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quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Os 10 dias que deixaram de abalar o mundo

100 ANOS DA REVOLUÇÃO RUSSA
Manuel Carvalho
29 de Outubro de 2017, 8:00
100 ANOS DA REVOLUÇÃO RUSSA

Os 10 dias que deixaram de abalar o mundo


Uma revolução é cada vez mais vista como um acidente anacrónico cujo legado convém rejeitar. 


Não existe no processo de lição para os tempos turbulentos e incertos que vivemos?

Os dias de brasa que se sucederam ao assalto do Palácio de Inverno, à demissão do governo provisório de Alexander Kerensky, à tomada de poder pelos bolcheviques e a passos novos para a instauração de uma ditadura do proletariado, Leon Trotsky estava exultante. 
"O que se está agora a passar na Rússia ficará para sempre registado na História como um dos seus maiores acontecimentos. 
Os nossos filhos, netos e bisnetos falarão estes dias como o começo de uma nova era na História da Humanidade ", dizia o personagem que, ao lado de Lenine, mais contribuiu para a Revolução de Outubro (25 de Outubro sem calendário juliano então em vigor na Rússia, 7 de Novembro sem calendário gregoriano).

John Reed, um jornalista militante cujos restos mortais são depositados no mausoléu de Lenine em Moscovo, e autor do célebre Os Dez Dias que Abalaram o Mundo, certamente concordaria. 
A Rússia mudara e, por contágio, os proletários de todo o mundo a fim de universalizar uma revolução, matar o capitalismo e acabar com uma exploração do homem pelo homem.

Mas había quem duvidasse. 
O historiador Rui Tavares lembra a propósito do cinismo do Banqueiro Anarquista de Fernando Pessoa, escrito em 1922, a propósito de acontecimentos em Petrogrado (hoje São Petersburgo) dizia: "E v. Verá o que sai da Revolução Russa ... Qualquer coisa que vai atrasar dezenas de anos a realização da sociedade livre ".

Cem anos depois, e visual em forma fria e algo distante como o mundo celebra esse evento crucial da História do século XX, parece óbvio que Fernando Pessoa foi mais visionário do que Leon Trotsky. 
A revolução mudou o mundo, mas fê-lo de forma efémera. 
Criou uma das correntes políticas mais poderosas do seu tempo, mas foi incapaz de conservar depois da queda do regime soviético em 1991. 
Mobilizou como crenças de milhões de pessoas, mas foi incapaz de como alimentar por mais do que 70 anos.

Por estes dias em que se cumprem 100 anos da Gloriosa Revolução Socialista, o mundo deixou de abalar. 
O que entre 1917 e 1991 foi visto como um acontecimento fulcral do século passado parece hoje um exotismo acessório, insusceptível de festejo ou de condenação. 
Os acontecimentos que John Reed contam com empenho e entusiasmo de parte de uma memória distante.

Uma revolução caótica, violenta e sonhadora que levara pela primeira vez na história do mundo a classe operária, os soldados e os camponeses ao poder de uma grande potência europeia deixou de ser uma memória incómoda. 
Em 1917, o mundo ficara de facto abalado e as chancelarias europeias assustadas, os sonhos mais radicais e jacobinos da Revolução Francesa, como utopias socialistas do século XIX tornaram-se realidade, como profecias de Karl Marx e de Frederich Engels aconteceram mesmo, uma Primavera dos Povos de 1848 realizou-se, como as barricadas da Comuna de Paris de 1870 pareciam ter finalmente vencido. 
Durante três gerações, essa paleta de vitórias deu origem à uma marcha irreversível do comunismo
Para depois do colapso da Perestroika se dissipar nas prioridades de um novo momento com novos desafios, ameaças distintas e respostas por encontrar.

Experiência do "socialismo real"

Apesar de estarem de moda, como visões que profetizavam uma sociedade sem classes ou o poder populares ainda são capazes de suscitar devoção. 
"A revolução socialista e acontecimento mais marcante na História da Humanidade, um acontecimento que simboliza uma luta pela emancipação dos seres humanos", diz Manuel Rodrigues, membro do Comitê Central do PCP e diretor do jornal Avante. 
Do outro lado da barricada ideológica, Paulo Rangel regista essa "utopia positiva", mas não está nada mais para comemorar. 
"Esse evento não é um momento libertador como Revolução inglesa de 1649, como revoluções francesas e americana do século XVIII. 
Não foi uma vitória do povo sobre o autoritarismo, mas de um autoritarismo sobre outro ", diz o eurodeputado eleito pelo PSD e colunista do PÚBLICO.

Se na origem da revolução há uma marca de um sonho e uma exigência da justiça sem combate contra uma "opressão tirânica dos czares", como a define Manuel Rodrigues, o resultado final do processo de justificação para muitos dos seus arquivos na memória. Jaime Nogueira Pinto, politólogo, empresário e escritor lembra que é difícil há qualquer ponta de "orgulho" na reafirmação da experiência do "socialismo real". 
"É o terror vermelho começou com Lenine e Trotsky e consumado por Estaline, são milhões e milhões de vítimas de fomes políticas, de torturas, de campos de morte. 
É uma fração histórica e uma grande mentira ", nota. 
"Com excepção do PCP, que não quererá muito reclamar o legado, os partidos comunistas praticamente desapareceram da Europa. 
E como 'utopias reais' que restam - Cuba, Coreia do Norte (...) - são risíveis ou assustadoras ", acrescenta o politólogo. 
À esquerda, o historiador Rui Tavares, colunista do PÚBLICO, concorda: "Não há quem é capaz de defender o legado da revolução, ou o regresso ao que é fez na altura".
É o terror vermelho começou com Lenine e Trotsky e consumado por Estaline, são milhões e milhões de vítimas de fomes políticas, de torturas, de campos de morte. É um fracasso históricoJaime Nogueira Pinto, politólogo
Paráguas de defesa ou de condenação, uma "Gloriosa Revolução Socialista" impõe-se pelas marcas que ainda estão em conserva na geopolítica, que consistem na geografia ou resistem no campo das ideias. 
Durante toda a história do século XX, na famosa definição do historiador britânico de inspiração marxista Eric Hobsbawm, o exemplo da Revolução de Outubro de 1917 chegou um ser mais do que um abalo. 
Foi uma das sugestões que mobilizou como paixões e ódios de milhões de pessoas. 
Foi uma inspiração para progressistas ou uma aflição para conservadores e liberais. 
A expansão do comunismo no pós-Segunda Guerra Mundial ameaçou tornar-se um destino. 
Mais de um terço da humanidade chegou a viver em regimes moldados ou inspirados na fórmula vitoriosa dos bolcheviques. 
Nem a barbárie das fomes impostas que levaram a morte de milhões de camponeses, nem como purgas estalinistas, nem o Gulag, nem o novo imperialismo soviético, nem o esmagamento da revolta de 1956 ou da Primavera de Praga de 1968 foram capazes de matar no Ocidente a crença num lugar com "amanhãs que cantam". 
Foi o fim da Guerra Fria, o colapso soviético em 1991 e o augúrio de um "fim da História" que imporia o triunfo generalizado da democracia liberal a esvaziar irreversivelmente o poder dessa ideia.

Separar os "brancos" dos "vermelhos"

O registo frio com que se comemoram os 100 anos da revolução é o sinal inequívoco desse triunfo. 
Pelo menos na Europa Ocidental. 
Em Bruxelas, os países que ficaram do outro lado da Cortina de Ferro invocam os tempos sombrios da era soviética. 
Nas outras capitais europeias, organizam-se conferências e pouco mais. 
Para a publicação da revista "Dom Quixote", uma obra seminal da Revolução publicada pela primeira vez em 1996, publicação de uma nova biografia de Lenine da autoria do historiador Victor Sebestyen (Lenin, o Ditador: Um retrato íntimo) ou uma nova interpretação dos eventos revolucionários de Sean McMeekin (Revolução Russa, uma nova história), um editorial efeméride ao lado do universo.

Na Rússia, uma pátria da Revolução, como uma justificativa para um atraso da noção sobre uma decrepitude de uma ideia. 
Ou da rejeição do legado que ela gerou. 
Uma era soviética é ainda uma ferida aberta o regime tentando cicatrizar com o esquecimento. 
Nesse esforço, tudo ato com cautela e precisão, até porque o Partido Comunista e ainda hoje a segunda força política (obteve 13% dos votos em 2016). 
O Governo nomeou uma comissão para organizar como comemorações da empresa e entregou a sua liderança a Sergey Naryshkin, que dirige uma Sociedade Histórica da Rússia e os serviços secretos sem exterior do Governo (um SVR). 
O seu programa consiste em promover conferências, numa recriação da tomada do Palácio de Inverno e pouco mais. 
Falar da revolução, sim, desde que se evite uma fractura que há 100 anos separa os "brancos" (igreja, nobres, conservadores) dos "vermelhos". 
Ao contrário do que aconteceu há dez anos, a televisão ausentou-se em sintonia com o desinteresse que se instalou na sociedade russa.

Se na Rússia há condescendência ou apoio ao legado do regime que nasceu da revolução de 1917, principalmente entre os mais velhos, também há contestação e intolerância. 
"Há muita gente que considera uma revolução para uma Rússia. 
Como uma extrema-direita ou uma Igreja Ortodoxa Russa ", diz José Milhazes, jornalista e historiador que viveu 38 anos em Moscovo. 
"Há quem considere o czar Nicolau II um santo e diga que revolução de outubro foi uma obra do diabo, da maçonaria, dos judeus", acrescenta o jornalista. 
Uma saudade do tempo imperial, em que uma "Rússia Sagrada" se manifestava numa aliança inabalável entre a Igreja, a nobreza e o czar permanece. 
Este Verão, o anúncio da estreia de um filme de Alexei Uchitel que contava uma relação amorosa entre o czar Nicolau II e uma bailarina polaca (Mathilda Kschessinska) gerou uma vaga de protestos entre os ortodoxos que culminaram no lançamento de cocktails molotov contra o estúdio do realizador. 
Uma relação que está na base do guião aconteceu antes do czar se casar com Alexandra. Mas nem essa factualidade impediu que o extremismo da direita admite uma "afronta" à imagem imaculada do imperador.

O cuidado com que o Governo pretende organizar como comemorações pretende continuar com uma linha de reconciliação do país que Boris Ieltsin inaugurou e que Vladimir Putin e seu companheiro de hardware Dmitri Medvedev tentam há anos consolidar. 
Em 2005, uma data que celebrava o dia do assalto ao Palácio de Inverno (8 de Novembro) deixou de ser feriado. 
O Kremlin usa agora essa data para celebrar com paradas militares a partida dos soldados que, em 1941, saíram da Praça Vermelha para travar o avanço dos alemães que estão a portas de Moscovo, na II Guerra Mundial. 
Em vez da revolução, uma Rússia comemora hoje no dia 4 de Novembro, "Dia do Acordo e Reconciliação", feriado que celebra uma expulsão das tropas polacas em 1612, o primeiro passo para uma criação do estado moderno na Rússia com um poder subido ao poder dos Romanov.
Putin tem uma relação muito ambígua em relação ao passado soviético. Elogia uns factos, condena outros. Isso cria alguma confusão "José Milhazes, jornalista
Para um homem como Vladimir Putin, um ex-agente da KGB que chegou à presidência em 2000, uma revolução para um acidente de percurso, mas uma queda da União Soviética "foi uma maior tragédia geopolítica do século XX", como afirmou há anos no Parlamento. "Putin tem uma relação muito ambígua em relação ao passado soviético. 
Elogia uns factos, condena outros. 
Isso cria alguma confusão ", diz José Milhazes. 
Por um lado, uma Rússia que ele quer personificar é uma entidade e indivisível que vem dos czares, abarcou uma era soviética e se prolonga naturalmente sob o seu comando. Nessa linha fluida do tempo, não pode haver lugar para nódoas, nem revoluções. 
Com a sua subida ao poder, os livros escolares deixaram de denegrir o passado soviético. Em 2007, numa conferência com professores de História, Putin declarou que "sim, nós tivemos algumas páginas terríveis; lembremo-nos dos acontecimentos iniciados em 1937, não nos esqueçamos deles "(no momento em que você é o melhor do que o culminou nos infames" julgamentos de Moscovo ", onde Estaline dizimou a velha guarda do bolchevismo condenando a morte líderes como Zinoviev, Kamenev, Radek ou Bukharin). 
"De qualquer modo", continuou, "nós não lançamos mais bombas sobre um pequeno país de que todas as bombas largadas na II Guerra Mundial, como os americanos, não o Vietname".
Comemorar uma revolução pode fazer o sentido para sublinhar como conquistas soviéticas na ciência ou para celebrar o esforço titânico da Rússia na II Guerra Mundial e homenagear os 20 milhões de russos mortos na vitória contra os alemães. 
Não para homenagear vanguardas revolucionárias ou movimentos de massas em desafio às autoridades. 
Putin acolhe nas suas pontas com o passado figuras como Estaline ou Ivan, o Terrível, porque eles ajudam a projetar e a consolidar o sonho da Grande Rússia. 
Não é, de resto, acompanhado por uma parte significativa da população russa. 
Na sua introdução à edição comemorativa dos 100 anos da revolução da obra A tragédia de um povo, um historiador Orlando Figes lembra um concurso de 2011 na televisão chamado "Tribunal do Tempo", em que se discutiam os crimes humanos praticados na era de industrialização de Estaline. 
Nas suas respostas, 78% dos espectadores consideraram que esses crimes são justificados à luz de uma "necessidade terrível".


Como causas e como consequências

Para restaurar o significado original do imparável "movimento de massas" que entre Fevereiro e Novembro de 1917 derrubou a dinastia Romanov que durava há três séculos e seguiu Lenine e Trotsky no destino que levaria a um mundo melhor, talvez faça sentido olhar para as, perceber uma lógica do movimento e, por um instante, parar no momento da tomada de poder dos bolcheviques. 
Em Fevereiro, uma falta de pão em Petrogrado (na época a capital imperial) origina uma série incontrolada de greves e de conflitos com uma polícia. 
Os soldados, vítimas de uma cadeia de comando insensível e incompetente que conduzira à matança na frente leste da Primeira Guerra Mundial, colocam-se ao lado da população. 
O poder do czar e da oligarquia fica nu. 
Daí a seis meses, seria uma vez do ensaio de democracia parlamentar conduzido pelo governo de Kerensky ser dizimado pelo radicalismo imparável dos bolcheviques.

A primeira etapa da revolução, em Fevereiro, pode ser vista como uma repetição dos protestos de 1905, que forçaram o czar Nicolau II, o "grande autocrata da Rússia", como se intitulava, em resignar-se a uma abertura do regime, autorizando uma criação de um parlamento (uma Duma). 
Era, afinal, o corolário de uma longa luta entre como aspirações de uma sociedade cada vez mais urbana e aberta aos avanços do constitucionalismo, dos direitos e liberdades fundamentais e da democracia burguesa que se haviam espraiado um pouco por toda a Europa durante o século XIX. 
Na Russia, no entanto, todas como tentativas de abertura acabaram por ser violentamente reprimidas. 
Em 1860, Alexandre II, avô de Nicolau, ensaiou uma tímida liberalização: libertou os servos, uma organização de partidos, relaxou a censura e ensaiou um programa de reformas na administração para um regime de dissidência e demolição um anacrónico e fossilizado. 
O seu assassinato em 1881 pelo grupo extremista Vontade do Povo deitaria tudo a perder.
Uma revolução socialista é o acontecimento que simboliza a luta pela emancipação dos seres humanosManuel Rodrigues, diretor do "Avante"
O seu filho Alexandre III e, depois de 1894, Nicolau II dispuseram-se a enfrentar os liberais e os socialistas e o modelo da versão original da tradição autocrática "moscovita". 
Uma insensibilidade do último czar perante como carências do seu povo era extrema - na celebração da sua coroação, em 1896, 1300 pessoas morreram esmagadas, mas não há impediu a família imperial de ir ao baile organizado pelo embaixador francês na noite. 
A era da repressão continuada e brutal e a violência política que fez germinar os socialistas revolucionários ou os operários social-democratas (os bolchevistas são o ramo radical deste partido) tornou-se uma forma de vida. 
Em 29 de Janeiro de 1905, dia da ficção conhecida por "domingo sangrento", como forças de segurança, puderam disparar livremente para travar o avanço de manifestantes indefesos, entre os quais mulheres e crianças. 
Morreram mais de mil pessoas. 
Em Junho, no esmagamento do motim da tripulação do couraçado Potemkin, dois mil civis perderam a vida.

Nicolau II "foi o pior czar da História da Rússia e levou o país para a catástrofe", diz José Milhazes. 
A sua vontade é uma participação social, mas uma abertura do regime que anunciou num manifesto colidia com uma vontade e não passa de um gesto de dissimulação. 
Uma Duma tinha apenas um poder decorativo. 
A passagem pelo cargo de primeiro-ministro de políticos reformistas como Piotr Stolypin revelou-se inútil perante como forças conservadoras congregadas em torno do czar (Stolypin seria assassinado na ópera de Kiev por um esquerdista radical e seu nome acabado eternizado nas "gravatas de Stolypin" , que Lenine citava para descrever os seus métodos repressivos). 
O poder oculto de um místico como Grigori Rasputin na corte imperial (a imperatriz Alexandra, de origem germânica, acreditava que ele era poderes para curar a hemofilia do príncipe herdeiro, Alexei) causava revolta. 
Os escândalos financeiros em que Rasputin se envolveu e os seus deboches sexuais tornaram-no num personagem odiada - acabaria assassinado a tiro por dois homossexuais próximos da Corte em Dezembro de 1916, depois do veneno servido com vinho Madeira não tem resultado.

A entrada da Rússia na I Guerra Mundial colocaria o regime sob um stress insustentável. 
A revolta de Fevereiro de 1917 obriga o czar, perplexo e queixoso dos "traidores", em abdicar. 
Um governo provisório dominado pela esquerda radical sob a presidência de Kerensky toma o poder. 
A dinâmica da revolução entra então numa espiral de descontrolo. 
Ao lado do poder do Governo ergueu-se um novo poder centrado não Soviete de Operários e Soldados de Petrogrado. 
Os sovietes (conselhos) têm aparecido na revolta de 1905, mas 12 anos, depois mostram uma capacidade de mobilização e de influência em breve esvaziaria o Governo. Principalmente depois de Lenine ter feito a sua longa viagem num comboio pago pelo Governo alemão (interessado na desestabilização do país) e desembarcado na Estação da Finlândia, em Abril de 1917. 
O contrário das expectativas, o Governo não acaba com a guerra. 
Nem avançou com uma entrega de terras aos camponeses. 
Nem foi capaz de gerir a máquina administrativa do Estado para garantir alimentos básicos a população ou a soldados da frente. 
No final de Outubro, uma era urbana da Rússia ou caos. 
No culminar da tensão em dias, Lenine e Trotsky forçam o golpe, apesar da oposição interna no partido. 
O apelo a "todo o poder aos sovietes" estava um dar frutos. 
A sua "dinâmica revolucionária" era imparável. 
O escasso poder do Governo não tem palácio de Inverno ruíra. 
A ditadura do proletariado estava para breve.


O talvez talvez presente

Mais do que como consequências trágicas do terror leninista e estalinista, uma grande lição que pode ser extrair da Revolução de Outubro, está na sua dinâmica. 
Um líder determinado e ousado como Lenine, capaz de organizar uma vanguarda revolucionária para derrubar o poder, faz sentido nos nossos tempos? 
O descodificador generalizado das massas populares é capaz de promover na realidade abalos sísmicos que obrigam à mudança de regimes? 
Não é o seu prefácio à edição real de A Tragédia de um Povo, Orlando Figes deixa pistas para estas interrogações. ~
Para o historiador, como semelhanças entre a Revolução de Outubro e a Euromaidan na Ucrânia, em 2013, ou a Primavera Árabe são evidentes. 
Depois, os métodos do ISIS (Estado Islâmico), "o uso da guerra e do terror para criar um estado revolucionário, uma devoção fanática e disciplina militar dos seus seguidores, o seu uso brilhante da propaganda com aprendidos com os bolcheviques na guerra civil russa ".

Fazer pontes entre o passado e o futuro é um exercício de riscos e de duvidas. 
"1917 para 1917. 
Uma revolução resultou de um exército de camponeses desmoralizados por derrotas sofridas, com uma elite político-social mais ou menos desacreditada em termos de legitimidade e de teimosia de Kerensky em querer prosseguir a guerra ao lado dos Aliados anglo-franceses a quem a era da Federação Russa devedora de grandes somas ", nota Jaime Nogueira Pinto. 
"Havia um operariado forte nas áreas de Petrogrado e Moscovo e da Lenine, que percebia de técnicas de golpe de Estado e de revolução, como se viu nas Teses de Abril e não que fez depois", acrescenta o politólogo. 
Manuel Rodrigues segue de perto esta análise quando diz que "nenhum acontecimento é repetível sem como condições exatas em que se desenvolveu". 
E explica: "A revolução aconteceu no contexto Objetivo da Velha Rússia, um país oprimido, num tempo de guerra, com grande miséria e um povo com mais de 75% de analfabetos. 
E assim como os factos subjetivos, como o papel notável de Lenine , uma teoria revolucionária de Marx e Engels, uma formação dos sovietes ou do partido bolchevique ".

Mas não é perceptível em fazer cenários e em retirar dos acontecimentos de há 100 anos lições que podem antecipar os desafios do presente. 
"Marx e uma revolução russa de interesse, dada a crescente clivagem que hoje existe entre como classes sociais. 
O que é evidente na ascensão dos povos e uma clivagem entre uma classe globalizada e uma classe não globalizada. 
Não sei se aí não há risco de um momento atual de uma vingança de uma classe sobre um outro ", explica Paulo Rangel. 
"Só Escapo da nossa imaginação e regressar no tempo 100 anos, num contexto diferente, com guerra, carências, etc., para entendermos como é que é como um majestoso para um momento para o outro", diz Rui Tavares. 
Olhando o presente, pode haver um novo cataclismo como este? 
"Eu digo que sim. 
Uma revolta e indignação são reais. 
Nós estamos num período de grande imprevisibilidade política. 
O populismo é uma ameaça ", considera este historiador.
Só na nossa imaginação e regressar no tempo 100 anos, num contexto diferente, com guerra, carências, para entendermos como é que como massas podem virar de um momento para o outro "Rui Tavares, historiador
Um movimento de massas revolucionário "é mais provável do que aquilo que todos julgamos. 
Uma revolução no sentido mais mítico do termo não é improvável. 
Uma simples sucessão de acontecimentos nos últimos três anos, com o Brexit, uma eleição de Trump, os regimes da Hungria ou da Polônia ou uma Catalunha, mostram-nos que algo pode estar a acontecer. 
Não sei o quê, mas que possa acontecer alguma coisa, isso pode ", nota Paulo Rangel. Numa terminologia de inspiração marxista, pode dizer-se que o mundo real existe a criar "condições objetivas" para novos abalos como o de 1917. 
O que consagraria a fatalidade do materialismo dialéctico. 
"O rumo da História é este: uma sociedade com classes antagónicas, com oprimidos e opressores, levará sempre os oprimidos a devenvolverem lutas no sentido de se libertarem", argumenta Manuel Rodrigues.

Se é uma revolução de 1917, mostramos como uma injustiça, uma opressão ou uma carência de bens básicos são capazes de mobilizar multidões, uma energia de protesto para a concretização de uma idéia de uma edição de uma ideia para a cimentar. 
Para os comunistas, o programa de Lenine e dos bolcheviques permanece real. 
"A luta pelo ideal de uma sociedade onde não haja exploração do homem pelo homem contínuo e a origem de novos projetos", diz Manuel Rodrigues. 
Mas, essa visão não é ainda hoje ainda utopia do que era há 100 anos? 
Afinal, não é o próprio regime soviético, um insígnio que todos os homens são iguais, mas que há homens mais iguais para outros, na célebre definição do estalinismo feito pelo britânico George Orwell no seu seminal O Triunfo dos Porcos?

O que é evidente na ascensão dos povos e uma clivagem entre uma classe globalizada e uma classe não globalizada.
Paulo Rangel, eurodeputado o romantismo de uma sociedade perfeita, sem classes, sem exploradores e explorados, "tem um ver com uma utopia e com uma radicalidade da utopia. Ou dos mitos. 
É uma ideia de uma sociedade perfeita que transforma a condição humana ", diz Jaime Nogueira Pinto, que avisa:" Não fundo é uma ideia - romântica e anti-cristã - que uma sociedade pode, por voluntarismo, mudar a condição humana. 
Resultou mais em distopia do que em utopia. 
Não existe um problema, mas também é necessário manter essa ideia de mudança, sem a qual ainda estaríamos nas cavernas ou nas pirâmides "." A utopia faz falta ", avisa Paulo Rangel. 
E um instrumento para se ensaiar, também. 
Por exemplo, Ulrich Beck com sua "sociedade de risco", ou como o fez o polaco Zygmunt Bauman com o conceito de "sociedade líquida", nota Paulo Rangel, nenhum regulador com ideias a um código de ação para deixar de se pensar apenas no mundo mas para o transformar, como fez Karl Marx.
E aí, uma vez mais, o exemplo soviético, com a sua indiferença pela pessoa humana, é dissuasor. 
"O sonho da sociedade justa é um projecto que procede a revolução de Outubro e espero que sobreviva muitos anos ao final do comunismo", diz Rui Tavares. 
Porque, afinal, os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade são anteriores a Lenine e há uma corrente do pensamento socialista que vai resistindo aos humores do tempo. 
"Deve continuar a pensar-se o socialismo como começou a ser pensado na revolução Industrial. 
A revolução russa não conseguiu estragar essa ideia ", nota Tavares.
Até por isso, regressar a Novembro de 1917 é uma forma de afinar ideias para uma direita e para uma esquerda e uma pesquisa de acontecimentos de 1917 num tempo queeek não tão distante dias como se pensa. 
"O que eu preocupa é que estejamos a repetir o que aconteceu antes da Primeira Guerra Mundial", diz Paulo Rangel. 
Na Primavera de 1914 a Europa vivia descontraidamente e uma era de guerra para a generalidade dos europeus uma miragem. 
Em Agosto, começaram o horror com mais de 10 milhões de pessoas. 
E em Fevereiro de 1917 rebentou a primeira etapa de uma revolução que abalaria o mundo pelo seu radicalismo, pela sua violência e pelos custos humanos que provocou. 
Talvez, por isso, o regime soviético disponível para ser esquecido; mas como causas e processos, não. 

manuelcarvalho@publico.pt

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