Cristina Peres - 8 agosto 2015
A Alemanha tem um lugar difícil na Europa desde o século XIX, porém a chanceler tem uma visão otimista relativamente à capacidade de os europeus se reinventarem.
A saída passa pela reforma profunda das economias da zona euro e se não for de livre vontade ela será imposta.
Os próximos tempos vão determinar o modo como Angela Merkel virá a ser lembrada, ela que deverá recandidatar-se em 2017 a um quarto mandato à frente do Governo alemão
A alteração de paradigma foi denunciada por
Joschka Fischer há duas semanas.
Ao dizer que a Alemanha pela primeira vez
desde o final da II Guerra Mundial preferira “menos Europa” a “mais Europa”, o ex-vice-chanceler alemão do
Governo Gerhard Schroder (1999-2005) referia o resultado da
noite de 12 para 13 de julho, a mais tensa das
negociações entre os negociadores europeus e a Grécia.
A questão sobejamente
conhecida e tratada pela opinião e pelos meios de comunicação mais plurais é descrita por Fischer num artigo
que pergunta “O ‘alemão detestável’ está de volta?” (Project Syndicate, 23 de
julho): Angela Merkel terá sido obrigada a usar a sua habilidade para retirar
da mesa a opção lançada pelo seu ministro das
Finanças.
Naquela noite, Wolfgang Schauble exerceu enorme pressão para que um
Estado-membro da União Europeia saísse “voluntariamente” da zona euro, defende
o fundador do partido dos Verdes alemães, sublinhando a argumentação de jurista
de Wolfgang Schauble ao afirmar que o alívio da dívida grega só seria
“legalmente” possível fora da zona euro.
Por outras palavras, o ministro das
Finanças alemão apontava um Grexit “voluntário” em alternativa à aceitação por
parte da Grécia de condições que transformam o país num “protetorado europeu”.
Acontece que não
há registo objetivo da afirmação por parte do Governo alemão de que a Grécia
deveria sair da zona euro.
“Apenas chamámos a atenção para o facto de Atenas
poder decidir fazer um intervalo”, disse Schauble em entrevista à revista “Der
Spiegel” de 17 de julho, durante a qual esclarece que o alívio da dívida não é
possível na moeda da União Europeia porque “Os Tratados europeus não o
permitem”.
A chanceler alemã
foi “mais política” e ficou abertamente do lado da
argumentação defendida por França e Itália, as segunda e a terceira maiores
economias europeias a seguir à Alemanha, excluindo a saída da Grécia da moeda
única.
Fosse em termos temporários ou definitivos.
O gesto valeu a
Angela Merkel uma avaliação à altura da sua famosa e consagrada prudência e
ponderação.
A precipitação dos acontecimentos naqueles dias do processo da
negociação com a Grécia obrigou ambas as partes a maratonas de trabalhos e a
tomadas de decisão no limite dos prazos.
E das forças dos seus intervenientes.
Se Angela Merkel tivesse podido, escolheria ter tido e ter podido dar uma
respiração ampliada ao processo.
Ou não fosse ela uma política pragmática
concentrada, ponderada, metódica e rigorosa também preparada para ser flexível
e dialogante.
E não tivesse valido ao gesto político na
maratona de 12/13 de julho para lhe granjear, ou confirmar, o reconhecimento da
sua visão europeísta.
Angela Merkel é
acima de tudo, uma negociadora.
“Ela aguarda e vê até onde pode ir.”
“Merkel
espera” porque os negociadores nunca tomam decisões no primeiro momento,
comenta com o Expresso Mónica Dias.
A professora do Instituto de Estudos
Políticos (IEP) da Universidade Católica Portuguesa diz que, a ter havido
precipitação por parte da chanceler, ela já tinha acontecido no passado,
quando foi “demasiado determinada” a identificar o sucesso do euro com o
sucesso da Europa.
Com essa identificação, perdeu margem de manobra, admite
Mónica Dias.
Isso não era evidente quando, em 2012, as sondagens lhe
reconheciam uma taxa de 70% de aprovação por parte de um eleitorado que a
considerava a líder política europeia mais capaz de garantir
o rumo certo à União e ao euro.
Provável sinal do
desconforto com a situação atual terá sido a ligeira irritação que a chanceler
deixou transparecer ao responder aos entrevistadores da estação estatal ARD
quando questionada sobre as fricções internas na coligação durante a entrevista
de verão, feita logo no início da semana que se seguiu às negociações
com a Grécia.
A chanceler respondeu que não tinha recebido nenhum pedido de
demissão [aludindo ao seu ministro das Finanças].
Ponto final no assunto.
POUCO
ESPAÇO PARA SURPRESAS
Desista quem
insistir em encontrar dissonâncias nucleares entre os parceiros da coligação
que governa a Alemanha.
Para começar, discrição oblige.
Além disso, se
há princípio daquele Governo que coincide com o modus operandi
estrutural da União Europeia é a negociação e o compromisso.
A Europa é também
isso mesmo, negociação e compromisso, um modo de funcionamento que serve como
uma luva ao sistema político alemão.
Após o escrutínio
das urnas nas últimas eleições legislativas de 22 de setembro de 2013, que
deram quase uma maioria absoluta (41,5% dos votos) aos democratas-cristãos da
CDU/CSU, só em 27 de novembro se alcançou o acordo de coligação que conciliava
as propostas dos dois partidos que formam a atual grande coligação — a CDU/CSU
com o social-democrata SPD.
Dois meses e perto de duas centenas de
páginas de acordo de coligação depois, o documento passou ainda pelo crivo da
consulta ao partido social-democrata e só em dezembro estava o processo
concluído para se formar governo.
Três meses para garantir a coesão?
O processo de
decisão nacional é semelhante.
Sessenta por cento das leis aprovadas no
Parlamento (Bundestag) têm de passar pelo Parlamento dos Länder, ou
estados federados (Bundesrat),
o que pode ser resumido deste
modo: sem a aprovação da Saxónia ou da Baviera, por exemplo, não há
possibilidade de uma lei vir a ser aprovada.
É provável que reste pouco espaço
para surpresa na governação, porém, os pontos de fricção ficam entretanto
potencialmente neutralizados.
Num contexto com
este funcionamento, não é realmente um espanto que a popularidade do
responsável alemão pelas Finanças tenha alcançado os valores mais altos de sempre no início de julho.
Schäuble tinha
70% de aceitação numa sondagem da ARD, ultrapassando em 3% a taxa de aceitação
da chanceler, que se mantinha nuns muito confortáveis 67%.
Se há aí dedo pesado
da imprensa alemã — que os mais
críticos desclassificam como
sendo incapaz de exercer oposição e provocar debate —, a verdade é que a
opinião pública alemã reconhece a boa forma do seu país e tem razões para
reconhecer que o modelo praticado pelos governantes funcionou bem.
Até aqui.
Uma vez imposta a
narrativa da “ Grécia preguiçosa” , muitos alemães não verão muito além de um
certo sentido de injustiça relativamente ao modo como está construída a zona
euro e que se encontra por vezes traduzida pela expressão redutora e inexata
‘uns trabalham e outros gastam’.
Os tabloides, encabeçados pelo jornal de
grande circulação alemão “Bild”, contribuem para a demonização dos
“gastadores”, enviesando o debate com evidente eficácia.
As repetidas histórias
que o “Bild” publica sobre gregos reformados aos 55 anos
que passam os seus dias na praia têm um impacto inevitavelmente negativo na
opinião pública.
E não só na Alemanha.
“Penso que os
alemães têm atualmente
um grande medo de perder parte
da sua prosperidade por causa de outros”, diz ao Expresso um alemão radicado em
Portugal há cerca de 20 anos, que prefere manter o anonimato.
E acrescenta o
papel dos partidos de direita alemães na criação de um caldo de reatividade
“irracional” por parte do eleitorado germânico, tornando-o alérgico
a termos como ‘solidariedade’ ou ‘partilha de responsabilidades’.
Para muitas
dessas pessoas, a União Europeia está identificada com “a obrigação de pagar”.
DOIS DA MESMA ESPÉCIE
Angela Merkel e Wolfgang Schauble têm uma
visão geral comum da União Europeia como uma união monetária na qual há que
impor as regras que têm de ser respeitadas pelos Estados-membros.
Ambos querem
impedir que a zona euro se transforme numa zona de transferência onde o dinheiro
fluiria do Norte rico para o Sul mais pobre.
Além disso,
os dois temem que o referendo grego de 5 de julho crie um precedente que seja
seguido por outros Estados europeus, diz ao Expresso Adriano Bosoni, analista
do think tank norte-americano
Stratfor a partir de Frankfurt.
Reconhecendo que ficaram à vista algumas
diferenças de metodologia relativamente ao modo como lidar com a Grécia entre
os dois líderes alemães, Bosoni chama a atenção, em contraponto, para a “visão mais geopolítica” de
Angela Merkel, a qual leva a
chanceler a dar prioridade à proteção do euro.
Assim, defende o analista, Angela Merkel sabe que a União Europeia não
pode dar-se a0 luxo de ver membros
abandonarem o clube europeu.
Neste raciocínio está considerada a posição geoestratégica da
Grécia no Mediterrâneo
oriental e está, por isso, implícito que
a Alemanha quer que a Grécia permaneça na União mesmo na eventualidade de
um Grexit da moeda única.
E os Estados Unidos vão querer “manter a Grécia na
NATO”, acrescenta Bosoni.
Se a chanceler se
recusa a comentar em entrevista à ARD uma possível demissão no seio do seu Governo,
Wolfgang Schäuble responde à imprensa com assertividade semelhante.
Para tal,
lembra o mote da campanha da CDU durante
as eleições europeias de 1999, quando liderava a União Democrata Cristã e
Merkel era a sua secretária-geral: “Nem sempre com a mesma opinião, mas no
mesmo caminho.”
Foi assim que prosseguiu a relação dos dois líderes políticos, segundo
disse Schauble à revista “Spiegel”, aconselhando os jornalistas que o
entrevistavam a não se preocuparem: “Sabemos que podemos confiar um no outro.
É preciso
procurar as prováveis diferenças entre Merkel e Schäuble noutros
aspetos e para isso poderão servir as características próprias da história pessoal de cada um dos políticos.
O estilo da chanceler é
indissociável da sua vivência da Alemanha de Leste, para onde se mudou ida de Hamburgo (Tremplin, região de Uckermui
norte de Berlim Leste) com apenas seis semanas de vida, em 1954, acompanhando o
destino da missão do pai, um pastor luterano.
O estilo do
ministro das Finanças será também ditado pela época — 1942, ainda durante a II
Guerra Mundial — e pela zona onde nasceu, Freiburg im Breisgau, perto
da fronteira com França.
Há um episódio que ficou na história da sua
actividade partidária entre os democratas-cristãos datado de 1994 que é
particularmente e, ao que parece, inspirador no momento
atual da União.
Durante as jornadas da CDU, Wolfgang Schauble apresentou com o
colega de partido Karl Lamers uma declaração feita pelos dois, que refletia
sobre a diferença entre a União original a seis Estados-membros e a adaptação
que os tratados teriam de sofrer já então a 12 membros, assim como perante futuras
adesões.
O traço federalista do atual ministro das Finanças era já evidente na defesa de uma Kerneuropa, ou Europa nuclear, que seria
dirigida, na altura, a partir do núcleo do eixo franco-alemão ao mesmo tempo
que integraria os outros Estados-membros.
O conceito defendido na declaração abria portas a uma pluralidade de modelos –
Europa a várias ou a duas velocidades, Europa de geometria variável ou Europa
nuclear … - que foi então criticado por quem nele lia a “criação de um clube
europeu com espectadores”, como lembra Mónica Dias.
Contudo, ele é hoje em dia
uma realidade, bastando pensar na zona euro e no espaço Schengen, ambos
reunindo diferentes constelações de Estados-membros e não só.
A verdade é que,
para os alemães, a Europa federal “é muito positiva” significando “a autonomia
de cada região e a soberania de cada nação”, explica a professora do IEP.
POSIÇÕES EXTREMADAS
A partir daqueles dias de meados de julho,
as posições entre os Estados da União ficaram extremadas, disso não há dúvida.
O título de uma coluna de opinião de Pedro Santos Guerreiro no Expresso Diário
de 13 de julho, “O maior resgate de sempre?
O maior perdão de sempre?
A maior
depressão de sempre?”, teve contraponto, no mesmo dia, na opinião de Barbara
Wesel publicada na Deutsche Welle com o título “A vencedora é Angela Merkel!”.
Santos Guerreiro defendia que a Alemanha não tinha salvo a Grécia nem a dívida
nem o euro enquanto Wesel sublinhava que a chanceler alemã tinha levado as
negociações com o primeiro-ministro grego Alexis Tsipras até aos limites da
exaustão.
A formulação de
Joschka Fischer, dez dias mais
tarde, não segue a tendência
que parece ter vindo para ficar, abusando das generalizações e, desse modo,
colocando no mesmo saco membros individuais dos governos, os próprios governos,
populações inteiras, e até países... O ex-líder dos
Verdes refere a posição de Wolfgang Schauble como sendo responsável pelo
extremar da questão fundamental da relação entre o Norte e o Sul da Europa,
ameaçando esta sua posição levar a zona euro ao ponto de rutura: “A crença de
que o euro pode ser usado para fazer a ‘reeducação’ económica da Europa do Sul provará ser uma falácia perigosa”,
argumenta Joschka Fischer, apoiando-se na opinião de que franceses e italianos
bem sabem que tal visão dará cabo do projeto europeu que foi construído em nome
da diversidade e da solidariedade.
Muitas reações
diferentes à atitude dos líderes alemães já vinham a ocupar espaço da opinião
pública fora e dentro da Alemanha desde antes das negociações do terceiro
pacote de resgate à Grécia.
Em 30 de junho, o jornalista alemão freelance Raphael
Thelen publica na sua página de Facebook uma carta
aberta a Angela Merkel, Sigmar Gabriel e a Wolfgang Schauble dirigindo-se-lhes
deste modo: “Excelências, estão a destruir a Europa, a vitimar a Grécia em vez
de mudarem a vossa política errónea.
Resgatam bancos e exterminam as
perspetivas de milhões de jovens.
Impõem a austeridade apesar de o resto do
mundo gritar que isso é uma loucura.
Fazem uma política pela qual a Alemanha
cresce à custa do Sul da Europa.
Nós não queremos isso... ”
O texto deste
alemão formado em Ciência Política pela Universidade de Bona pontua os
sucessivos parágrafos com a recusa em aceitar uma política alemã contrária aos
princípios de Helmut Kohl [que previa a intervenção financeira da Alemanha em
caso de urgência para que se fizesse funcionar o projeto de paz europeu], a recusa
de uma política que fomente o regresso do nacionalismo e da possibilidade de
uma nova guerra na Europa com a declaração “Nós não queremos isso”.
De caminho,
exorta o Governo alemão a admitir os erros da sua política acusando-o de “ter conseguido” que a Alemanha
“voltasse a ser odiada 70 anos após o fim da II Guerra Mundial”: “Nós não
queremos isso”.
Raphael Thelen
disse ao Expresso acreditar que o ministro das Finanças alemão “tudo fez”
durante as negociações “para sabotar Alexis Tsipras com o objetivo de travar
uma possível viragem à esquerda” noutros países europeus, como Espanha.
O autor
da carta aberta saudou a decisão do primeiro-ministro grego em ter aceitado o
acordo, considerando que “é este o caminho” que tornará possível “um clima mais positivo” no âmbito do qual outros governos
europeus poderão mais
tarde vir igualmente a “fazer
infletir as políticas europeias num sentido mais social”.
A Europa é negociação e compromisso, insiste Thelen, acrescentando que Angela
Merkel está a “forçar políticas neoliberais” aplicando à Europa a receita da
Agenda 2010 na Alemanha [a Agenda 2010 foi concebida e levada a cabo pelo
Governo de coligação Schroder/Fiseher.
As “políticas neoliberais” foram
primeiro postas em prática pela coligação Rot/Griin, ou seja,
social-democrata/verdes]: “O que o FMI fazia ao Terceiro Mundo está agora a ser
feito na Europa”, incluindo a “destruição dos sindicatos, a flexibilização dos
mercados de trabalho e a descida de impostos para empresas”.
“Merkel está a
destruir a União Europeia porque perdeu de vista aquilo que ela é: um projeto
de paz e não um sistema de regras rígidas com o fim de controlar as economias”,
disse ao Expresso.
Como chamou a
atenção Miguel Monjardino, professor do IEP, o que torna Merkel e Schauble tão
populares entre os eleitores alemães é exatamente este apego às regras
desenhadas com base na experiência e na visão alemãs.
A EUROPA DAS FINANÇAS E DO EURO
A Europa mergulhada numa crise profunda
deixa à vista fragilidades da zona euro, uma zona monetária supostamente bem
desenhada e sólida.
Realça também a rapidez com que os países vizinhos podem
desentender-se, não permitindo deixar no passado o modo como os europeus se têm
historicamente virado uns contra os outros.
“Havia a ideia
que, de repente, se tinha resolvido o problema com o Tratado de Maastricht.
Espantoso seria se tivesse ficado resolvido, porque o nacionalismo está
entranhado na psique europeia”, disse ao Expresso George Friedman, autor e
fundador da Stratfor.
Assim que, a
partir de 2008, começou a decair a prosperidade nalgumas regiões da Europa,
surgiram de imediato “questões com fronteiras e por aí adiante”, disse o
analista de geopolítica norte-americano.
Friedman sublinha a importância de a Europa
estar dividida em mais de 50 Estados-nação que têm “muito más memórias uns dos
outros”.
Desenhada para ter paz e prosperidade, a União, sem elas, não verá
passar muito tempo sem que surjam problemas graves, diz ao Expresso, lembrando
que o Tratado de Maastricht não preparou as instituições para um tempo em que
se vivam esses problemas graves.
O problema, explica, é que os países
abordam-nos enquanto Estados-nação: “O que se passa não é a Grécia a negociar
com a União Europeia, mas a Grécia a negociar com a Alemanha sem que a Alemanha
tenha instrumentos para manter a Europa unida”, conclui.
Se o sucesso da
Europa é o sucesso do euro, como pretendia Angela Merkel, na semana passada o
futuro da moeda única sofreu um revés considerável quando a Polónia anunciou
oficialmente que não vai aderir ao euro, como fazia parte do seu plano “e
sonho”.
Quem o diz exatamente assim ao Expresso é Bronislaw Misztal.
O
representante de Varsóvia em Portugal adianta que a Polónia “será um membro responsável
da comunidade”, mas não aderirá até que a zona euro consiga resolver os seus
problemas.
“A maioria da população polaca não acredita hoje que aderir ao euro
seja uma decisão política sensata, ao contrário de que pensava há seis anos”,
diz o embaixador, lembrando que o sonho do euro “era não só financeiro mas de
comércio livre também, para todos os atores económicos”.
O embaixador
evoca “o Estado social universal, a democracia e a liberdade de movimento” como
“um sonho” que funcionou “por momentos”.
Até que, nos anos 80/90 até 2000 se
“pensou que a economia teria força para transformar a mentalidade das
sociedades”.
Só que agora, explica, “sabemos que a economia sozinha não
consegue fazê-lo”.
“Para uma pessoa
da minha geração é difícil ver destruir o que foi construído”, diz o diplomata
reforçando o “valor da livre circulação” para quem, como ele, foi obrigado,
enquanto jovem, a provar possuir pelo menos 25 dólares por dia para gastar como
condição para lhe ser permitido deslocar-se na Europa.
A possibilidade
de mobilidade livre era interessante, admitia-se a imigração sem fechar a
porta, as pessoas podiam trabalhar temporariamente fora do seu país, recorda o
embaixador, chamando a esse movimento “uma das grandes vitórias da nova
Europa”. Agora, diz, estão a fechar-se várias portas por “desigualdade social”.
“Não queremos os pobres que viajam”, acrescenta o diplomata, lembrando que, no
futuro, “isso poderá acontecer aos polacos ou aos portugueses”.
Fecham-se as
portas ao trabalho no Reino Unido e na Suíça e amanhã podem fechar-se em
França...
“É muito importante que a Europa mantenha um denominador comum”,
resume Bronislaw Misztal: “Temos de encontrar modelos comuns na cultura, no
modo de pensamento, na filosofia de organização social e não só num imperativo
financeiro.
Não é fácil!”, admite.
A REGRA EUROPEIA DE MERKEL
A política de Angela Merkel para a zona
euro é uma consequência direta do modo como ela olha para o mundo.
Ao contrário
de outros líderes europeus, a chanceler compara a Europa com a China, que
conhece bem, e com a zona da Ásia-Pacífico, considerando-a, em resultado, uma
competidora em declínio, explica Miguel Monjardino.
E recorda ao Expresso a
regra “7-20-50” que a chanceler alemã difundiu para descrever a União Europeia:
7% da população mundial, 20% do produto mundial e 50% de despesas sociais.
Se
esta já era um problema, no presente tornou-se insustentável “a não ser que os
países procedam a uma reforma fundamental”, de modo a se tornarem mais
competitivos a nível da inovação e da tecnologia.
Angela Merkel é
otimista relativamente à capacidade de os europeus se reinventarem, abrindo as
suas economias à globalização, sustenta Monjardino, que é da opinião de que a
dimensão externa da visão alemã não está a ser bem explicada na Europa.
A
Alemanha, diz, “olha para a crise com a dimensão do euro”, mas acrescenta a
consciência de que as “circunstâncias externas”, ao abrigo das quais o euro foi
criado, mudaram substancialmente.
Isto implica para a Alemanha que a
zona euro tenha de deixar de ser “tão introspetiva como até agora” e que as
sociedades europeias tenham de ser capazes de “se reformular profundamente” se quiserem
continuar a ter o mesmo tipo de “modelos sociais e políticos”, acrescenta.
O professor do
Instituto de Estudos Políticos da Católica acredita que só resta à Alemanha
impor a sua visão a nível externo, chamando “tragédia” à incompreensão de que a
posição alemã é objeto: “Os europeus acham que a Alemanha impõe a sua hegemonia
e os alemães acham que a Alemanha está a ficar refém dos países que ao
recusarem reformar-se arrastam a Europa para um beco sem saída”.
Dito de outra
maneira, Berlim acha que está a fazer um favor e os outros países europeus
entendem que estão a ser tomados de assalto.
No entanto, resume o professor, é
do reequilíbrio dos termos da equação “7-20-50”, àqual se soma o endividamento
privado e público, que depende o futuro da União Europeia.
A solução passa
por uma maior integração política na zona euro [como a defendida recentemente
pela proposta do Presidente francês, François Hollande] e por conseguir criar
mecanismos que gerem alguma capacidade orçamental para os países em
dificuldades, adianta Monjardino.
Se tal não acontecer, vão multiplicar-se as
crises e as emergências na zona euro, prevê o professor.
“Estamos a meio de um
processo que não sabemos como acabará, mas cujo rumo determinará o modo como
Merkel será lembrada”, afirma.
Uma maior
integração política, de acordo com a proposta que está neste momento em cima da
mesa, implica que quem quiser fazer parte desse grupo de vanguarda política
europeia “terá de aceitar fazer reformas profundas”, esclarece Miguel
Monjardino.
No caso de Portugal, indica, significa que “temos de ser capazes de
fazer o que não fizemos até agora: demonstrar antecipadamente aos interessados
que temos fôlego económico e político para o país continuar a mudar e
adaptar-se”.
Depende de uma questão de liderança política, resume Miguel
Monjardino, admitindo que os alemães acabarão por aceitar, aprazo, fazer
“algumas transferências de recursos” para as sociedades recetoras.
Mas a
condição inalienável será a execução das reformas, garante o professor,
adiantando que será um processo de mudança longo, provavelmente “não agradável
para ninguém”.
Angela Merkel
estará “numa posição muito difícil”, sustenta.
“Ou se reforma por vontade
própria ou por imposição externa (para cumprir as regras de Berlim)”, diz
Monjardino, reconhecendo que a Alemanha se arrisca a ficar altamente impopular.
Exatamente o contrário daquilo que propunha a criação da zona euro.
Há dez anos, a
Fundação Friedrich Ebert (Friedrich Ebert Stifftung, FES) lançou um projeto em
parceria com o Goethe Institut que perguntava: Existe uma opinião pública
europeia?
Na altura, tinha-se a ideia de que ela não existia, conta ao Expresso
Reinhard Naumann.
O diretor da FES em Portugal acredita que hoje, depois da
crise, já existe uma consciência mais profunda em todos os países da União
Europeia de que fazemos parte de uma entidade comum.
Ela é marcada pelas
divergências de interesses que chegam a ser contraditórios, mas o ponto
positivo é que há uma consciência mais clara da existência de uma união e de
uma moeda comum...
“Talvez esse despertar da consciência possa vir a ser a base
de uma nova etapa em que a opinião pública europeia já exista com maior
consistência”, conclui Naumann.
Se recomeçasse a
Europa, recomeçaria pela cultura, disse Robert Schuman.
E agora?
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