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quinta-feira, 13 de agosto de 2015

15 anos depois, os russos menos inclinado a lançar a culpa para a tragédia do submarino Kursk

Daria Litvinova 
11 de agosto de 2015 19:55


A tragédia ocorreu em 12 de agosto de 2000, tornando-se um dos primeiros desafios graves enfrentados pela novo presidente da Rússia, Vladimir Putin.


Quinze anos depois de um dos piores desastres da história naval russa - o naufrágio do submarino Kursk no Mar de Barents em que todos os 118 tripulantes morreram - o número de russos que culpam as autoridades por não terem feito o suficiente para resgatar os marinheiros diminuiu.


 A tragédia ocorreu em 12 de agosto de 2000, tornando-se um dos primeiros desafios graves enfrentados pela novo presidente da Rússia, Vladimir Putin.
Enquanto no tempo e no rescaldo, as ações do presidente foram criticadas, uma pesquisa publicada segunda-feira pelo instituto de pesquisas independente Levada Center mostrou que 40 por cento dos russos pensam que as autoridades fizeram todo o possível para salvar a tripulação - em comparação com 34 por cento em 2010 e 23 por cento em agosto de 2000.

Na época, a rejeição de ofertas de ajuda de outros países a Rússia provocou indignação entre alguns membros do público.
Atitudes face à posição que também parece ter suavizado: Se há cinco anos, apenas 21 por cento dos inquiridos considerou a decisão certa, este ano, 28 por cento das pessoas concordaram com ele.

'Afundou'
Em um momento fatídico que seria lembrado e criticado por muitos anos, Putin disse à CNN Larry King: "Ele afundou" - e parecia sorrir - ao responder a uma pergunta sobre o que tinha acontecido com o submarino durante uma entrevista no canal de televisão um mês após a tragédia.

Esta resposta lacónica e comportamento do presidente foram travaram como sendo cínico, indiferente e inadequado para os próximos anos, e mais furioso aqueles que já acreditam que o governo poderia ter salvado alguns dos marinheiros.

Em 12 de agosto, o Kursk, um submarino nuclear e um dos maiores já construídos submarinos de ataque, foi participar de exercícios navais no Mar de Barents.
Como os resultados de uma investigação oficial mostrou mais tarde, um dos torpedos do Kursk estava carregando disparou acidentalmente por volta das 11:28, seguido por outra explosão minutos mais tarde, depois o que o submarino afundou.

Autoridades militares registraram somente que um incidente tinha ocorrido às 11:30, depois de não conseguir entrar em contato com a equipe várias vezes.

O navio teria sido localizado às 4:30 da manhã no dia seguinte, mais de 100 metros abaixo da superfície.
As tentativas para resgatar eventuais sobreviventes agarrou a atenção do mundo por mais de uma semana, mas foram infrutíferas: No momento em que as equipes de resgate noruegueses conseguiram abrir escotilha do submarino em 21 de agosto, todos dentro dele estavam mortos.
Vinte e três marinheiros agora acredita-se ter sobrevivido à explosão inicial durante várias horas antes de seu oxigênio acabar.

Jogo da culpa
Administração de Putin foi criticada por um monte de coisas - por esperar muito tempo para começar a operação de resgate, por recusar o auxílio de outros países, e pela aparente falta de preocupação demonstrada pelo próprio Putin: O presidente unicamente terminou suas férias em Sochi cinco dias após a tragédia.

"Eles deveria ter suscitado o alarme imediatamente.
Apenas em fazê-lo às 11:30 [pm], eram várias horas de atraso, "Boris Kuznetsov, um advogado que representou 55 famílias dos marinheiros falecidos, disse à estação de rádio Voz da América no ano passado.

Kuznetsov, que está agora na casa dos 70 anos, se mudou para os EUA em 2007, temendo prisão depois de ter publicado um livro chamado "afundou", que denunciou o fracasso das autoridades para salvar os sobreviventes das explosões.

O advogado afirmou que a explosão na Kursk foi gravada por um cruzador Pyotr Veliky chamado de (Pedro, o Grande) que estava por perto no momento.
A tripulação do cruzador também ouviu e gravou o que soou como a tripulação do submarino batendo em suas paredes, que marinheiros fazer em situações extremas para atrair a atenção, disse o advogado.

O seus laptops abertos, Kuznetsov disse à Voz da América, continuaram até 14 de agosto, por isso a conclusão dos peritos que todos haviam morrido por falta de oxigênio oito horas após a tragédia, e que até o momento o submarino foi localizado não havia ninguém para salvar, foi deliberadamente falsificado, porque as autoridades não querem admitir que estavam desamparados.

"O Reino Unido enviou um avião com aparelhos de resgate, mas foi proibido de entrar no espaço aéreo russo.
Os noruegueses ofereceram ajuda.
Tudo foi rejeitado.
O verdadeiro motivo foi o medo de mostrar total incapacidade para resgatar pessoas em situações extremas ", Kuznetsov foi citado pela Voz da América como dizendo.

Final infeliz
Em 2001, o casco do submarino foi levantado a partir do fundo do mar.
Um ano depois, a investigação oficial concluiu, nomeando a detonação acidental do torpedo como a causa do desastre.

Esta conclusão eliminou todas as outras versões - o submarino sendo atacado por forças navais estrangeiras, da Era da II Guerra Mundial __ explosão de uma mina debaixo d'água, o submarino colidir com alguma coisa no mar - que tem circulado na mídia por dois anos.

Nem todos aceitaram os resultados da investigação.
Alguns insistiram que o Kursk tinha sido atacado por um submarino norte-americano e Putin tinha deliberadamente ocultado a fim de evitar um conflito internacional.

No entanto, o caso foi fechado e declarou classificadas.

Os corpos de 115 marinheiros foram recuperados e identificados, vários oficiais militares foram demitidos e todos os membros da tripulação foram título póstumo concedido  Ordens de Coragem . Suas famílias receberam um total de até 23 milhões de rublos (cerca de 700.000 dólares na época) como compensação por parte das autoridades, o jornal Moskovsky Komsomolets informou em 2003.

domingo, 9 de agosto de 2015

O que é que a Alemanha tem que os outros não têm?

José Carlos Fernandes - 08 Agosto 2015

Em 8 de Maio de 1945, quando capitulou perante os Aliados, a Alemanha era um país devastado; poucos anos volvidos era a potência económica n.º 1 da Europa. 
O que aconteceu entretanto?

O Olympiapark, onde decorreram os Jogos Olímpicos de 1972, é uma das mais aprazíveis áreas de Munique. 
É hoje difícil adivinhar a história terrível que se oculta sob a relva que cobre a maior elevação do parque.

Olympiaberg, uma colina no Parque Olímpico de Munique
O Olympiaberg é uma das muitas colinas artificiais criadas após a II Guerra Mundial com os escombros resultantes dos bombardeamentos aliados (os alemães chamam-lhes Schuttbergen ou Trümmerbergen). 
Quase todas as grandes cidades alemãs têm pelo menos uma – a Teufelsberg, com 115 metros, é o segundo ponto mais elevado de Berlim, a Grüner Heiner de Stuttgart é ponto de encontro dos entusiastas do aeromodelismo, a Fockeberg de Leipzig serve de palco a um Grande Prémio para carrinhos de rolamentos e outras carripanas sem motor – e foram laboriosamente erguidas no rescaldo da guerra pela população civil, sobretudo pelas mulheres, as chamadas Trümmerfrauen (“mulheres dos escombros”).

Limpeza de escombros, Berlim, Julho de 1946

Os bombardeamentos aliados destruíram um quarto dos 16 milhões de lares alemães (e danificaram outro quarto), com as perdas a atingirem máximos de 70% em Colónia, 66% em Dortmund, 64% em Duisburg, 53% em Hamburgo, 52% em Hannover e 50% em Berlim, produzindo um volume total de escombros estimado em 400 milhões de metros cúbicos e deixando sem casa 18 a 20 milhões de alemães.

Colónia em 1945, com a catedral ao fundo

Em Dresden, que fora em tempos uma jóia da arquitectura barroca, conhecida como a “Florença do Elba”, os especialistas em planeamento urbano estimaram que a reconstrução levaria pelo menos 70 anos – e acabaram por não andar longe da verdade, já que a Frauenkirche, uma das mais belas igrejas da cidade, só viu o seu restauro concluído em 2005.

Dresden, final de 1945

A guerra causou também a destruição de 40% das infra-estruturas e de boa parte das indústrias, que eram alvo privilegiado dos bombardeamentos. 
As perdas humanas elevaram-se a 4,5 milhões de soldados e 1,5 milhões de civis, a que é preciso somar os três milhões de soldados feitos prisioneiros pelos soviéticos, dos quais mais de um terço pereceria devido ao tratamento desumano (replicando o que os alemães tinham antes dispensado aos prisioneiros soviéticos) e cuja libertação só ocorreu, para a maioria, cinco anos após o fim da guerra (os menos afortunados só regressaram à Alemanha em 1957).

Um major britânico, citado em Savage Continent: Europe in the Aftermath of World War II, de Keith Lowe (editado em Portugal como Continente Selvagem, pela Bertrand), constatava que “nos milhares de quilómetros que percorremos na Alemanha, o facto mais espantoso de todos foi a ausência de homens com idades compreendidas entre os 17 e os 40 anos. 
Era uma terra de mulheres, crianças e velhos”. 
O regresso dos prisioneiros em mãos soviéticas não foi suficiente para atenuar a falta de homens: 15 anos depois do fim da guerra, ainda havia na Republica Federal Alemã 126 mulheres para cada 100 homens.

Na Alemanha de 1945 não só havia um milhão de órfãos de guerra como muitas famílias tinham ficado separadas devido às deslocações e convulsões dos últimos meses de guerra. No Verão de 1945 havia 53.000 crianças perdidas só em Berlim.

[Berlim em Julho de 1945, em impressionantes e raras imagens a cores]

A derrota da Alemanha na I Guerra Mundial deixara-lhe o território e a população civil quase intactas, mas a derrota na II Guerra foi bem diferente: a Alemanha conduzira a guerra com extraordinária brutalidade, sobretudo na Frente Leste, o que levou a que recebesse tratamento recíproco; por outro lado, Hitler convenceu os alemães a segui-lo numa resistência fanática e vã, continuando a lutar quando tudo estava irremediavelmente perdido e infligindo à população civil sofrimento e destruição numa escala inaudita (o estertor do Reich é magistralmente descrito e analisado em Até ao Fim: Destruição e Derrota da Alemanha de Hitler 1944-1945, de Ian Kershaw).

A obstinação na luta para lá de tudo o que era razoável e a escala da destruição só teve equivalente no Japão em 1944-45. 
Como a Alemanha, também o Japão conduzira a guerra com uma desumanidade decorrente de um sentimento de superioridade racial e também se obstinou numa resistência irracional que deixou o país arrasado. 
Ao contrário da Alemanha, o Japão não conheceu combates terrestres no âmago do território nacional, mas as 160.000 toneladas de bombas lançadas pela Força Aérea Americana terão causado 240.000 a 500.000 mortes entre a população civil e destruído 40% da área das 66 cidades que foram alvo de ataques, deixando 8,5 milhões de pessoas sem tecto.

Shizuoka após um bombardeamento americano: a construção em madeira corrente no Japão de então favoreceu a criação de “tempestades de fogo” que arrasavam as cidades até aos alicerces

Só o raid sobre Tóquio na noite de 9 para 10 de Março de 1945 matou 80.000-100.000 pessoas, o que fez dele o mais mortífero de sempre – até ao ataque atómico contra Hiroshima.

Com as infra-estruturas e indústrias em ruínas, a economia estrangulada pelo bloqueio naval aliado e o fiasco da colheita de arroz de 1945, a fome teria devastado o país caso a guerra tivesse continuado.

À medida que a guerra se aproximava do fim, na Europa e no Extremo Oriente, os vencedores discutiam o que fazer às duas potências que tinham desencadeado a mais selvagem e mortífera guerra de todos os tempos. 
Para Henry Morgenthau Jr., Secretário de Estado do Tesouro das administrações Roosevelt, entre 1934 e 1945, o futuro da Alemanha não deveria ser muito diferente da bucólica imagem do Olympiaberg que abre este texto: a forma de impedir a Alemanha de voltar a desencadear uma guerra seria privá-la de qualquer indústria pesada, convertendo-a num “país de natureza essencialmente agrícola e pastoril”.

O Plano Morgenthau previa que as principais zonas mineiras fossem internacionalizadas ou anexadas aos países vizinhos e que toda a indústria pesada fosse destruída ou confiscada. Face à resistência fanática sustentada pelos nazis, Morgenthau advogava também uma ocupação em moldes severos: “É fundamental que cada alemão compreenda que a Alemanha é um país derrotado”.

Henry Morgenthau Jr., em 1947

O plano encontrou resistência no interior da administração Truman (que assumira a presidência em Abril de 1945, por falecimento do muito debilitado Roosevelt), mas as políticas impostas em 1945-46 acabaram por seguir a ideia genérica de limitar a indústria alemã, nomeadamente através do desmantelamento de 700 fábricas e da redução da capacidade de produção de aço para 6 milhões de toneladas.

O ex-presidente Herbert Hoover foi dos mais críticos do plano Morgenthau – afirmava que o retorno ao estado “pastoril” só seria viável se se exterminassem 25 milhões de alemães – e acabou por fazer ver a Truman que impedir os alemães de reconstruir o seu país iria gerar o caldo de cultura favorável à eclosão de movimentos extremistas: “Podemos ter vingança ou podemos ter paz, mas não podemos ter ambas.”

A imposição de regimes comunistas aos países do Leste europeu por um Stalin cada vez mais belicoso e ameaçador acabou por levar os EUA e os restantes parceiros a perceber que uma Alemanha forte seria indispensável para fazer face aos desígnios da URSS.

A França, compreensivelmente agastada por ser invadida de tempos a tempos por godos belicosos, pugnara para obter reparações de guerra, para que a indústria alemã fosse desmantelada e para que as zonas mineiras do Ruhr, Saarland e Rhineland ficassem sob controlo francês, mas em 1948 acabou por render-se à evidência de que os EUA e a Grã-Bretanha não aceitariam as suas exigências e que, atendendo a que a sua própria recuperação não poderia dispensar o carvão alemão, a melhor solução seria integrar a Alemanha numa estrutura europeia, onde, como diz Tony Judt em Post-war: A History of Europe Since 1945 (editado em Portugal pelas Edições 70 como Pós-Guerra: História da Europa desde 1945), ela “não poderia fazer mal do ponto de vista militar, mas poderia ser benéfica do ponto de vista económico”. 
Foi deste entendimento que nasceu, em 1951, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, a precursora da CEE.

Entretanto, na Alemanha sob ocupação soviética, a pretexto das reparações de guerra (e se havia país com direito a reclamar reparações da Alemanha era a URSS), as fábricas continuavam a ser sistematicamente esvaziadas de toda a maquinaria – esta era enviada para a URSS onde foi reinstalada nas fábricas ou simplesmente deixada a enferrujar, por não ter utilidade ou por ninguém saber como operá-la. 
A URSS tinha ainda ficado com direito a 15% do equipamento industrial da Alemanha Ocidental, mas a partir de 1946 os americanos opuseram resistência e acabaram por suspender os envios de maquinaria.

Além das perdas humanas e materiais acima mencionadas, a Alemanha via-se a braços com oito milhões de refugiados internos, muitos dos quais tinham fugido ao avanço do Exército Vermelho, a que se somariam em breve mais 11-12 milhões, expulsos da Polónia (sete milhões), Checoslováquia (três milhões), Lituânia, Roménia, Hungria e Jugoslávia, em resultado dos reajustamentos de fronteiras e do afã de limpezas étnicas do pós-guerra.

Entretanto, a ração média diária, que fora declinando ao longo da guerra, descera para 1400 calorias por altura da rendição alemã (os valores recomendados são de 2000-2500 calorias), continuou a baixar, já sob a ocupação aliada, para cerca de 1000 calorias em Setembro de 1945, e manteve-se em níveis perigosamente baixos durante os anos seguintes, com um ponto crítico a ser atingido no Inverno de 1946-47. 
Não é de admirar que a mortalidade infantil na Alemanha tenha registado valores duas vezes superiores à média da Europa Ocidental até 1948.

Alemanha, Março de 1947: Manifestantes reclamam carvão e pão

Havia mesmo economistas que previam que, sem as férteis terras agrícolas da Prússia Oriental e da Silésia, que a Alemanha perdera em 1945 para a Polónia, o país teria um défice alimentar crónico.

Mas a ruína não era apenas material, era também moral: só em Berlim havia 240 assaltos por dia e eram presas 2000 pessoas por mês – um aumento de 800% em relação aos valores de antes da guerra. 
Como escrevia no seu diário uma berlinense citada por Lowe, “toda a noção de propriedade foi completamente arrasada. 
Todos roubam a todos, porque já todos foram roubados”. 
A pouca supervisão exercida pelos pais, mais preocupados em assegurar a subsistência em condições de penúria extrema, ou até a sua completa ausência, fizeram a criminalidade juvenil atingir valores nunca vistos, com bandos de miúdos entregues ao roubo e até ao homicídio, como num O Deus das Moscas entre escombros.

No lado aliado havia quem temesse que os alemães mais novos, que tinham sido submetidos à doutrinação nazi, fossem irrecuperáveis. 
Um major britânico, também citado por Lowe, descrevia assim a mais jovem geração alemã: “Não há nada de decente, gentil ou humilde nela. 
Tudo é bestial, libidinoso e cruel. 
Trata-se de uma geração de homens treinados na barbárie […] 
Todos os alemães nascidos depois de 1920 estão sob um feitiço satânico. 
Quanto mais jovens, mais violentamente impregnados estão com este veneno maléfico […] 
É uma geração perdida.”

O clima de devastação material, dissolução moral e desespero reinante na Alemanha do pós-guerra ficou indelevelmente retratado em Alemanha Ano Zero (Germania Anno Zero, 1948), que Roberto Rossellini rodou nas ruínas de Berlim.



Todavia, no 4.º trimestre de 1949 a República Federal Alemã já atingira o volume de produção da Alemanha de 1936, e um ano depois já excedera este valor em 1/3. 
Entre 1950 e 1960, a economia cresceu à taxa média anual de 8% e o poder de compra dos trabalhadores aumentou 73%. 
A Alemanha converteu-se numa potência exportadora, com os seus produtos a imporem-se não por serem baratos, mas pela qualidade, inovação tecnológica e fiabilidade.

As exportações cresceram ainda mais rapidamente do que o PIB e o seu volume sextuplicou só entre 1948 e 1951. 
A quota da Alemanha nas exportações mundiais passou de 2% no final da década de 40 para 10% no início da década de 70 – e isto apesar de o marco alemão ter conhecido sucessivas valorizações. 
O fenómeno ficou conhecido como Wirtschaftswunder – o “milagre económico”.

Evolução do PIB per capita das principais potências entre 1900 e 1970 (preços ajustados a 1990)

O pós-guerra assistiu a bons desempenhos económicos em vários países da Europa Ocidental, graças, em parte, ao Plano Marshall, que a Europa de Leste (ou Stalin por ela) recusou. 
Em França fala-se de Les  trente  glorieuses para designar o período de crescimento vigoroso entre 1945 e 1975 e a Itália também teve o seu Miracolo  economico entre 1950 e 1963. 
A Suécia até conseguiu fazer melhor do que a Alemanha, crescendo à vertiginosa taxa média anual de 12,5% entre 1947 e 1974 – porém, a Suécia teve as tremendas vantagens de ter passado incólume (ou até com chorudos lucros) pela II Guerra Mundial e de não ter tomado partido na Guerra Fria.

O Plano Marshall não basta para explicar o surpreendente desempenho alemão, já que a ajuda recebida pela Alemanha Ocidental – 1.400 milhões de dólares – foi cerca de metade da recebida pela França – 2.800 milhões – e pela Grã-Bretanha – 3.165 milhões – e aproximadamente a mesma que foi recebido por Itália e pelo Benelux – 1.500 milhões. 
A ajuda do Plano Marshall também não explica a diferença de desempenho da Grécia e da Áustria no pós-guerra, já que ambas receberam cerca de 700 milhões de dólares.

Também o clássico A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, de Max Weber, é de pouca ajuda a explicar a particularidade alemã, já que as regiões de forte predominância luterana – Brandenburg, Prússia e Saxónia – ficaram no que viria a ser a República Democrática Alemã, o que deixou a RFA num equilíbrio 50-50 entre católicos e protestantes.

Em The Wealth and Poverty of Nations (publicado em Portugal pela Gradiva como A Riqueza e a Pobreza das Nações), uma iluminadora panorâmica da economia mundial desde a Idade Média ao final do século XX, David S. Landes é evasivo quando chega a altura de explicar o milagre económico alemão: diz que foi realizado com “a energia e os hábitos de trabalho” do povo alemão.

Fábrica da Volkswagen, anos 50

Umas linhas abaixo diz algo de semelhante do “milagre económico” japonês – “assentou em trabalho, educação e determinação” – e acrescenta uma explicação adicional: uma “ética de responsabilidade colectiva […] que produziu trabalho de equipa eficaz, partilha de ideias entre trabalhadores e gestores e uma atenção a detalhes que permitiu eliminar o erro”, uma atitude que também se aplica à Alemanha.

É verdade que nem tudo no milagre japonês passou pela ética e os métodos que empregaram para impedir a concorrência de produtos importados no seu país foram francamente desonestos – uma vez que não podiam impor barreiras alfandegárias, por receio de retaliações, sujeitaram a comercialização de produtos no Japão a especificações absurdamente minuciosas, concebidas para excluir tudo o que não fossem os produtos japoneses. 
Chegaram, como conta Landes, a tentar bloquear a importação de skis franceses alegando que não eram adequados à neve japonesa.

Taxa de crescimento da produtividade, em %, na Alemanha (azul escuro), França (roxo), Itália (azul claro), Áustria (laranja), Japão (amarelo) e média da Europa Ocidental (vermelho). Os aumentos de produtividade da Alemanha na década de 50 seriam superados pelos do Japão na década de 60

Judt oferece em Post-War explicações menos vagas para o milagre económico alemão: uma foi a descentralização; outra foi a reforma das instituições de forma a que não voltassem a viver-se os anos caóticos da República de Weimar, cuja instabilidade política favorecera os movimentos extremistas. 
As novas disposições constitucionais, que limitavam os poderes do governo mas também não permitiam que ele pudesse ser facilmente derrubado, ajudaram a que o Partido Democrata-Cristão (CDU) se mantivesse no poder em ininterruptamente entre 1949, quando tiveram lugar as primeiras eleições da RFA, e 1966.

Konrad Adenauer, chanceler entre 1949 e 1963, e Ludwig Erhard, ministro da Economia entre 1949 e 1963 (e chanceler entre 1963 e 1966), apostaram na “economia social de mercado”, que acreditava no comércio livre e na iniciativa privada, mas não se abstinha de intervir na economia. 
Nos anos 50, o Estado “detinha ou controlava 40% da produção de carvão e aço, 1/3 da geração de electricidade, 3/4 da produção de alumínio e a maioria dos bancos”. 
E, uma vez que, em 1950, 17 milhões de habitantes da RFA ainda não tinham casa ou viviam em condições muito precárias, foi o Estado que lançou vastos programas de habitação social.

Igualmente crucial foi a minimização dos conflitos laborais, graças a uma lei de 1951 que “obrigou as grandes empresas dos sectores do aço, carvão e ferro a incluir representantes dos trabalhadores nos conselhos de supervisão, prática depois alargada a outros sectores”.

Uma das principais vantagens de que a Alemanha desfrutava era a abundância de mão-de-obra barata e qualificada: as muitas vidas perdidas na guerra foram compensadas pelos milhões de Vertriebene, os alemães expulsos dos territórios perdidos a Leste e das operações de limpeza étnica noutros territórios com secular presença alemã, e pelos alemães que fugiram da zona de ocupação soviética. 
Dos 12-13 milhões de Vertriebene, nove milhões instalaram-se no que viria a ser a RFA e dos que ficaram na zona soviética, mais 1,5 milhões acabariam por deslocar-se para ocidente – isto antes de as autoridades da RDA terem posto fim à sangria de população.

À mão-de-obra germânica juntaram-se, a partir de final dos anos 50, os emigrantes (Gastarbeiter) vindos dos países da bacia mediterrânica, destinados sobretudo a trabalhos pouco qualificados.

Gastarbeiter turcos desembarcam em Hamburgo

Como escreve Judt, nas duas décadas do pós-guerra não foi preciso envidar esforços para desviar o interesse dos alemães da política em favor da produção e do consumo, já que os alemães se entregaram de alma e coração à produção e ao consumo. 
E fizeram-no com o mesmo espírito cumpridor e escrupuloso com que tinham obedecido às mais bestiais ordens de Hitler.

Os engenheiros que tinham aperfeiçoado os fornos crematórios de forma a reduzir o tempo de cada fornada de cadáveres punham os seus conhecimentos ao serviço da concepção de aspiradores fiáveis. 
Os funcionários que tinham organizado meticulosamente o transporte ferroviário de milhões de judeus vindos de toda a Europa para os campos de extermínio ocupavam-se agora com igual zelo da maximização da eficiência das linhas de montagem da Volkswagen.

A Volkswagen festeja a saída da fábrica do centésimo milésimo exemplar da carrinha Typ 2, em 1954

O poeta e ensaísta Hans Magnus Enzensberger observava, a propósito da energia, zelo e determinação com que os alemães se entregaram ao trabalho e ao consumo, que esta resultava da conversão dos seus defeitos – como a obediência cega – em virtudes: os alemães “tinham literalmente perdido o juízo e essa era a condição para o seu sucesso futuro”.

Clientes aguardam a abertura de uma nova loja, 1951

Enquanto a Alemanha Ocidental vivia neste frenesim de produção e consumo, o que se passava a Leste? 
Os alemães da RDA tinham uma ética de trabalho, uma disciplina e um nível de formação comparável aos da RFA, ainda que a sua força de trabalho tivesse sido drenada pela fuga de muitos elementos mais qualificados e com mais iniciativa para ocidente. 
Mas essas qualidades de pouco serviam no contexto de um regime repressivo e de uma economia centralizada e planificada.

O que Anne Applebaum escreve em Iron Curtain: The Crushing of Eastern Europe (publicado em Portugal pela Civilização como A Cortina de Ferro: O Fim da Europa de Leste) a propósito das fábricas polacas pode ser extrapolado para as da RDA e de toda a Europa de Leste: não tinham incentivos para produzir artigos de qualidade “porque como havia falta de tudo, qualquer coisa que uma fábrica produzisse encontrava sempre comprador”.

Como os preços eram fixados pelo Estado, não valia a pena produzir artigos diferenciados, visando clientes mais exigentes, e, dado que gestores e operários eram empregados do Estado, com salários pagos pelo Estado, ninguém via “necessidade de se entregar a esforços especiais”. 
Bem podia Walter Ulbricht, um dos mais influentes políticos da RDA, convocar as massas para a batalha da produção com frases grandiloquentes como “o novo ser humano socialista deverá pensar como Lenin, agir como Stalin e trabalhar como Stakhanov”.

Judt dedica um capítulo de Post-war à comparação entre os paradoxais destinos das economias da Alemanha e da Grã-Bretanha no pós-guerra: em 1958 a economia do grande derrotado da II Guerra Mundial já ultrapassara a do único país europeu que averbara uma incontestável vitória nesse conflito. 
Harold Macmillan, um dos mais proeminentes políticos britânicos do pós-guerra e que foi primeiro-ministro entre 1958 e 1963, tinha razão para desabafar: “Claro que se tivéssemos conseguido perder duas guerras mundiais, ver perdoadas as nossas dívidas […] e não ter que manter forças no Ultramar, poderíamos estar tão ricos como os alemães.”

Parte do sarcasmo de Macmillan era justificado, já que a Grã-Bretanha, a fim de financiar seis anos de conflito, contraíra, sobretudo junto dos EUA, uma dívida colossal, que em 1945 atingia 200% do PIB, valor que só fora antes atingido no final das Guerras Napoleónicas. Seria um fardo incómodo para as finanças britânicas do pós-guerra e a última prestação só seria liquidada em 2006.

Por outro lado, a Alemanha, que fora a causadora e a derrotada da guerra, ficara num estado de destruição tal que ninguém insistiu muito no pagamento de dívidas ou de reparações de guerra significativas (ver Uma factura detalhada para Angela Merkel)
Tendo os Aliados imposto restrições à dimensão e nível de equipamento das novas forças armadas alemãs, a despesa militar da RFA era relativamente baixa – em 1955 representava cerca de 4% do PIB, enquanto a Grã-Bretanha, com tropas espalhadas por um império a minguar mas ainda vasto, gastava 8,2% do PIB.

Mas parte da culpa era dos próprios britânicos: as suas indústrias continuaram presas a processos obsoletos, os conflitos laborais sucediam-se e a gestão era incompetente. 
A ineficiência era tal que, como fazia notar John Maynard Keynes, não conseguia sequer tirar partido de o custo de mão ser obra inferior ao dos EUA numa proporção de 2 para 5. 
A melhor coisa que poderia acontecer à economia britânica, sugeria Keynes, era que a Força Aérea Americana “destruísse todas as fábricas da costa nordeste e do Lancashire, a uma hora em que as fábricas estivessem vazias mas os conselhos de administração lá estivessem reunidos”.

Começar do zero é sempre um processo penoso, mas, num mundo em mudança acelerada, pode dar vantagens sobre competidores que permanecem enredados em velhas estruturas e hábitos. 
Embora não seja um processo recomendável para renovar uma economia, a devastação que se abateu sobre a Alemanha e o Japão acabou por trazer benefícios no médio e longo prazo.

A Alemanha e a prosperidade do pós-guerra

Hoje há quem veja na Alemanha reunificada uma super-potência com ambições hegemónicas, que em vez de subjugar a Europa com Panzers e Stukas a invade com Audis e Lidls e impõe unilateralmente regras de conduta rígidas e brutais aos seus parceiros meridionais da União Europeia – há mesmo quem se refira à Alemanha de hoje como o IV Reich.

Curiosamente, em Post-war, Tony Judt atribui o milagre económico da Alemanha do pós-guerra à política económica do III Reich: “os investimentos dos nazis – em comunicações, fabrico de armamento e veículos, equipamentos ópticos, indústria química e metalomecânica ligeira – foram realizados para sustentar uma economia de guerra, mas pagaram dividendos 20 anos depois”.

Na verdade, muitos dos planeadores e gestores que ocuparam os cargos de decisão em empresas e no Estado no pós-guerra tinham começado as suas carreiras às ordens de Albert Speer, o ministro do Armamento e Produção de Guerra de Hitler. 
A ascensão da Alemanha no pós-guerra fez-se também à custa de uma amnésia selectiva, que atribuiu as culpas da guerra a uma minúscula minoria de fanáticos nazis e ilibou o resto da população.

O conceito de Stunde null (Hora zero), que corresponde à meia-noite de 8 de Maio de 1945, quando entrou em vigor a rendição da Alemanha, pode sugerir que não só o povo alemão tinha ali a oportunidade para um recomeço, mas também que tudo o que ficara para trás deveria ser esquecido e que o contador deveria ser posto a zero.

Uma coisa é não deixar que azedumes passados inquinem o presente e outra bem diversa é apagar completamente o passado – o equilíbrio entre as duas atitudes é muito delicado e basta uma situação de crise para que seja perturbado e para que velhas recriminações entrem em colisão com amnésias convenientes.

É o caso de um evento que contribuiu para a recuperação da Alemanha no pós-guerra, que esteve esquecido durante mais de meio século e que a presente crise da dívida soberana grega veio ressuscitar. 
Em 1953, o London Debt Agreement perdoou parcialmente à Alemanha uma dívida de 32 mil milhões de marcos, metade dos quais correspondiam a indemnizações respeitantes à I Guerra Mundial (cujo pagamento Hitler suspendera assim que tomara o poder em 1933) e outra metade dizendo respeito a empréstimos para a reconstrução no pós-guerra, contraídos sobretudo junto dos EUA. 
Não era uma dívida insustentável para uma economia em velocidade de cruzeiro – representava 25% do PIB alemão – mas era um fardo pesado para um país em reconstrução.

Invocando este antecedente, a Grécia, que era um dos credores envolvidos no acordo de 1953, tem vindo a reclamar que a sua dívida à troika seja também cancelada, mas convirá lembrar que o perdão concedido aos alemães em 1953 não foi a abolição pura e simples da dívida, mas o seu corte em cerca de 50% (para 15 mil milhões de marcos) e a dilatação dos prazos de pagamento, que foram reescalonados ao longo de 30 anos (embora a última fatia tenha acabado por ser paga apenas em 2010). 
Acontece que, com o haircut de 50% concedido em 2011 e as renegociações de juros e prazos, a Grécia já obteve um perdão parcial análogo ao da Alemanha.

Seja como for, “o milagre económico alemão” não é uma fábula tão exemplar como a Alemanha gostaria de fazer crer e Rainer Werner Fassbinder dá a entendê-lo no filme O Casamento de Maria Braun (Die Ehe der Maria Braun, 1979), que lança um olhar pouco amável sobre as contradições e zonas de sombra daqueles anos.           

Se Alemanha Ano Zero é o símbolo cinematográfico da Alemanha no fundo do abismo, O Casamento de Maria Braun é a visão amarga e desassombrada do reerguer do país: numa Alemanha destroçada e ocupada, Maria (um magnífico papel de Hanna Schygulla), uma jovem viúva de guerra, é empregada num bar frequentado por soldados americanos que trocam cigarros e meias de nylon por companhia e sexo, e engravida de um deles, Bill.

A luta pela sobrevivência vai tornando Maria, que começara o filme como um ser vulnerável, cada vez mais cínica, pragmática e oportunista. 
Inesperadamente, o marido de Maria, Hermann, que fora dado como morto em combate e afinal tinha estado prisioneiro dos soviéticos, regressa e surpreende a mulher com Bill. 
Os dois homens envolvem-se numa luta e Maria acaba por causar a morte de Bill. 
É levada a tribunal, mas Hermann intervém e assume a culpa pelo homicídio. 
Maria é libertada, trata de desfazer-se do filho de Bill que crescia dentro de si e conhece Oswald, um próspero empresário de meia-idade que a convida a trabalhar para si. 
Começa como secretária e rapidamente passa a amante e, com o dinheiro de Oswald, instala-se numa casa com todas as “conveniências” modernas. 
É nessa casa confortável e abastada que se desenrolam as cenas finais, que parecem prometer uma vida feliz para Maria e Hermann, que, entretanto, cumprira a sua pena por homicídio.

O desfecho, que sofrerá uma reviravolta trágica, tem por fundo o relato radiofónico do “milagre de Berna”, ou seja, a inesperada vitória da selecção alemã de futebol sobre a Hungria (que vinha de uma série de 32 vitórias consecutivas) na final do Campeonato do Mundo de 1954. 
O jogo termina com o locutor, em êxtase, a gritar “Deutschland ist wieder was!” – “A Alemanha volta a ser algo!” (ou “A Alemanha está de volta!”). 
É um filme que vale por muitas páginas de análise económica e política.

sábado, 8 de agosto de 2015

A Europa segundo Merkel

Revista Expresso
Cristina Peres  -  8 agosto 2015

A Alemanha tem um lugar difícil na Europa desde o século XIX, porém a chanceler tem uma visão otimista relativamente à capacidade de os europeus se reinventarem. 
A saída passa pela reforma profunda das economias da zona euro e se não for de livre vontade ela será imposta. 
Os próximos tempos vão determinar o modo como Angela Merkel virá a ser lembrada, ela que deverá recandidatar-se em 2017 a um quarto mandato à frente do Governo alemão

A alteração de paradigma foi denunciada por Joschka Fischer há duas semanas. 
Ao dizer que a Alemanha pela primeira vez desde o final da II Guerra Mundial preferira “menos Europa” a “mais Europa”, o ex-vice-chanceler alemão do Governo Gerhard Schroder (1999-2005) referia o resultado da noite de 12 para 13 de julho, a mais tensa das negociações entre os negociadores europeus e a Grécia. 
A questão sobejamente conhecida e tratada pela opinião e pelos meios de comunicação mais plurais é descrita por Fischer num artigo que pergunta “O ‘alemão detestável’ está de volta?” (Project Syndicate, 23 de julho): Angela Merkel terá sido obrigada a usar a sua habilidade para retirar da mesa a opção lançada pelo seu ministro das Finanças. 
Naquela noite, Wolfgang Schauble exerceu enorme pressão para que um Estado-membro da União Europeia saísse “voluntariamente” da zona euro, defende o fundador do partido dos Verdes alemães, sublinhando a argumentação de jurista de Wolfgang Schauble ao afirmar que o alívio da dívida grega só seria “legalmente” possível fora da zona euro. 
Por outras palavras, o ministro das Finanças alemão apontava um Grexit “voluntário” em alternativa à aceitação por parte da Grécia de condições que transformam o país num “protetorado europeu”.

Acontece que não há registo objetivo da afirmação por parte do Governo alemão de que a Grécia deveria sair da zona euro. 
“Apenas chamámos a atenção para o facto de Atenas poder decidir fazer um intervalo”, disse Schauble em entrevista à revista “Der Spiegel” de 17 de julho, durante a qual esclarece que o alívio da dívida não é possível na moeda da União Europeia porque “Os Tratados europeus não o permitem”.

A chanceler alemã foi “mais política” e ficou abertamente do lado da argumentação defendida por França e Itália, as segunda e a terceira maiores economias europeias a seguir à Alemanha, excluindo a saída da Grécia da moeda única. 
Fosse em termos temporários ou definitivos. 

O gesto valeu a Angela Merkel uma avaliação à altura da sua famosa e consagrada prudência e ponderação. 
A precipitação dos acontecimentos naqueles dias do processo da negociação com a Grécia obrigou ambas as partes a maratonas de trabalhos e a tomadas de decisão no limite dos prazos. 
E das forças dos seus intervenientes. 
Se Angela Merkel tivesse podido, escolheria ter tido e ter podido dar uma respiração ampliada ao processo. 
Ou não fosse ela uma política pragmática concentrada, ponderada, metódica e rigorosa também preparada para ser flexível e dialogante. 
E não tivesse valido ao gesto político na maratona de 12/13 de julho para lhe granjear, ou confirmar, o reconhecimento da sua visão europeísta. 

Angela Merkel é acima de tudo, uma negociadora. 
“Ela aguarda e vê até onde pode ir.” 
“Merkel espera” porque os negociadores nunca tomam decisões no primeiro momento, comenta com o Expresso Mónica Dias. 
A professora do Instituto de Estudos Políticos (IEP) da Universidade Católica Portuguesa diz que, a ter havido precipitação por parte da chanceler, ela já tinha acontecido no passado, quando foi “demasiado determinada” a identificar o sucesso do euro com o sucesso da Europa. 
Com essa identificação, perdeu margem de manobra, admite Mónica Dias. 
Isso não era evidente quando, em 2012, as sondagens lhe reconheciam uma taxa de 70% de aprovação por parte de um eleitorado que a considerava a líder política europeia mais capaz de garantir o rumo certo à União e ao euro. 

Provável sinal do desconforto com a situação atual terá sido a ligeira irritação que a chanceler deixou transparecer ao responder aos entrevistadores da estação estatal ARD quando questionada sobre as fricções internas na coligação durante a entrevista de verão, feita logo no início da semana que se seguiu às negociações com a Grécia. 
A chanceler respondeu que não tinha recebido nenhum pedido de demissão [aludindo ao seu ministro das Finanças]. 
Ponto final no assunto.

POUCO ESPAÇO PARA SURPRESAS
Desista quem insistir em encontrar dissonâncias nucleares entre os parceiros da coligação que governa a Alemanha. 
Para começar, discrição oblige. 
Além disso, se há princípio daquele Governo que coincide com o modus operandi estrutural da União Europeia é a negociação e o compromisso. 
A Europa é também isso mesmo, negociação e compromisso, um modo de funcionamento que serve como uma luva ao sistema político alemão. 

Após o escrutínio das urnas nas últimas eleições legislativas de 22 de setembro de 2013, que deram quase uma maioria absoluta (41,5% dos votos) aos democratas-cristãos da CDU/CSU, só em 27 de novembro se alcançou o acordo de coligação que conciliava as propostas dos dois partidos que formam a atual grande coligação — a CDU/CSU com o social-democrata SPD. 
Dois meses e perto de duas centenas de páginas de acordo de coligação depois, o documento passou ainda pelo crivo da consulta ao partido social-democrata e só em dezembro estava o processo concluído para se formar governo. 
Três meses para garantir a coesão? 

O processo de decisão nacional é semelhante. 
Sessenta por cento das leis aprovadas no Parlamento (Bundestag) têm de passar pelo Parlamento dos Länder, ou estados federados (Bundesrat), o que pode ser resumido deste modo: sem a aprovação da Saxónia ou da Baviera, por exemplo, não há possibilidade de uma lei vir a ser aprovada. 
É provável que reste pouco espaço para surpresa na governação, porém, os pontos de fricção ficam entretanto potencialmente neutralizados. 

Num contexto com este funcionamento, não é realmente um espanto que a popularidade do responsável alemão pelas Finanças tenha alcançado os valores mais altos de sempre no início de julho. 
Schäuble tinha 70% de aceitação numa sondagem da ARD, ultrapassando em 3% a taxa de aceitação da chanceler, que se mantinha nuns muito confortáveis 67%. 
Se há aí dedo pesado da imprensa alemã — que os mais críticos desclassificam como sendo incapaz de exercer oposição e provocar debate —, a verdade é que a opinião pública alemã reconhece a boa forma do seu país e tem razões para reconhecer que o modelo praticado pelos governantes funcionou bem. 
Até aqui. 

Uma vez imposta a narrativa da “ Grécia preguiçosa” , muitos alemães não verão muito além de um certo sentido de injustiça relativamente ao modo como está construída a zona euro e que se encontra por vezes traduzida pela expressão redutora e inexata ‘uns trabalham e outros gastam’. 
Os tabloides, encabeçados pelo jornal de grande circulação alemão “Bild”, contribuem para a demonização dos “gastadores”, enviesando o debate com evidente eficácia. 
As repetidas histórias que o “Bild” publica sobre gregos reformados aos 55 anos que passam os seus dias na praia têm um impacto inevitavelmente negativo na opinião pública. 
E não só na Alemanha. 

“Penso que os alemães têm atualmente um grande medo de perder parte da sua prosperidade por causa de outros”, diz ao Expresso um alemão radicado em Portugal há cerca de 20 anos, que prefere manter o anonimato. 
E acrescenta o papel dos partidos de direita alemães na criação de um caldo de reatividade “irracional” por parte do eleitorado germânico, tornando-o alérgico a termos como ‘solidariedade’ ou ‘partilha de responsabilidades’. 
Para muitas dessas pessoas, a União Europeia está identificada com “a obrigação de pagar”.

DOIS DA MESMA ESPÉCIE
Angela Merkel e Wolfgang Schauble têm uma visão geral comum da União Europeia como uma união monetária na qual há que impor as regras que têm de ser respeitadas pelos Estados-membros. 
Ambos querem impedir que a zona euro se transforme numa zona de transferência onde o dinheiro fluiria do Norte rico para o Sul mais pobre. 
Além disso, os dois temem que o referendo grego de 5 de julho crie um precedente que seja seguido por outros Estados europeus, diz ao Expresso Adriano Bosoni, analista do think tank norte-americano Stratfor a partir de Frankfurt. 
Reconhecendo que ficaram à vista algumas diferenças de metodologia relativamente ao modo como lidar com a Grécia entre os dois líderes alemães, Bosoni chama a atenção, em contraponto, para a “visão mais geopolítica” de Angela Merkel, a qual leva a chanceler a dar prioridade à proteção do euro. 
Assim, defende o analista, Angela Merkel sabe que a União Europeia não pode dar-se a0 luxo de ver membros abandonarem o clube europeu. 
Neste raciocínio está considerada a posição geoestratégica da Grécia no Mediterrâneo oriental e está, por isso, implícito que a Alemanha quer que a Grécia permaneça na União mesmo na eventualidade de um Grexit da moeda única. 
E os Estados Unidos vão querer “manter a Grécia na NATO”, acrescenta Bosoni. 

Se a chanceler se recusa a comentar em entrevista à ARD uma possível demissão no seio do seu Governo, Wolfgang Schäuble responde à imprensa com assertividade semelhante. 
Para tal, lembra  o mote da campanha da CDU durante as eleições europeias de 1999, quando liderava a União Democrata Cristã e Merkel era a sua secretária-geral: “Nem sempre com a mesma opinião, mas no mesmo caminho.” 
Foi assim que prosseguiu a relação dos dois líderes políticos, segundo disse Schauble à revista “Spiegel”, aconselhando os jornalistas que o entrevistavam a não se preocuparem: “Sabemos que podemos confiar um no outro. 

É preciso procurar as prováveis diferenças entre Merkel e Schäuble noutros aspetos e para isso poderão servir as características próprias da história pessoal de cada um dos políticos. 
O estilo da chanceler é indissociável da sua vivência da Alemanha de Leste, para onde se mudou  ida de Hamburgo (Tremplin, região de Uckermui norte de Berlim Leste) com apenas seis semanas de vida, em 1954, acompanhando o destino da missão do pai, um pastor luterano. 

O estilo do ministro das Finanças será também ditado pela época — 1942, ainda durante a II Guerra Mundial — e pela zona onde nasceu, Freiburg im Breisgau, perto da fronteira com França. 
Há um episódio que ficou na história da sua actividade partidária entre os democratas-cristãos datado de 1994 que é particularmente e, ao que parece, inspirador no momento atual da União. 
Durante as jornadas da CDU, Wolfgang Schauble apresentou com o colega de partido Karl Lamers uma declaração feita pelos dois, que refletia sobre a diferença entre a União original a seis Estados-membros e a adaptação que os tratados teriam de sofrer já então a 12 membros, assim como perante futuras adesões. 
O traço federalista do atual ministro das Finanças era já evidente na defesa de uma Kerneuropa, ou Europa nuclear, que seria dirigida, na altura, a partir do núcleo do eixo franco-alemão ao mesmo tempo que integraria os outros Estados-membros. 
O conceito defendido na declaração abria portas a uma pluralidade de modelos – Europa a várias ou a duas velocidades, Europa de geometria variável ou Europa nuclear … - que foi então criticado por quem nele lia a “criação de um clube europeu com espectadores”, como lembra Mónica Dias. 
Contudo, ele é hoje em dia uma realidade, bastando pensar na zona euro e no espaço Schengen, ambos reunindo diferentes constelações de Estados-membros e não só. 
A verdade é que, para os alemães, a Europa federal “é muito positiva” significando “a autonomia de cada região e a soberania de cada nação”, explica a professora do IEP.

POSIÇÕES EXTREMADAS
A partir daqueles dias de meados de julho, as posições entre os Estados da União ficaram extremadas, disso não há dúvida. 
O título de uma coluna de opinião de Pedro Santos Guerreiro no Expresso Diário de 13 de julho, “O maior resgate de sempre? 
O maior perdão de sempre? 
A maior depressão de sempre?”, teve contraponto, no mesmo dia, na opinião de Barbara Wesel publicada na Deutsche Welle com o título “A vencedora é Angela Merkel!”. 
Santos Guerreiro defendia que a Alemanha não tinha salvo a Grécia nem a dívida nem o euro enquanto Wesel sublinhava que a chanceler alemã tinha levado as negociações com o primeiro-ministro grego Alexis Tsipras até aos limites da exaustão. 

A formulação de Joschka Fischer, dez dias mais tarde, não segue a tendência que parece ter vindo para ficar, abusando das generalizações e, desse modo, colocando no mesmo saco membros individuais dos governos, os próprios governos, populações inteiras, e até países... O ex-líder dos Verdes refere a posição de Wolfgang Schauble como sendo responsável pelo extremar da questão fundamental da relação entre o Norte e o Sul da Europa, ameaçando esta sua posição levar a zona euro ao ponto de rutura: “A crença de que o euro pode ser usado para fazer a ‘reeducação’ económica da Europa do Sul provará ser uma falácia perigosa”, argumenta Joschka Fischer, apoiando-se na opinião de que franceses e italianos bem sabem que tal visão dará cabo do projeto europeu que foi construído em nome da diversidade e da solidariedade. 

Muitas reações diferentes à atitude dos líderes alemães já vinham a ocupar espaço da opinião pública fora e dentro da Alemanha desde antes das negociações do terceiro pacote de resgate à Grécia. 
Em 30 de junho, o jornalista alemão freelance Raphael Thelen publica na sua página de Facebook uma carta aberta a Angela Merkel, Sigmar Gabriel e a Wolfgang Schauble dirigindo-se-lhes deste modo: “Excelências, estão a destruir a Europa, a vitimar a Grécia em vez de mudarem a vossa política errónea. 
Resgatam bancos e exterminam as perspetivas de milhões de jovens. 
Impõem a austeridade apesar de o resto do mundo gritar que isso é uma loucura. 
Fazem uma política pela qual a Alemanha cresce à custa do Sul da Europa. 
Nós não queremos isso... ” 
O texto deste alemão formado em Ciência Política pela Universidade de Bona pontua os sucessivos parágrafos com a recusa em aceitar uma política alemã contrária aos princípios de Helmut Kohl [que previa a intervenção financeira da Alemanha em caso de urgência para que se fizesse funcionar o projeto de paz europeu], a recusa de uma política que fomente o regresso do nacionalismo e da possibilidade de uma nova guerra na Europa com a declaração “Nós não queremos isso”. 
De caminho, exorta o Governo alemão a admitir os erros da sua política acusando-o de “ter conseguido” que a Alemanha “voltasse a ser odiada 70 anos após o fim da II Guerra Mundial”: “Nós não queremos isso”. 

Raphael Thelen disse ao Expresso acreditar que o ministro das Finanças alemão “tudo fez” durante as negociações “para sabotar Alexis Tsipras com o objetivo de travar uma possível viragem à esquerda” noutros países europeus, como Espanha. 
O autor da carta aberta saudou a decisão do primeiro-ministro grego em ter aceitado o acordo, considerando que “é este o caminho” que tornará possível “um clima mais positivo” no âmbito do qual outros governos europeus poderão mais tarde vir igualmente a “fazer infletir as políticas europeias num sentido mais social”. 
A Europa é negociação e compromisso, insiste Thelen, acrescentando que Angela Merkel está a “forçar políticas neoliberais” aplicando à Europa a receita da Agenda 2010 na Alemanha [a Agenda 2010 foi concebida e levada a cabo pelo Governo de coligação Schroder/Fiseher. 
As “políticas neoliberais” foram primeiro postas em prática pela coligação Rot/Griin, ou seja, social-democrata/verdes]: “O que o FMI fazia ao Terceiro Mundo está agora a ser feito na Europa”, incluindo a “destruição dos sindicatos, a flexibilização dos mercados de trabalho e a descida de impostos para empresas”. 
“Merkel está a destruir a União Europeia porque perdeu de vista aquilo que ela é: um projeto de paz e não um sistema de regras rígidas com o fim de controlar as economias”, disse ao Expresso.
Como chamou a atenção Miguel Monjardino, professor do IEP, o que torna Merkel e Schauble tão populares entre os eleitores alemães é exatamente este apego às regras desenhadas com base na experiência e na visão alemãs.

A EUROPA DAS FINANÇAS E DO EURO
A Europa mergulhada numa crise profunda deixa à vista fragilidades da zona euro, uma zona monetária supostamente bem desenhada e sólida. 
Realça também a rapidez com que os países vizinhos podem desentender-se, não permitindo deixar no passado o modo como os europeus se têm historicamente virado uns contra os outros. 

“Havia a ideia que, de repente, se tinha resolvido o problema com o Tratado de Maastricht. Espantoso seria se tivesse ficado resolvido, porque o nacionalismo está entranhado na psique europeia”, disse ao Expresso George Friedman, autor e fundador da Stratfor. 

Assim que, a partir de 2008, começou a decair a prosperidade nalgumas regiões da Europa, surgiram de imediato “questões com fronteiras e por aí adiante”, disse o analista de geopolítica norte-americano. 
Friedman sublinha a importância de a Europa estar dividida em mais de 50 Estados-nação que têm “muito más memórias uns dos outros”. 
Desenhada para ter paz e prosperidade, a União, sem elas, não verá passar muito tempo sem que surjam problemas graves, diz ao Expresso, lembrando que o Tratado de Maastricht não preparou as instituições para um tempo em que se vivam esses problemas graves. 
O problema, explica, é que os países abordam-nos enquanto Estados-nação: “O que se passa não é a Grécia a negociar com a União Europeia, mas a Grécia a negociar com a Alemanha sem que a Alemanha tenha instrumentos para manter a Europa unida”, conclui. 

Se o sucesso da Europa é o sucesso do euro, como pretendia Angela Merkel, na semana passada o futuro da moeda única sofreu um revés considerável quando a Polónia anunciou oficialmente que não vai aderir ao euro, como fazia parte do seu plano “e sonho”. 
Quem o diz exatamente assim ao Expresso é Bronislaw Misztal. 
O representante de Varsóvia em Portugal adianta que a Polónia “será um membro responsável da comunidade”, mas não aderirá até que a zona euro consiga resolver os seus problemas. 
“A maioria da população polaca não acredita hoje que aderir ao euro seja uma decisão política sensata, ao contrário de que pensava há seis anos”, diz o embaixador, lembrando que o sonho do euro “era não só financeiro mas de comércio livre também, para todos os atores económicos”. 

O embaixador evoca “o Estado social universal, a democracia e a liberdade de movimento” como “um sonho” que funcionou “por momentos”. 
Até que, nos anos 80/90 até 2000 se “pensou que a economia teria força para transformar a mentalidade das sociedades”. 
Só que agora, explica, “sabemos que a economia sozinha não consegue fazê-lo”. 

“Para uma pessoa da minha geração é difícil ver destruir o que foi construído”, diz o diplomata reforçando o “valor da livre circulação” para quem, como ele, foi obrigado, enquanto jovem, a provar possuir pelo menos 25 dólares por dia para gastar como condição para lhe ser permitido deslocar-se na Europa. 

A possibilidade de mobilidade livre era interessante, admitia-se a imigração sem fechar a porta, as pessoas podiam trabalhar temporariamente fora do seu país, recorda o embaixador, chamando a esse movimento “uma das grandes vitórias da nova Europa”. Agora, diz, estão a fechar-se várias portas por “desigualdade social”. 
“Não queremos os pobres que viajam”, acrescenta o diplomata, lembrando que, no futuro, “isso poderá acontecer aos polacos ou aos portugueses”. 
Fecham-se as portas ao trabalho no Reino Unido e na Suíça e amanhã podem fechar-se em França... 
“É muito importante que a Europa mantenha um denominador comum”, resume Bronislaw Misztal: “Temos de encontrar modelos comuns na cultura, no modo de pensamento, na filosofia de organização social e não só num imperativo financeiro. 
Não é fácil!”, admite.

A REGRA EUROPEIA DE MERKEL
A política de Angela Merkel para a zona euro é uma consequência direta do modo como ela olha para o mundo. 
Ao contrário de outros líderes europeus, a chanceler compara a Europa com a China, que conhece bem, e com a zona da Ásia-Pacífico, considerando-a, em resultado, uma competidora em declínio, explica Miguel Monjardino. 
E recorda ao Expresso a regra “7-20-50” que a chanceler alemã difundiu para descrever a União Europeia: 7% da população mundial, 20% do produto mundial e 50% de despesas sociais. 
Se esta já era um problema, no presente tornou-se insustentável “a não ser que os países procedam a uma reforma fundamental”, de modo a se tornarem mais competitivos a nível da inovação e da tecnologia. 

Angela Merkel é otimista relativamente à capacidade de os europeus se reinventarem, abrindo as suas economias à globalização, sustenta Monjardino, que é da opinião de que a dimensão externa da visão alemã não está a ser bem explicada na Europa. 
A Alemanha, diz, “olha para a crise com a dimensão do euro”, mas acrescenta a consciência de que as “circunstâncias externas”, ao abrigo das quais o euro foi criado, mudaram substancialmente. 
Isto implica para a Alemanha que a zona euro tenha de deixar de ser “tão introspetiva como até agora” e que as sociedades europeias tenham de ser capazes de “se reformular profundamente” se quiserem continuar a ter o mesmo tipo de “modelos sociais e políticos”, acrescenta. 

O professor do Instituto de Estudos Políticos da Católica acredita que só resta à Alemanha impor a sua visão a nível externo, chamando “tragédia” à incompreensão de que a posição alemã é objeto: “Os europeus acham que a Alemanha impõe a sua hegemonia e os alemães acham que a Alemanha está a ficar refém dos países que ao recusarem reformar-se arrastam a Europa para um beco sem saída”. 
Dito de outra maneira, Berlim acha que está a fazer um favor e os outros países europeus entendem que estão a ser tomados de assalto. 
No entanto, resume o professor, é do reequilíbrio dos termos da equação “7-20-50”, àqual se soma o endividamento privado e público, que depende o futuro da União Europeia. 

A solução passa por uma maior integração política na zona euro [como a defendida recentemente pela proposta do Presidente francês, François Hollande] e por conseguir criar mecanismos que gerem alguma capacidade orçamental para os países em dificuldades, adianta Monjardino. 
Se tal não acontecer, vão multiplicar-se as crises e as emergências na zona euro, prevê o professor. 
“Estamos a meio de um processo que não sabemos como acabará, mas cujo rumo determinará o modo como Merkel será lembrada”, afirma. 

Uma maior integração política, de acordo com a proposta que está neste momento em cima da mesa, implica que quem quiser fazer parte desse grupo de vanguarda política europeia “terá de aceitar fazer reformas profundas”, esclarece Miguel Monjardino. 
No caso de Portugal, indica, significa que “temos de ser capazes de fazer o que não fizemos até agora: demonstrar antecipadamente aos interessados que temos fôlego económico e político para o país continuar a mudar e adaptar-se”. 
Depende de uma questão de liderança política, resume Miguel Monjardino, admitindo que os alemães acabarão por aceitar, aprazo, fazer “algumas transferências de recursos” para as sociedades recetoras. 
Mas a condição inalienável será a execução das reformas, garante o professor, adiantando que será um processo de mudança longo, provavelmente “não agradável para ninguém”. 

Angela Merkel estará “numa posição muito difícil”, sustenta. 
“Ou se reforma por vontade própria ou por imposição externa (para cumprir as regras de Berlim)”, diz Monjardino, reconhecendo que a Alemanha se arrisca a ficar altamente impopular. 
Exatamente o contrário daquilo que propunha a criação da zona euro. 

Há dez anos, a Fundação Friedrich Ebert (Friedrich Ebert Stifftung, FES) lançou um projeto em parceria com o Goethe Institut que perguntava: Existe uma opinião pública europeia? 
Na altura, tinha-se a ideia de que ela não existia, conta ao Expresso Reinhard Naumann. 
O diretor da FES em Portugal acredita que hoje, depois da crise, já existe uma consciência mais profunda em todos os países da União Europeia de que fazemos parte de uma entidade comum. 
Ela é marcada pelas divergências de interesses que chegam a ser contraditórios, mas o ponto positivo é que há uma consciência mais clara da existência de uma união e de uma moeda comum... 
“Talvez esse despertar da consciência possa vir a ser a base de uma nova etapa em que a opinião pública europeia já exista com maior consistência”, conclui Naumann. 

Se recomeçasse a Europa, recomeçaria pela cultura, disse Robert Schuman. 
E agora?