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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

«0s idosos não estão representados»

«0s idosos não estão representados»

Manuel Villaverde Cabral
Diretor do Instituto do Envelhecimento

Sociólogo reformado do instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, mas ainda no activo Manuel Villaverde Cabral dirige há três anos o Instituto do Envelhecimento, uma unida­de autónoma de investigação dedicada à faixa da população mais falada nos últi­mos tempos por causa da austeridade

P Os direitos dos idosos não estão bem representados em Portugal?
R Nem bem nem mal. Não estão representados.

P A APRE (Associação de Aposentados. Pensionistas e Reformados), criada já du­rante a crise, não os defende?
R É uma associação de pessoas com pen­sões ditas milionárias. São pessoas superqualificadas, bem colocadas no siste­ma social português e todas com acesso aos media. Dá-se o caso de eu estar na mesmíssima situação. Compreendo o problema deles, mas não sou membro dessa associação e não a considero minimamente representativa dos três mi­lhões de reformados e pensionistas.

P Só a elite de idosos está defendida?
R Sim, e porque lhes tocaram nas reformas. Essa é a posição da Dra. Ferreira Leite, por exemplo, que é inspiradora dessa ideologia.

P Manuela Ferreira Leite está a falar em causa própria?
R Única e exclusivamente.

P Com os níveis de desemprego atuais e com o aumento da idade de reforma, ha­verá mercado de trabalho para pessoas com mais de 60 anos?
R Os reformados e pensionistas portu­gueses são, em média, dos mais idosos na Europa. Os nossos funcionários públi­cos são dos que se reformam mais tarde. Porque não é tão mau quanto isso. Falo por experiência própria. Porque é que um professor não há de ficar até ao fim? Claro que se uma pessoa de 60 anos fica desempregada, é de pensar que não terá emprego. Por isso tem de haver um mecanismo de reforma antecipada, de pré-reforma.

P O Governo está a aumentar muito as penalizações para quem se reforma mais cedo.
R Mas ainda assim reformam-se. Por ou­tro lado, a poupança em Portugal voltou a aumentar.

P Como vê o grupo de investigação do Centro de Estudos Sociais da Universida­de de Coimbra dirigido por Carvalho da Silva, que tem estado a trabalhar para propor soluções concretas para a crise?
R Não costuma acontecer lá fora,
onde as pessoas que têm contributos a dar nesse campo vão trabalhar nesse cam­po. Lemos e discutimos esses papéis (do grupo de Carvalho da Silva). O Boaventura Sousa Santos (director do Cen­tro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra) é um grande sociólogo, mas não foi com papéis daqueles que ganhou o prestígio merecido que tem. Ou a ciência social tem obrigações me­todológicas ou foge de ser ciência social. E é ideologia. Pelo menos, neste caso concreto. Há uma ala de esquerda não partidarizada.

P Refere-se á ideia de unir as esquerdas para as eleições europeias em torno da figura de Carvalho da Silva?
R Claro. Neste momento há uma superelite que se recruta em grande parte na universidade e que sente haver, nesta si­tuação de crise, uma oportunidade. Uma oportunidade para essa elite.

P Para ascender ao poder?
R Para ter mais peso no exercício do po­der. O Rui Tavares é um antigo aluno do ICS. Inventou um partido para ver se é eleito. Não serei eu a votar nele. É um teste. Sabemos que o número de vo­tos necessários para eleger um deputa­do europeu é baixíssimo. Tanto mais baixo quando 60 a 70% da população se arrisca a não votar. Esse é o proble­ma que eles, como cientistas políticos e sociais, deviam enfrentar; por que ra­zão, quando as propostas políticas são mais do que muitas, a população não vota? Não é um sinal de debilidade da sociedade civil.

P Se a abstenção não é um sinal de debi­lidade da sociedade civil, é um sinal de quê?

R A maioria da população sofre de um problema identificado e estudado; dis­tância ao poder. E por isso retira-se. A propósito de uma crise parecida com es­ta que estamos a ter, de 1890, Salazar escreveu esta frase sinistra; “É verdade que o povo podia ter-se revoltado, mas preferiu votar os partidos ao mais pro­fundo desprezo’’. É terrível. Não é indi­ferença, é uma posição. Até por isso, as sondagens são muito difíceis de fazer. Há uma probabilidade grande de sur­presas. Depende imenso de quem se abs­tém. E é sabido que quem menos se abs­tém é a extrema-esquerda – e a extre­ma direita. São pessoas teimosas. Quando se lhes pergunta, elas respondem.

Um país de militantes, sócios e afiliados



Dois investigadores estudaram 40 anos de democracia e concluíram que a sociedade civil em Portugal é mais forte do que em Espanha. Mas está a enfraquecer

Textos MICAEL PEREIRA

Fazer uma revolução é melhor do que mudar suavemente um regime. Pelo me­nos para Tiago Fernandes e Rui Branco, dois investigadores de ciência política da Universidade Nova de Lisboa. Em Espa­nha, houve uma transição da ditadura para a democracia entre 1975 e 1978. Em Portugal a revolução de 1974 trou­xe a democracia do dia para a noite. Os dois cientistas estiveram nos últimos três anos a tentar perceber como é que esta diferença afetou a forma como, nos dois países, as pessoas passaram a parti­cipar na vida pública desde então. E agora que a investigação chegou ao fim, há conclusões um pouco surpreendentes.
Ao contrário do que se possa dizer ou pensar, a sociedade civil portuguesa não é fraca. Depende, argumentam os dois cientistas políticos, dos termos de comparação. Porque se é mais fraca do que a bitola clássica das democracias an­tigas do norte da Europa, com as quais a comparação é habitual, consegue ser mais forte do que em Espanha. E é com Espanha, defendem, que as contas de­vem ser feitas.
"Quando comparado com as socieda­des civis: de outros países europeus, Portugal aparece como um país débil em participação cívica”, admite Tiago Fer­nandes, «mas Portugal não deve ser com­parado com a Europa ocidental e do nor­te, mas sim dentro do universo das cha­madas noas democracias». O que signi­fica medir forças com Espanha e Grécia — ambos Estados-membros da União Europeia saídos de ditaduras na mesma altura que os portugueses – ou com a África do Sul ou alguns países asiáticos ou da América Latina. «Portugal partilha com estas democracias o facto de du­rante quase todo o século XX elas terem vivido sob regimes desigualitários», explica o cientista político. Desse pomo de vista, “a so­ciedade civil portuguesa é robusta".

EM PORTUGAL MAIS DE 30% DA POPULAÇÃO FAZEM PARTE DE ASSOCIAÇÕES. EM ESPANHA SÃO 20%. NO ANO DE 2000 OS PORTUGIESES SINDICALIZADOS ERAM MAIS D 50% DO QUE OS ESPANHÓIS

Um em cada três é afiliado
O número de associações criadas em Portugal e Espanha nos últimos 40 anos é proporcionalmente quase igual, mas os investigadores acreditam que em teoria deveria ser maior no país vizinho, ten­do em conta que se trata de um Estado mais rico e onde as pessoas são mais qua­lificadas. A verdade, no entanto. é que os portugueses afiliam-se muito mais. Em Portugal, mais de 30% da população adulta faz parte de algum tipo de associa­ção, enquanto em Espanha essa fatia é de 20% ou menos.
O sociólogo Manuel Villaverde Cabral, do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa director do Instituto do Envelhecimento, avisa, no entanto, que o conceito de sociedade civil adoptado pelos dois investigadores está, quanto a ele, muito próximo daquilo que considera serem “grupos organizados” na sociedade portuguesa. «O que existe em Portugal são alguns lóbis poderosíssi­mos, que têm contribuído em grande parte para impedir uma ultrapassagem mais rápida da crise económica». Eu dou mais importância às manifestações não regulares não sistemáticas da sociedade e que não vemos em sindicatos e em or­dens. A própria Igreja às vezes apresen­ta-se como fazendo parte da sociedade civil, não o sendo a meu ver, embora se­ja um lóbi muito poderoso, com as IPSS a que está ligada.»
De acordo com a investigação da Uni­versidade Nova, no universo da defesa dos direitos dos trabalhadores, no ano 2000 havia mais 50% de portugueses sindicalizados do que no outro lado da fronteira. E esse fosso já foi maior. Em 19756, 61% da população activa em Portu­gal estava inscrita em sindicatos, quase o dobro dos 33,8% na Espanha de 1980.
Ainda por publicar, o estudo dos dois investigadores do departamento de Ciên­cia Política da Faculdade de Ciências So­ciais e Humanas (FCSH) da Universida­de Nova de Lisboa revela que, além dis­so, os portugueses afiliados participam mais do que os seus congéneres espa­nhóis. Em tudo: debates, acções de volun­tariado e outras actividades. Mesmo quando essas actividades são mais lúdi­cas, como eventos de desporto, lazer ou cultura, mundos onde se notam grandes contrastes desde as mudanças de regime na Península Ibérica.
No período de 2001 a 2003, 8,2% dos portugueses faziam parte de organizações desportivas ou de lazer, contra 1,5% em Espanha. Ou seja, cinco vezes mais, sensivelmente a mesma proporção que havia na década de 80 com as associa­ções culturais, em que 22% de afiliados em Portugal contrastavam com apenas 5% em Espanha. Em relação às associa­ções profissionais, como são o caso das ordens dos engenheiros e dos médicos, ou em relação às organizações religio­sas, o desequilíbrio não tem sido tão grande, mas ainda assim os membros portugueses são o dobro dos membros espanhóis, em termos proporcionais.
A justificação avançada pelos investigadores para estes números está na cultu­ra cívica de igualitarismo desenvolvida em Portugal de um para o outro, com o 25 de abril. No final da ditadura, quando era presidente do governo Marcello Caetano, estavam a ser criadas 211 associações por ano. Em 1974, o ritmo passou a ser de 1500. Esse florescimento terá sido facilitado pela tolerância em relação a movimentos de contestação e reivindicação por parte de uma nova elite política, «mais aberta ao povo», enquanto que em Espanha houve figuras da ditadura que transitaram para a democracia com todas as implicações.

NO PERÍODO FINAL DA DITADURA ESTAVAM A SER CRIADAS 211 ASSOCIAÇÕES POR ANO. EM 1974, COM A REVOLUÇÃO O RITMO PASSOU A SER DE 1500.

Uma Visão que é contestada por Diego Palacios Cerezales, um investigador Espanhol actualmente na Universidade de Stirling, no Remo Unido, e que tem também feito estudos comparativos entre os dois países (publicou "Portugal à Coronhada”, sobre o uso da violência na contestação social entre o século XIX e o século XX). «A revolução portuguesa foi intensa e interessante mas se calhar deixou um legado duplo: em muitas regiões rurais e conservadoras, toda a vida associativa desvinculada da Igreja passou a ser rejeitada como comunismo. Isso está por estudar, mas acompanhei uns inquéritos rurais em 1998 e 1999 e isso estava muito presente."
Além de mais, reforça Cerezales, «os inquéritos internacionais de valores e atitudes mostram que entre 1970 e 1990 a sociedade espanhola mudou muito mais depressa do que a sociedade portuguesa. Na década de 70 poucos poderiam imaginar que Espanha seria um dos primeiros países a legalizar o matrimónio homossexual». O investigador realça ainda o contraste que encontrou em Portugal, quando em 1996 passou a ter uma relação mais forte com o país: «As formas de relacionamento hierárquico que na Espanha tinham desaparecido com a ditadura, mantinham-se em Portugal.”

Poucas cooperativas, muitas IPSS
Independentemente das opiniões divergentes sobre o impacto do associativismo na sociedade civil, o estudo da Nova aponta sinais preocupantes. Desde os anos 90 que o nível de participação de portugueses na vida pública tem vindo deteriorar-se e a diferença com, Espanha tende a esbater-se. A erosão maior tem acontecido nas associações que repre­sentam os mais fracos, um universo on­de os investigadores incluem os sindica­tos mas não só. “Observamos um declí­nio enorme na importância das coopera­tivas'’. aponta Rui Branco. “Foram usa­das no Estado Novo como laboratórios de oposição e expandiram-se muito nos anos 70, mas depois desapareceram.”
Em contrapartida, as instituições particulares de solidariedade social (IFSS) têm vindo a reforçar o seu papel na so­ciedade. "São mais importantes em Por­tugal do que em Espanha, onde o maior relevo do ponto vista da proteção social vai para as associações de vizinhos: ou do que em Itália, onde esse papel é de­sempenhado por cooperativas”, explica Rui Branco.
De acordo com o investigador da Nova, o modelo português de Estado-providência assenta em grande parte nas IPSS, que transitaram do Estado Novo para o período democrático, com as misericór­dias e outras organizações ligadas à Igre­ja. No final dos anos 70, o Estado começou a celebrar protocolos com essas ins­tituições, para as subsidiar e ao mesmo tempo as poder inspecionar; e o actual Governo renovou os acordos com o sec­tor, reforçando algumas das verbas. Nos últimos 12 anos, as IPSS aumentaram a sua capacidade de cobertura da popula­ção em 66%, entre creches para crianças e serviços de apoios a idosos.
“As IPSS são um sucesso’’, garante Rui Branco ante a sua consolidação, o regime democrático recorreu a uma re­de que já existia para estender o Estado social, subordinando o sector a uma política de inclusão e universalismo. Hoje fazem parte da identidade do regime actual». São, segundo ele, uma marca de água de Portugal.
mrpereira@expresso.impresa.pt



O bom desempenho das famílias

Num Estado social em perda, com o Estado a reduzir o nível de proteção dantes oferecido aos cidadãos e com parte da sociedade civil em declínio, há outro tipo de organização, mais pequena e tradicional, que tem emergido em Portugal como uma tábua de salvação: a família, “O que a crise tem demonstrado é que nos últimos dois anos há um reforço da solidariedade, sobretudo da solidariedade entre pessoas que têm relações de parentesco”, diz Carlos Rodrigues Farinha, professor e investigador do ISCO especialista em desigualdades sociais, “Não há dados estatísticos sobre essa realidade, mas os relatos que nos chegam da Cáritas e da Cruz Vermelha dão conta do que se está a passar". Os reformados têm apoiado os filhos e os netos, Manuel Villaverde Cabral, sociólogo do ICS e diretor do Instituto do Envelhecimento (ver entrevista), acredita que as famílias têm funcionado como "uma unidade indestrutível" ao longo da crise, “Há uma realidade para lá das estatísticas. Além de todos os rendimentos declarados, muitos reformados, sobretudo no mundo rural, têm património e algum rendimento informar’’ que vai dando para ajudar a família.


Direitos humanos relegados para segundo plano face às políticas de austeridade

Direitos humanos relegados para segundo plano face às políticas de austeridade
Crise está a obrigar milhares de crianças a deixar a escola para trabalharem e ajudarem as famílias

MARGARIDA BON DE SOUSA
margarida.bondesousa@ionline.pt

Os governos europeus que estão a impor a austeridade esquecem as suas obrigações para com os direitos humanos, incluindo os direitos sociais económicos dos mais vulneráveis e a necessidade de garantirem o acesso à justiça e ao direito à igualdade de tratamento. Infelizmente, os credores internacionais também não incorporam estes direitos nos seus programas de assistência. A constatação é de Nils Muiznieks, o comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, que exprimiu esta posição durante a apresentação do estudo sobre o impacto da crise económica e a protecção dos direitos humanos. O comissário defendeu que as medidas de austeridade estão a minar os direitos humanos em vários aspectos. «As decisões nacionais sobre as medidas de austeridade e os planos de socorro internacional caracterizam-se por uma falta de transparência, participação pública, e responsabilidade democrática», disse. «Nalguns casos, as condições muito restritivas impõem aos governos o desinvestimento em programas chave para a protecção social, saúde e educação. Quando a UE, o actor central da crise, toma decisões sobre a governação económica dos seus Estados, e quando a troika define as condições dos acordos de resgate, o impacto na saúde dos direitos humanos deve ser tido em maior consideração»-

Nils Muiznieks acrescentou que a crise económica tem tido consequências muito graves para os grupos mais vulneráveis, em particular as crianças e os jovens. «O desemprego jovem atingiu um nível recorde na Europa. Actualmente há milhões de pessoas desta faixa etária que têm o futuro comprometido. O corte nos abonos de família e nas dotações para a saúde e educação causam as maiores dificuldades em milhares de famílias. As crianças deixam a escola para trabalhar e ajudar em casa, podendo sofrer a vida inteira por esta interrupção na educação», disse ainda o comissário. «Isso faz com que aumente a precariedade do emprego e haja um ressurgimento da exploração do trabalho infantil»

Depressão na Europa não é igual para todos. Pobres sofrem muito mais

Depressão na Europa não é igual para todos.
Pobres sofrem muito mais
As medidas de austeridade começaram a ser vistas como um verdadeiro atentado aos direitos humanos

MARGARIDA BON DE SOUSA
margarida.bondesousa@ionline.pt

Os países estão a viver a mais profunda recessão desde a Segunda Grande Guerra, é a constatação de um relatório do conselho da Europa que acusa as políticas de austeridade de serem um atentado aos direitos humanos das populações mais pobres. Segundo o documento «Salvaguardo os direitos humanos em tempos de crise», o que começou por ser um colapso do sistema financeiro global, em 2008, transformou-se numa nova realidade depressiva em que a austeridade ameaça todos os que ao longo das últimas seis décadas implementaram políticas de solidariedade social e de expansão de protecção dos direitos humanos. O novo enquadramento tem exacerbado as consequências nefastas para os cidadãos a nível mundial, em particular os mais vulneráveis, já a braços com níveis recordes de desemprego.

Por isso mesmo é urgente que os governos dos vários Estados adoptem formas de quantificar o impacto das suas decisões nos direitos humanos, em particular as que decorrem das instituições financeiras internacionais, que nalguns casos estão a impedir que os países invistam em programas essenciais para a protecção social, a saúde e a educação. Nostros casos, a fiscalidade inibe os governos de utilizarem todas as ferramentas ao seu alcance, sobretudo pela necessidade de cumprirem as metas do défice e da dívida pública, o que faz com que a recuperação económica para todos os europeus passe para um plano secundaríssimo. Finalmente, a evasão fiscal é também considerada como um dos combates prioritários para alocar recursos que garantam aos europeus viverem de uma forma condigna.

Estas são algumas das principais conclusões de um estudo divulgado pelo Conselho da Europa sobre o impacto das medidas de austeridade nos direitos humanos, o qual conclui que os danos da depressão se fazem sobretudo sentir nos grupos mais desfavorecidos, como os jovens e as famílias de menores recursos, ''que têm sido atingidos de maneira desproporcional''. Os relatores do documento prevêem mesmo que as autoridades centrais e locais, em particular as estruturas nacionais ligadas à defesa dos direitos do Homem, tenham de intervir para garantir a protecção de tudo aquilo que ainda há bem poucos anos era considerado como património inalienável da União Europeia.

SOCIEDADE CIVIL  O papel da sociedade civil na tomada de consciência desta nova abordagem é realçado no relatório do conselho publicado este fim-de-semana. «Confrontadas com a mais profunda recessão desde os anos 40», refere o papel que tem a chancela do comissário do Conselho da Europa para os direitos humanos, Nils Muizniek, «As instituições que defendem os direitos humanos na Europa começam a responder à crise, promovendo e protegendo os direitos das pessoas. Várias delas têm chamado a atenção do público e dos media para a situação dos mais prejudicados pelas políticas de austeridade, no sentido de estabelecerem a noção de que é obrigatório haver directivas dos vários governos para defenderem os direitos económicos e sociais em tempos de crise».

REVER AS AJUDAS DA TROIKA  A receita de Nils Muizniek é complexa de executar mas simples nos princípios que enuncia. No fundo, os países deveriam ser obrigados a provar que as medidas que adoptam vão de encontro à Carta Fundamental dos Direitosd do Homem. Mais. Esta correlação deveria ser uma condição, sine qua non para que os Estados que o integram possam aceder aos empréstimos internacionais. O processo, defende o relatório, deveria ser acompanhado por diversas instituições, incluindo da União Europeia, como a Comissão, o Conselho e o Parlamento, que deveriam consagrar este princípio em novos tratados. Os actuais pacotes de resgate deveriam igualmente ser revistos no sentido de integrarem a defesa dos direitos do Homem.

O Conselho da Europa insta ainda os Estados membros a aprofundar a cooperação em matéria fiscal para garantir que nenhum deles infrinja a capacidade dos restantes de mobilizar os recursos necessários para o cumprimento dos direitos humanos através da tributação das pessoas singulares e colectivas.

«A cooperação», defende o documento, «deve ser realizada no âmbito do Conselho da Europa e da Convenção da OCDE sobre Assistência Administrativa Mútua em Matéria Fiscal». O Grupo de EStados contra a Corrupção (GRECO) e a Convenção do Conselho da Europa relativa ao Branqueamento, Detecção, Apreensão e Perda dos Produtos do Crime e Financiamento do Terrorismo são também fóruns classificados de úteis para a cooperação internacional na abordagem deste tipo de problemas.

O relatorio refere ainda que os compromissos em matéria de direitos humanos dos países que integram o Conselho da Europa, o qual representa 800 de pessoas de 47 Estados, levam a que seja necessário revigorar urgentemente o modelo social europeu, que sempre foi fundamentado e se baseou na dignidade da pessoa humana, na solidariedade intergeracional e no acesso à justiça para todos

CONSELHO DA EUROPA DIZ QUE POLÍTICAS DE AUSTERIDADE ESTÃO A ATENTAR CONTRA OS DIREITOS HUMANOS

CONSELHO DA EUROPA DIZ QUE POLÍTICAS DE AUSTERIDADE ESTÃO A ATENTAR CONTRA OS DIREITOS HUMANOS
Citações
«As crises económicas e financeiras têm um efeito desproporcional junto das pessoas que vivem na pobreza e que têm de enfrentar riscos acrescidos devido à instabilidade macroeconómica»

«Nestas circunstâncias, os Estados devem proteger os direitos humanos e assegurar que o remédio previne futuras crises através de uma regulação efectiva e da transparência financeira»

«Os governos nacionais estão condicionados por decisões externas que fogem ao seu controlo»

«Salvaguardando os direitos humanos em tempo de crise»
CONSELHO DA EUROPA

Serão publicados dois textos sobre este tema da autoria de MARGARIDA BON DE SOUSA e insetos no Jornal I, de hoje 30 de Dezembro de 2013.



domingo, 29 de dezembro de 2013

2014, CAVEAT EMPTOR

2014, CAVEAT EMPTOR

2014, o risco é do comprador. É a tradução literal do título acima e a introdução possível ao texto abaixo. 2014 será o ano do fim de muitas coisas e do princípio de outras. Mas a transição será muito lenta.


Caveat emptor. O novo ano devia aparecer-nos assim, com esta frase em latim bem visível.
O risco é do comprador, o comprador que se cuide, toma cuidado comprador.
As traduções são várias, a ideia é a mesma.
Uma ideia que não devemos de esquecer tão depressa.
Dívida. Se tudo correr bem, em Janeiro Portugal emite títulos de longo prazo. É o primeiro passo para o regresso aos mercados, Será um sucesso e ainda bem. Mas, cuidado, será um sucesso com ‘respiração boca a boca’ e, acima de tudo, um sucesso. Porque não podemos falhar.
Desgraças. A oposição vai agarrar todas as falhas e artificialidades (dívida sindicada, bancos portugueses a ajudar, etc.) de percurso. Mas, cuidado, nestas coisas nunca há saídas limpas. O regresso aos mercados é um processo político. E o regresso será uma vitória política.
Sucessos. O Governo vai cantar vitória só porque a bola vai a caminho da baliza. Vão chover estatísticas, indicadores, variações homólogas e em cadeia. Uma vez mais, cuidado, O ‘truque’ estatístico da mensagem de Natal do primeiro-ministro vais ser muito usado. Mas atenção, que a oposição faz o mesmo truque ao contrário.
Promessas. Faz parte da política. Sempre que se aproxima o fim de um ciclo, as promessas brotam do chão e caem do céu. Tenham cuidado, o fim do resgate garante soberania e restaura o orgulho. Mas deixa-nos entregues a nós próprios e sem financiamento garantido. É assunto que a oposição faz por esquecer e que o Governo (ou parte dele) começa a tentar esquecer;
Eleições. Em França ou no Reino Unido os antieuropeístas podem vencer. Por cá, não se espera nada disso. Mas a alta abstenção, o voto de protesto, o desgaste do ‘centrão’ e algumas novidades vão agitar as águas. O PS deve ganhar e o Governo (lista conjunta PSD-CDS) tem um teste de fogo. Cuidado com os resultados. Um parlamento em Bruxelas com antieuropeístas em quantidade será um problema grave para os países sob resgate e para o futuro da Europa.
Economia. Vamos oscilar entre a euforia do crescimento e a depressão dos números dramáticos. A verdade andará entre uns e outros. Há uma nova economia que surge. Mas a velha ainda está de rastos e o lastro de destruição é enorme.
Saída da troika. Não vale a pena ir festejar para o Marquês de Pombal ou para os Aliadas. O dia seguinte será parecido e com responsabilidade acrescida.
Maioria. Aguenta até ao fim. E depois vem outro governo de maioria. Cavaco ainda se vai rir antes do fim do mandato.

RICARDO COSTA ESCREVE À 3.ª E 5.ª FEIRA

      Em www.expresso.sapo.pt

Plano B Ainda não há alternativa à convergência de pensões. Mas ninguém está muito preocupado



Plano B Ainda não há alternativa à convergência de pensões. Mas ninguém está muito preocupado
Foram seis horas de reu­nião do último Conselho de Ministros, ocupada so­bretudo com a alternativa a apresentar pelo Governo ao chumbo da con­vergência de pensões pelo Tribunal Constitucio­nal. «É uma decisão polí­tica, mais do que técnica», disse uma fonte oficial. O objectivo é blindar a no­va solução de “todos os riscos constitu­cionais’’. Mas, na verdade, apesar das horas de reunião, não foi escolhida a fórmula para responder com novos cor­tes – ou com mais impostos - ao ‘buraco' de €400 milhões deixado nas con­tas públicas. A decisão, garantem vá­rios membros do Executivo, poderá ser tomada na próxima semana ou já na segunda semana de Janeiro. Até lá, para não azedar a passagem de ano, a or­dem é para “evitar especulações” e pa­ra garantir que “não há pressa na res­posta», tanto mais que a décima avalia­ção da troika só fecha em Fevereiro. Além disso, o Governo quer tréguas com o Tribuna! Constitucional.
«Estão colocadas várias hipóteses em cima da mesa» ou «há vários cenários em estudo». Não passam daqui as decla­rações de alguns dos membros do Con­selho de Ministros contactados peio Ex­presso sobre a saída para mais um chumbo do TC a uma das “reformas essenciais do Governo”. Sem por agora “fechar uma solução”, as hipóteses de colmatar o ‘buraco’ de €740 milhões (a que equivalia a convergência das pen­sões) passa desde já pela recuperação da Contribuição Extraordinária de Solidariedade, que já vigorou em 2013 passou no crivo do Constitucional. Com a retoma da CES são €322 milhões que o Governo ‘abate’ ao problema das contas públicas. Mas não chega.
«Não há pressão para uma decisão», disse um dos membros do Executivo, para quem a discussão em Conselho de Ministros foi “pacífica” e unânime «a necessidade de ser encontrada urna saí­da consistente “que reduza ao mínimo os riscos constitucionais existentes». Na verdade, todos reconhecem que outro pacote inscrito no OE-20Í4 - a tabela salarial única da função publica — “tem grandes riscos” de um novo chumbo do TC, pelo que a estratégia passa por evitar retomar confrontos com os juízes do Palácio Ratton sobre um te­ma sobre o qual já se pronunciaram.
O mote para reduzir a pressão ganhou um novo argumento, a 10.º avaliação da troika só fecha formalmente em meados de Fevereiro, altura em que tanto o board do FMI como Comissão Europeia têm o programa de rebate português na agenda. Por isso, o Governo pode agua­rdar umas semanas para encontrar uma solução sólida. E se é verdade que o IGCP, instituto que gere a dívida pública, tem prevista uma emissão de dívida (de 5 e 10 anos) já em Janeiro, absolutamen­te fundamental para o fim do programa de assistência financeira, o certo é que não existem prognósticos para próximas turbulências nos mercados.


MILHÕES DE EUROS

740
Quanto o Estado pouparia caso regime de convergência de pensões tivesse passado no Tribunal Constitucional

322
Quanto o Estado arrecadará ao repor a Contribuição Extraordinária de Solidariedade, que corresponde a 3,5% de corte nas pensões acima de 1.300 euros

400
O valor (aproximado) de receitas que o Governo obterá com o aumento de 23 para 24% da taxa máxima do IVA, caso opte em avançar por aqui


A próxima semana ainda é de acalmia nos mercados financeiros, onde as transações com divida pública quase param entre o Natal e os Reis. Além disse, vá­rias fornes governamentais convergem na ideia de que “os investidores já ti­nham assimilado os riscos constitucionais da convergência das pensões” nas taxas a que transacionam os títulos de dívida portuguesa. O problema “não é se os juros vão subir. É ver como conse­guimos que desçam”, acrescenta uma fonte do executivo.

Solução suave e mista
Sem adiantar detalhes, a alternativa pa­ra compensar a convergência das pen­sões devem passar por uma solução mista e suavizada. Há quem defenda que a CRES pode ser alargada - à imagem do que aconteceu com o corte dos salários dos funcionários públicos — passando a abranger pensionistas com reformas abaixo dos €1.300. O valor exacto sobre o qual cairá a guilhotina está a ser estuda­do. Em simultâneo, o Governo pondera mexer nas tabelas de IVA, admitindo-se um novo aumento do escalão máximo para os 24%, deixando-se cair a hipótese de um aumento generalizado de todos os escalões deste imposto. Ambas as medidas seriam de carácter provisório — pata satisfazer os requisitos do TC – e davam tempo ao Governo para preparar uma verdadeira reforma estrutural dos sistemas de segurança social, público e privado — uma porta que, segundo Passos Coelho, os juízes constitucionais deixaram aberta para o Governo entrar.
ROSA PEDROSO LIMA
Com RICARDO COSTA
rlima@expresso.impresa.pt


Remodelação (ainda) sem data nem nomes
Há três secretários de Estado para sair e outros tantos para entrar. Mas nem eles nem a Presidência sabem quem são nem quando tomam posse
Três secretários de Estado estão demis­sionários há mais de uma semana, mas ainda não se sabe nem quando nem por quem vão ser substituídos. Hélder Rosalino, secretário de Estado da Administração Pública, acertou com a ministra das Finanças que sairia até ao final do ano, mas até à hora de fecho desta edi­ção ainda não havia qualquer indicação de remodelação, nem qualquer cerimónia de tomada de posse marcada em Be­lém, Além de Rosalino, deixam o Exe­cutivo Filipe Lobo D’Ávila, secretário de Estado da Administração Interna, e Fernando Santo, secretário de Estado da Justiça. Nos bastidores ministeriais vão correndo alguns nomes, mas sem quaisquer confirmações pelas respetivas tutelas; Joana Ramos, diretora-geral do Emprego e Administração Pública, é falada como a possível substituta de Rosalino, para a Administração Interna - uma das pastas que, pelo acor­do de coligação, pertencem ao CDS —, surgiram os nomes dos deputados João Almeida ou Teresa Anjinho.
A passar para 2014, como tudo parece indicar, esta será a primeira remodelação do ano. Em 2013, foram nada menos do que sete as vezes em que Passos Coelho teve de mudar a composi­ção da sua equipa. No total, substituiu três ministros (Miguel Relvas, Vítor Gaspar e Álvaro Santos Pereira) e 18 secretários de Estado (Paulo Júlio, Pe­dro Silva Martins. Nuno Oliveira, Cecília Meireles, Daniel Campelo, Pedro Afonso de Paulo, Henrique Gomes, Al­meida Henriques, Rita Barosa, Luís Morais Sarmento, Manuel Rodrigues, Franquelim Alves, Marco António Costa, Pedro Roque, Filipe Queiró, Fran­cisco Almeida Leite, Morais Leitão e Joaquim Pais Jorge).
CRISTINA FIGUEIREDO
cfigueiredo@expresso.impresa.pt


sábado, 28 de dezembro de 2013

RESULTADOS DOS BANCOS ESTÃO A BATER NO FUNDO

RESULTADOS DOS BANCOS ESTÃO A BATER NO FUNDO
A crise de dívida abalou os maiores bancos nacionais. As valorizações em Bolsa em 2013 são um sinal de confiança quanto ao futuro

As ações do BCP dispararam esta semana para o máximo em dois anos. Desde Janeiro, as ações do maior banco privado português acumulam uma valorização supe­rior a 100%, chegando a ultrapas­sar os 15 cêntimos por ação. Num ano de prejuízos para o BCP, esta é uma bua notícia. É um indica­dor de que os investidores acredi­tam que o pior já passou para a instituição.
Esta subida é em parte explica­da por operadores de Bolsa e analistas com a expectativa de re­gresso do banco aos lucros em 2014. As ações do BCP foram as mais castigadas peia crise finan­ceira e de dívida e têm vindo a recuperar terreno
Dos três maiores bancos cota­dos, só o BPI obteve lucros entre Janeiro e Setembro deste ano. Tanto o BES como o BCP registaram prejuízos. Um cenário que se deverá alargar ao conjun­to do ano de 2013. Mas no próxi­mo ano, os três bancos já deverão conseguir apresentar resul­tados positivos, segundo estimativas de analistas. O próprio BCP admite que o banco prevê voltar a ter um resultado líquido positivo a partir do segundo se­mestre de 2014.
A previsão positiva para os re­sultados do sector da banca em Portugal prende-se com o cresci­mento estimado da economia portuguesa e com o desenvolvi­mento dos negócios que tem no exterior.

Melhores dias em 2014
Os resultados dos bancos portugueses têm sido pressionados nos últimos anos por imparidades e provisões para fazer face à desvalorização de activos e in­cumprimento de crédito.
Entre Janeiro e Setembro deste ano o prejuízo do BCP atingiu os €597 milhões devido a uma me­nor margem financeira e imparidades relativas ao malparado em Portugal e na Grécia. No en­tanto, a atividade doméstica apresentou sinais positivos de recuperação, segundo analistas,
O BES teve prejuízos de €381 milhões nos primeiros nove me­ses deste ano, contra €90,4 mi­lhões de lucros em igual perío­do de 2012.
Quanto ao BPI, fechou o mês de Setembro com um lucro liqui­do de €72.7 milhões, uma desci­da de 38% face ao mesmo perío­do do ano anterior.


As acções do BCP subiram mais de 100% em Bolsa este ano. O BPI valorizou 25% e o BES subiu 13,3% desde Janeiro

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As estimativas para os resultados destes bancos em 2014 são mais positivas. E a partir de 2015 os analistas já antecipam lucros ao nível dos registados nos anos que antecederam a cri­se de dívida soberana na zona curo. Um dos fatores que deverão contribuir para a melhoria de resultados a prazo sem o corte de custos que estas entidades têm estado a fazer.
No caso do BCP, tem em curso uma reestruturação até 2017, visando diminuir o endividamen­to, aumentar a rendibilidade e eficiência. Este processo inclui o fecho de balcões e o despedi­mento de funcionários. A meta do banco é cortar 25% nos cus­tos com pessoal em 2015, em comparação com 2012. 0 BCP foi um dos bancos que recorre­ram aos instrumentos híbridos subscritos pelo Estado — os cha­mados ‘CoCos’ - e espera começar a amortizá-los no próximo ano com o pagamento de €400 milhões dos €3 mil milhões que usou da linha pública do resgate a Portugal para a recapitalização da banca.
Se o BCP não conseguir reem­bolsar €2,3% mil milhões dos ‘Co­Cos’ até ao final de 2016, terá de vender a participação da opera­ção na Polónia.
De resto, as últimas semanas trouxeram notícias positivas pa­ra a banca portuguesa. As previ­sões do Banco de Portugal (BdP) para a economia portuguesa, que apontam para um crescimento de 0,8% em 2014 e 1.3% em 2015, foram bem recebidas pelos investidores.
E dados do BdP indicaram que a cedência de liquidez do Banco Centrai Europeu (BCE) à banca portuguesa desceu em Novembro 3,2% para €48,913 milhões. Esta foi a segunda descida men­sal consecutiva, indicando uma menor dependência do BCE por parte dos bancos portugueses em matéria de liquidez.
Os mercados têm estado fe­chados para os bancos portu­gueses desde o agravamento da crise financeira, em meados de 2010, o que levou a que ficas­sem dependentes do financia mento do BCE.

Ações ainda em queda
No entanto, em Novembro, o BES conseguiu emitir €750 milhões de obrigações subordina­das. E o facto de Portugal que­rer voltar às emissões de Obriga­ções do Tesouro no início de 2014 traz confiança e uma me­lhor perspectiva para a situação futura da banca nacional. Isto depois do país ter feito uma ope­ração de troca de dívida de €6.6 mil milhões.

Apesar das perspectivas mais positivas, a realidade para as ações dos maiores bancos cota­dos ainda é de uma forte desvalorização no acumulado dos últi­mos cinco anos. O BCP soma perdas de 90%, segundo dados da Thomson Reuters. Os títulos do BPI recuam 74% e os do BES 32%. Estas descidas são superio­res às perdas de 57% da média do sector na Europa, desde o iní­cio de 2008. E.T.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

AFINAL PARA QUE SERVE O NOVO BANCO DE FOMENTO?

AFINAL PARA QUE SERVE O NOVO BANCO DE FOMENTO?
Com os fundos europeus, actuará como um grossista que injecta dinheiro na economia real


O que deve a comunidade empresarial esperar do designado banco de Fomento?
«Não se esperam remédios milagrosos, mas que seja um antídoto eficaz para a doença do crédito escasso e caro», responde António Saraiva, presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal. A CIP tem «expectativas elevadas» e acredita que ajude a «salvar empresas», beneficiando de uma «actuação mais expedita e determinada» do que a banca comercial.
Mas, nesta fase, sobram ainda muitas dúvidas sobre o efeito real no tecido das PME do novo braço financeiro, por estas por definir a sua exacta geometria. O Ministério da Economia optou por uma designação retórica (IFD – Instituição Financeira de Desenvolvimento) para uma agência que se assumirá como um «grossista» de instrumentos e dinheiros públicos. A sua capacidade financeira será assegurada por vernas comunitárias (o actual QREN conta com 6 mil milhões de euros por aplicar e os fundos do novo programa chegam em meados de 2014) e por sobras de outros organismos estatais.
António Saraiva nota que, no financiamento às empresas, a CGD não se especializou nem se distingue da banca privada. O novo banco beneficiará «de mecanismos e linhas preferenciais, vedados à banca comercial. O segredo está nos fundos europeus. A capitalização e expansão das empresas ficarão facilitada.
E fará sentido, neste momento, lançar uma nova entidade?
«Depende muito de como for conduzida», responde Pedro Ferraz da Costa. O empresário reconhece que a «restrição ao crédito é preocupante», mas revela algum ceticismo. Ferraz da Costa espera que a IFD tenha a coragem «de selecionar os sectores que vai apoiar», evitando o pecado «de injectar dinheiro em empresas falidas», como aconteceu no passado.
Alberto Castro, professor da Universidade Católica, antecipa a IFD «como um agente de racionalização e da reforma do Estado». Mas sem vocação ou missão de banco clássico. «Não faz sentido entrar em concorrência com a CGD, que se assume como o banco das PME», diz o economista. A IFD terá espaço se conseguir «dar coerência a um universo», desde o sistema de Garantia Mútua ao capital de risco estatal, «agilizando o processo de decisões, diz Alberto Castro.
António Marques, presidente da AIMinho, liga a criação do novo banco à execução do novo Quadro Comunitário de Apoio 2014/2020. As verbas deixarão de ser a fundo perdido e terão, maioritariamente, um caracter de subsídios reembolsáveis. A montagem das operações «precisa de um veículo de gestão financeira». Neste momento, «são mais as dúvidas do que as certezas, até na própria esfera governamental, sobre o posicionamento» da IFD. O que António Marques espera é que a IFD «concentre competências e calibre soluções até agora dispersas por várias entidades».

Ao optar «por um banco de 1.º andar (grossista), o Governo escolheu a pior solução de todas», diz António Rebelo de Sousa

A racionalização pode conduzir à transferência de competências ou extinção de outros organismos. António Saraiva fala «em complementaridades e sinergias» em vez de fusões, e Ferraz da Costa em «articulação de estratégias e congregação de esforços» entre sociedades concorrentes.
Esta semana, um representante da SOFID – Sociedade para o Financiamento do Desenvolvimento participou em Berlim na conferência anual da rede europeia da especialidade. A SOFID (60% do Estado) financia projectos de investimento e poderá ficar sem espaço de manobra com a criação do novo banco. O socialista António Rebelo de Sousa, presidente da SOFID, diz que a opção do Governo por «um banco de 1.º andar» (grossista e sem rede que lide com as empresas) «não lembra ao careca». A solução encontrada «foi a pior de todas» por ser confusa e levantar questões operacionais na gestão dos fundos. Rebelo de Sousa defende uma separação entre o financiamento da reestruturação empresarial e o apoio à exportação e internacionalização. A primeira função ficaria bem entregue à Caixa – Banco de Investimento, que beneficiaria do retalho da casa-mãe, e a segunda à sociedade a que preside. Esta solução «só faz sentido se a privatização da CGD for para avançar», ficando a nova IFD como banco público.


PERFIL


§  Instituição de capitais exclusivamente públicos
§  Gestor grossista de verbas para estimular investimentos de pequenas e médias empresas de bens transacionáveis
§  Apoio técnico a novos modelos de promoção da competitividade e internacionalização
§  Actuar em parceria com a banca na oferta de produtos (dívida subordinada, acções preferenciais, etc) na capitalização das PME
§  Promover a redução da alavancagem e risco bancários
§  Estudar a viabilidade e riscos de investimentos das empresas e estudar soluções de financiamento
§  Gerir com eficiência reembolsos da parte reembolsável dos fundos europeus.


ABÍLIO FERREIRA
aferreira@expresso.impresa.pt


«FLEXIBILIDADE A META DO DÉFICE NÃO É HIPÓTESE»

«FLEXIBILIDADE A META DO DÉFICE NÃO É HIPÓTESE»


Subir Lall recusa a ideia de estar a pressionar o Tribunal Constitucional que está, diz, «a fazer o seu trabalho». A sua preocupa­ção é que, perante decisões ad­versas como a de quinta-feira, o Governo consiga responder ade­quadamente. Em relação ao chumbo das pensões, refere ape­nas que não há margem para re­ver a meta de défice e que não foi discutido um plano B.

P Quais são os principais riscos para o crescimento que se está a verificar?
R Um dos mais importantes é quão forte será a recuperação da zona euro e também nos EUA e na Ásia. Outro é o impac­to da consolidação orçamental. Há também um outro risco, do­méstico, relacionado com a desalavancagem no sector privado.

P Não referiu o risco constitucional …
R Houve algumas decisões con­trárias e as autoridades apresen­taram medidas para compensar os seus efeitos. O nosso foco é nos objetivos de défice e divida. As medidas que acordamos são as que, na nossa perspectiva, atin­gem esses objetivos de forma sustentada e com o menor im­pacto no crescimento e empre­go. Se algumas forem declara­das inconstitucionais, o facto de o Governo estar comprometido com as metas significa que deve preparar alternativas.

P Discutiram alternativas?
R Não. O nosso foco é na meta de défice. Se for necessário espe­ramos que nos submetam uma proposta que nós analisaremos.

P O chumbo esta semana é uma ameaça para o défice de 2014?
R Acordámos com o Governo que serão tomadas medidas al­ternativas de alta qualidade pa­ra atingir a meta orçamental. Ca­so contrário, não podemos com­pletar a décima avaliação.

P O que é melhor cortes na des­pesa ou aumento de Impostos?
R Cabe ao Governo decidir. Co­mo princípio geral, acreditamos que reduções duradouras na des­pesa com base em reformas estruturais são melhores que subi­das de impostos.

P Esta e outras decisões desfa­voráveis do TC podem compro­meter o regresso aos mercados?
R Há risco para o regresso aos mercados se o Governo for visto como incapaz de cumprir a me­ta de défice cm 2014.

P O Governo está preparado para tomar as medidas?
R Comprometeu-se connosco e com a meta de défice.

P A flexibilização da meta de dé­fice não é uma hipótese?
R Não

P A pressão sobre o TC chocou muita gente. Não é dizer aos juízes para não fazerem o seu trabalho?
R Não. É injusto. Não queremos dizer a nenhum juiz ao tribunal como fazer o seu trabalho. O que queremos assegurar é que os objectivos económicos do programa são atingidos. Tendo em conta que há medidas que podem ser declaradas inconstitucionais, a questão é saber como responder. É totalmente diferente de dizer que o tribunal deve ou não fazer alguma coisa. Isso nunca fazemos. Neste assunto, seguimos o que o Governo nos diz que é provável ser aceite. Mas no final a decisão cabe sempre ao tribunal. E eles estão a fazer o seu trabalho, compreendemos e respeitamos isso. Não é uma especificidade deste país. O primado da lei nunca deve ser subestimado.

P Conhece outros países onde o FMI actuou. A Constituição portu­guesa é mais rígida do que ou­tras?
R Não sei. Uma coisa é a lei e outra é a interpretação da lei.

P Quando diz que Portugal ain­da necessita de reformas está a pensar em reduzir salários no privado?
R A questão em que estamos in­teressados é na flexibilidade do mercado de trabalho. Não signi­fica necessariamente flexibilizar o salário mínimo.

P Considera adequado o atual salário mínimo nacional (SMN)?
R Não viemos cá para discutir reduções do SMN. Que fique cla­ro. O que nos interessa é que há já flexibilidade no mercado e que as pessoas sejam pagas de acordo com a produtividade.

P Tendo em conta o desempre­go não parece haver grandes di­ficuldades em despedir...
R Não. Mas devemos perguntar-nos qual seria o desemprego se houvesse mais flexibilidade. O desemprego é mau. A questão não é tanto despedir para as em­presas se ajustarem, mas alterar os salários para refletir a produtividade.

P Mais flexibilidade pode passar por novos cortes nas indemniza­ções por despedimento?
R Estamos a olhar para todas as questões em grande detalhe. Muito já foi feito mas muito po­de ainda ser feito.

P Na mesma linha de políticas?
R Sim. Foi um bom começo,

P O Governo insiste que já foi feito o suficiente. Concorda?
R Não.

P O FMI insiste na reforma do mercado de trabalho como uma forma de estimular as exporta­ções. Mas as exportações até surpreenderam. Talvez já tenha sido feito o suficiente.
R Talvez... [enfatiza a palavra}. Mas deixe-me dizer porque não concordo. O que estamos a ver é uma melhoria nas exportações e Portugal tem ganho quota de mercado. Mas se olharmos para as importações, estão a subir. Para as exportações serem um motor do crescimento é necessá­rio que as exportações líquidas (descontadas das importações) continuem elevadas, e estão a di­minuir. Até pode ter havido ga­nhos de competitividade, mas há que manter o ritmo de cresci­mento das exportações superior ao das importações, e isso não se verifica agora.

P Não está certo que o ritmo de exportações seja sustentável?
R Exato.

P Foi a procura interna um dos principais motores do cresci­mento no 2º e 3º trimestres.
R As exportações cresceram, e não queria minimizar isso, mas o facto é que a procura interna está também a recuperar. Se olharmos o mercado de traba­lho, muita da recuperação está em sectores orientados para a procura interna.

P Isso são boas ou más notícias?
R Crescimento é bom. Mas na perspetiva da sustentabilidade, preferiria que o crescimento viesse dos sectores transacionáveis e virados para o exterior,

P Mas crescimento com base na procura interna é má notícia?
R Não. São boas notícias em ter­mos de desempenho económico de curto prazo. É importante pa­ra sinalizar a viragem, mas não é suficiente a prazo.

P Não será uma má notícia por­que contraria os pianos do FMI?
R Não. Nós não temos planos (ri­sos). Estamos contentes com es­te crescimento, mas precisamos ter certeza que a transformação da economia acontece.

P Emigraram 104 mil pessoas em 2012, muitas jovens e qualifi­cadas. Como é que um país pode prosperar se perde parte das gerações novas e qualificadas?
R Excelente questão. Temos que fazer tudo para assegurar que este é um país de optimísmo para as gerações mais novas e gerações seguintes. Temos que garantir que os emigrantes vol­tam, criar incentivos para isso. Por isso não podemos voltar pa­ra onde estávamos antes.

P Salários baixos não são incen­tivo.
R Não. Mas não se criam salários por decreto. Criam-se salá­rios altos aumentando o potencial de crescimento da econo­mia. No mercado de trabalho é importante separar oferta e pro­cura. Estamos interessados em reformas do lado da oferta.

P É possível um crescimento sus­tentado sem reformas profun­das na Europa?
R Precisamos de ambas: refor­mas aqui e na Europa.



Mercados querem acordo

Subir Lall defende que será vantajoso para Portugal que, no plano político, «exista um entendimento comum sobre onde é preciso chegar». «Os mercados ficariam muito confortáveis se houvesse um acordo, pelo menos, sobre os objetivos de um programa de transformação da economia», diz, admitindo que, por enquanto, esse acordo «é difícil de descortinar no debate público». O entendimento de base entre os grandes partidos deve visar, segundo o responsável do FMI, dois grandes desígnios — «estabilizar a economia» e «lançar os alicerces para a transformação da economia» — e terá de partir do reconhecimento de que, mesmo depois da saída da troika, «não será possível voltar às coisas como das eram antes de 2011.». E pela frente há três desafios: «Mais crescimento, sustentabilidade externa e ter uma dívida pública sustentável». Das conversas com o Governo e PS, Lall nota que «ambos concordam com os objetivos de médio prazo e isso é um bom começo.»