
Nele especifica pormenores do incidente que terá ocorrido numa suíte do Palms Hotel and Casino em plena Strip (nome dado à avenida principal de Las Vegas e onde se acumulam os maiores casinos).
O que se segue são as alegações detalhadas da queixosa.
No documento, lê-se que Ronaldo a “atacou” na casa de banho da suíte onde estava hospedado, apesar de ela ter gritado várias vezes “não”.
A alegada vítima garante que o futebolista a sodomizou, deixando-a com “várias lesões físicas e emocionais” — contusões anais, stresse pós-traumático, depressão, comportamento errático e ansiedade — que a levaram a “abusar do álcool e a sofrer de tendências suicidas”.
Leslie Stovall, advogado de Mayorga, declara, ainda, que o processo-civil e o requerimento para que a polícia reabra a investigação criminal têm o objetivo de “fazer justiça, forçar Ronaldo a responder pelos seus atos e prevenir que o mesmo ocorra a outras mulheres”. Stovall denuncia, ao mesmo tempo, a existência de uma rede de agentes que, posteriormente à alegada violação, “conspiraram, juntamente com o atleta, para obstruir a investigação criminal e a acusação contra Cristiano Ronaldo”, com o objetivo de “interferir, reduzir ou eliminar os direitos da queixosa decorrente do processo-civil” — os fixers.
Estes ‘agentes’, tidos como “especialistas na proteção da reputação pessoal”, funcionam assim: “investigam, verificam e monitorizam a alegada vítima, assim como familiares e advogados, de maneira a impedir a denúncia pública do crime”.
Depois, desenvolvem uma estratégia de “prevenção” com o objetivo de “retardar” qualquer acusação, assegura Stovall no documento.
Essa “equipa terá reportado a Cristiano Ronaldo” uma avaliação da Polícia, onde era alegado que “as autoridades não classificaram o incidente de crime violento”, mas sim de “assédio sexual”, e que colocariam o caso na “gaveta”.
Mais uma vez, contactadas pelo Expresso, as autoridades não prestaram declarações.
Segundo Stovall, uma fonte policial confidencial terá ainda informado a “equipa” de que “a polícia encerraria o caso de bom grado se existisse um acordo de mediação que incluísse uma recompensa financeira para Mayorga”.
O que veio a acontecer [ver peça em baixo].
Durante as negociações do Acordo de Confidencialidade, o advogado diz que a “equipa” se manteve em contacto com a advogada de Mayorga na altura, com o intuito de assegurar que a cliente e respetivos familiares não falariam com a polícia ou terceiros.
Mais do que isso, lê-se neste processo, Stovall sugere que Mayorga estava “incapacitada para participar em negociações daquele tipo devido às lesões provocadas por Cristiano Ronaldo” e que a sua representante legal de então “falhou” na deteção desse estado de saúde, acabando por “concordar em participar numa mediação privada” que “impedem demandante, familiares, amigos e representante legal de falarem seja com quem for sobre o incidente, correndo o risco, se o fizerem, de consequências financeiras e legais severas”.
UM CASO PARA MESES
Na tarde de quarta-feira, Leslie Stovall realizou em Las Vegas a primeira conferência de imprensa sobre o caso.
Antes de tomar a palavra, a sua assistente, Larissa Drohobyczer, revelou que Ronaldo terá 20 dias para responder ao processo-civil apresentado no passado dia 27 de setembro, no Tribunal Distrital do Condado de Clark (a contar dessa data).
Stovall adiantou depois, sem identificar, que já foi contactado por uma firma americana que irá representar o futebolista e que antevê que o caso se arraste durante meses.
Mayorga não esteve presente, facto que o seu representante legal justificou com o seu “frágil estado emocional”.
Até à hora de fecho desta edição, o pedido de entrevista enviado pelo Expresso a Leslie Stovall permaneceu sem resposta.
A suite de Las Vegas, a amiga e os 323 mil euros
O relato de Kathryn Mayorga sobre a noite de 13 de junho de 2009 em que esta alega que Ronaldo a terá forçado a ter relações sexuais
Kathryn Mayorga jura que, a 13 de Junho de 2009, Cristiano Ronaldo “convidou” um grupo, do qual ela fazia parte, para a tal suite com o objetivo de “desfrutar” da vista sobre a Strip. Concentrados numa pequena piscina localizada no terraço, Cristiano Ronaldo ter-lhe-á oferecido “calções e uma T-shirt” para que ela pudesse entrar na água, “indicando a casa de banho onde se poderia vestir”.
No processo entregue no Condado de Clark, constata-se que CR7 “entrou, posteriormente, na casa de banho, expôs o pénis ereto, exigindo receber sexo oral por parte da queixosa, que de pronto quis abandonar a suite”.
Após saírem do cubículo, “Cristiano Ronaldo empurrou Mayorga para um quarto e sobre uma cama tentou iniciar relações sexuais”.
Ela, alegadamente, recusou, “cobrindo-se na tentativa de prevenir qualquer penetração”, lê-se.
Depois disso, “Cristiano Ronaldo virou a demandante e, enquanto ela gritava “não, não não”, sodomizou-a”.
Depois deste pretenso episódio, ainda de acordo com as alegações expostas naquele documento, “ele permitiu que ela deixasse o quarto e pediu desculpas, dizendo que normalmente é um cavalheiro”.
A IDA À POLÍCIA
Nas horas seguintes, Mayorga, então com 24 anos, foi para casa dos pais onde contou o sucedido a uma amiga, cuja identidade se desconhece.
Deslocou-se, então, à Polícia Metropolitana de Las Vegas.
Apresentou queixa, explicou que o agressor seria um jogador de futebol famoso e recusou a identificá-lo por “temer que pudesse ser alvo de retaliação e humilhação pública”.
Após se dirigir às instalações hospitalares do University Medical Center, submeteu-se a exames onde foram “recolhidas provas de sodomia, devidamente documentadas e fotografadas”.
O ADVOGADO DA QUEIXOSA GARANTE QUE UM DETETIVE DA POLÍCIA DE LAS VEGAS “ALERTOU PARA OS RISCOS DE HUMILHAÇÃO PÚBLICA”
Stovall garante que, poucas semanas depois, Mayorga “identificou Ronaldo a um detetive da polícia de Las Vegas” e que este a “alertou para os riscos de humilhação pública caso avançasse com a queixa”.
Após esse encontro, o representante legal esclarece que as autoridades não voltaram a comunicar com a demandante.
O Expresso voltou a contactar a polícia de Las Vegas, que, sobre este pormenor, nada acrescentou.
Seguiu-se o trauma psicológico que a deixou “aterrorizada e incapaz de se defender”, lê-se ainda, acabando por contratar, a conselho da família, “uma advogada com pouca experiência”, que a recomendou a optar por um acordo de confidencialidade (Non Disclosure Agreement ou NDA, sigla em inglês).
Por isso mesmo, o capitão da seleção nacional aceitou pagar uma indemnização de 375 mil dólares (perto de 323 mil euros) em 2010, que proíbe Kathryn Mayorga de o perseguir na Justiça.
Com a reabertura da investigação criminal e início do processo civil, a saga recomeça com um novo representante legal.
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