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sábado, 28 de abril de 2018

MPLA também assassinou a cidadania dos angolanos

DESTAQUE - aqui falo eu
Redacção F8
22 de Abril de 2018

O unanimismo – escola literária do princípio do século XX, que se propunha traduzir de maneira global a diversidade dos sentimentos e impressões de vastos grupos humanos (Jules Romains, na França e Dos Passos, nos Estados Unidos, estão entre os seus representantes).
Por William Tonet

O nosso unanimismo, imposto e impregnado na primeira Lei Constitucional de viés partidário, coloca a bicefalia como imagem de marca normativa, ao ritualizar e transformar em prática corriqueira o Presidente da República ser, obrigatoriamente, o presidente do MPLA, e isso pelo simples motivo de nunca ter havido uma verdadeira separação de águas, que fosse capaz de, no início de Angola como República, fosse possível, a formação de uma Assembleia Constituinte, abrangente, apartidária, integrando personalidades de várias sensibilidades.

Para desgraça colectiva da maioria dos povos angolanos, saídos de uma longa colonização secular, entram numa nova era, com um tão importante documento de Estado, de viés absolutista e ideológico, aprovado e assinado, exclusivamente, pelo presidente e Comité Central do MPLA.

Como se pode verificar o partido no poder, sempre juntou “2 (dois) em 1 (um)”, transmitindo a imagem deste ser o melhor método de governar. E tem sido esta prática rotineira, que alimenta um costume “fascistóide”, distante da versão que agora se quer transmitir a sociedade de haver bicefalia, e esta estrangular o exercício de poder do novo presidente da República, logo carente do apoio de todas as forças vivas da sociedade, incluindo partidos da oposição, para branquear e renovarem a continuidade do MPLA, como órgão supremo do poder de Estado.

Essa questão está inserida na primeira Lei Constitucional de 10 de Novembro de 1975 e aprovada, reza o art.º 60.º “por aclamação do comité central do MPLA” e, pasme-se, publicada e assinada por António Agostinho Neto, presidente do MPLA.

Eis o grande erro e vício do sistema absolutista.

No conceito linear e histórico, bicefalia são duas cabeças de uma ave, e hoje, segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa – existência de dois líderes que dirigem simultaneamente a mesma estrutura ou organização; liderança bipartida – dois dirigentes que fazem iguais conduções, mas conflituantes.

No caso vertente, na história de Angola, é o partido versus Estado não estarem, pela primeira vez, num corpo só, no do líder partidário que agora, sem a máquina do Estado ao seu dispor, pode gerar um clima de tensão à beira de mais uma crispação ou rotura interna, a fim de, um novo ditador, perpetuar o poder que sempre existiu em Angola desde 10 de Novembro de 1975.

Os “camaleões” do regime e o abaixo-assinado

Pelo vertido, não tenho respeito por quem hoje, não na pele de proletários, mas de milionários/proprietários/dirigentes, fazem abaixo-assinados contra José Eduardo dos Santos, agora despido do poder absoluto.

Onde esteve? 
Onde estiveram? 
No Pólo Norte? 
Na Lua? 
Ou nas quentes praias do peculato e da corrupção? 
Sim, por lá estiveram, refastelados e nada disseram, quando navegavam nas paradisíacas praias dos crimes dolosos e danosos, que delapidaram os cofres do erário público, visando selectivamente o enriquecimento ilícito de uns poucos.

Os senhores do actual abaixo-assinado, no pedestal do seu cinismo e ganância desmedida, nunca antes deram um voto, sequer, nas reuniões do comité central e bureau político ao João Lourenço, mas agora, visando a manutenção do poder, para continuarem na auto-estrada do roubo, exibem refrões de falsa verticalidade.

À época, estes mesmo arautos da desgraça, quais moralistas sem moral, deleitavam-se nas poltronas do ex-presidente, bajulando o “monstro político”, cotando-o como um dos mais iluminados líderes, portador de uma visão estratégica impar, digna da atribuição do Prémio Nobel, que lhe era, injustamente negado, advogavam…

Hoje querem-se heróis da transição, quando se acovardaram na injustiça contra Alexandre Rodrigues Kito, primeiro dirigente, falsamente, acusado de tentativa de golpe de Estado numa cabala que o arrastou para a desgraça política.

Mais onde estava França Ndalu (e outros), no pedestal da sua autoridade e influência, quando o poder absoluto e arbitrário de José Eduardo dos Santos afastou o general Vietnam da sucessão como Chefe do Estado-Maior General das FAA? 
Ou ainda, quando por engenharias venenosas, foram, por pensarem pela própria cabeça, “expulsos” das estruturas dirigentes do MPLA, Lopo Ferreira do Nascimento e Marcolino Carlos Moco? 
Estavam lá e aplaudiam o mal ou remetiam-se ao silêncio, quando, do interior, surgiam vozes incómodas, para estancar “a monarquia partidocrata” de JES, como as de Paulo Jorge, Mambo Café, Ambrósio Lukoki , cuja concentração de poder, o tornava insensível às balizas de contenção, requeridas no exercício de um mandato presidencial plural.

Estes de hoje e de ontem, estavam todos, à beira do rei, silenciosos, em função das mordomias, que cega os lambe botas, colocados na “pole position” dos ladrões do templo, que afundou o país.

Hoje, tivessem vergonha e pudor, deveriam ser fiéis à veia gananciosa, demitindo-se de criticar José Eduardo dos Santos, que lhes permitiu serem príncipes do enriquecimento ilícito, mas penitenciando-se, diante, principalmente, da maioria dos mais de 20 milhões de autóctones pobres.

Outro paradoxo, que tem sido uma prática do regime é a manutenção e aplicação, ao longo destes anos, do art.º 31.º da Lei Constitucional de 1975: “O Presidente da República Popular de Angola é o Presidente do MPLA”.

Tudo para o MPLA continuar a perpetuar-se acima dos órgãos do poder do Estado, com o beneplácito da oposição, que não cura de dar negativa a práticas constantes no art.º 2.º da LC (Lei Constitucional) de 1975: “Toda a soberania reside no Povo Angolano. 
Ao MPLA seu legitimo representante, constituído por uma larga frente em que se integram todas as forças patrióticas empenhadas na luta – imperialista, cabe a direcção política, económica e social da Nação”.

Não houvesse uma explícita aliança entre o texto e a prática quotidiana, ninguém ousaria acreditar na existência de um partido político colocado acima do Estado, numa multi-cefalia e não bicefalia.

Ora, o que muitos querem, infelizmente, também políticos da oposição, ingénuos quanto às manhas de um regime que anda em sentido contrário a lisura, transparência e honestidade intelectual, é mandar, em época multipartidária não como partido único, mas como único partido de Angola.

Outros grandes responsáveis pelo descalabro político, ético e moral do país, são proeminentes membros da magistratura judicial e do Ministério Público, destacando-se juízes e procuradores responsáveis pela produção de leis e acórdãos assassinos da cidadania e angolanidade.

Foi um reputado juiz do Tribunal Supremo, nas vestes de Tribunal Constitucional, que à época cunhou num acórdão de encomenda, favorável ao ex-presidente da República, de nunca ter cumprido nenhum mandato, pese ter governado, com poderes especiais absolutos, de 1979 a 2012, por “nunca ter tomado posse”.

Uma elucubração jurídica, colocando desta forma, do ponto de vista jurídico-constitucional, José Eduardo dos Santos como só tendo cumprido um mandato presidencial de 5 anos de 2012 a 2017.

Igualmente foram acórdãos dos Tribunais Superiores (Supremo e Constitucional), que disseram a JES não haver inconveniente jurídico quanto a nomeação e concessão do controlo do petróleo público aos seus filhos José Filomeno dos Santos, Zenú, (Fundo Soberano) e Isabel dos Santos (Sonangol). 
O autêntico poder no “Bananal”…

Nesta esquina, não fica difícil identificar os verdadeiros criminosos. Os homens de toga preta, são os grandes responsáveis pelo golpe de Estado continuado e, nesta esquina do vento, são estes mesmos senhores de ontem, a cuspirem no prato que lhes deu de comer.

Alguns destes, nunca seriam juízes de tribunais superiores se não trafegassem bajulação nos corredores presidenciais de José Eduardo dos Santos e, agora, vergam as asas ao novo inquilino João Lourenço, não para lhes permitir gerir a favor do bem público, mas para manutenção do poder, nas vaidades e a capacidade de continuarem a roubar.

Os que hoje dizem estar contra uma hipotética bicefalia, quantos cafés tomaram com JES, podendo falar de Angola, mas apenas pediam mais mordomias e tráfico para a roubalheira institucional que os tornou endinheirados.

Milionários, ricos sem nunca terem trabalhado, vergando as estopinhas, mas assassinando, na calada da noite, o povo por ausência de interesses patrióticos.

Como mudou o rei, querem continuar a roubar, logo preferem mostrar fidelidade canina ao novo inquilino, João Lourenço não de reverência e aceitação, mas para este não impedir nem parar a ilicitude da sua milionária fortuna.

Se o líder desse abaixo-assinado é, na realidade França Ndalu, então não temos dirigentes patriotas, mas dirigentes comerciantes, pois ele foi cúmplice de muitas jantaradas com Eduardo dos Santos e lá poderia abordar o país, o seu rumo, os desvarios políticos, económicos e sociais, para, aconselhando ou criticando, na qualidade de membro influente, ajudar a colocar os travões de que o país reclamava.

Hoje esse abaixo-assinado não é um sinal de patriotismo mas de interesse económico, pretendem a manutenção do dinheiro ilícito com a chancela do carimbo do Estado, agora em posse de João Lourenço e, amanhã, se for o “João da Esquina”, em defesa dos seus interesses ilícitos farão a mesma coisa.

Entrevista ao filho adoptivo de Lúcio Lara - Jean-Michel Mabeko Tali

CULTURA    
Entrevista  Domingo, 28 Fevereiro 2016 22:01
28 de Abril de 2018

Estive a fazer umas investigações sobre a vida de Lucio Lara ex. Secretário Geral do MPLA que faleceu ontem em Luanda, grande companheiro e amigo de Agostinho Neto, sobretudo no período da guerra civil contra a UNITA e a FNLA, no período da conquista da independência.

Depois de ter descoberto que ele tem três filhos vivos, Paulo, Bruno e Wanda Lara, descobri também que adoptou uma criança congolesa. 
O menino em questão é um rapaz chamado Jean-Michel Mabeko Tali, que tornou-se amigo de Paulo Lara (filho de Lucio Lara) no período em que a família Lara residia no Congo, onde o MPLA mantinha o seu quartel general, no combate às forças coloniais portuguesas.

Jean-Michel Mabeko Tali hoje em dia é um grande intelectual, professor da Universidade de Howard nos Estados Unidos, onde lecciona sobre Historia Politica.

Navegando na internet encontrei uma sua entrevista, onde fala um pouco sobre tudo da historia angolana, no período da independência. 
Uma entrevista muito interessante, efectuada em 2003, carente de muitas outras informações recentes.

Eis abaixo a entrevista, que vale a pena ler, porque ele conseguiu manter-se equidistante das actuas forças políticas em Angola, mantendo sempre uma posição neutra.

«Nenhum dos movimentos de libertação (FNLA, MPLA, UNITA) estava disposto a partilhar o poder... 
Penso, no meu livro, ter dado elementos suficientes para demonstrar isto», afirma o historiador Jean-Michel Tali.

Jean-Michel Mabeko Tali, tem vários diplomas de Universidades Francesas, um Mestrado em Estudos Africanos do Instituto de História da Universidade Bordeaux III, uma pós-graduação e um doutoramento em História Política da Universidade de Paris VII.

Além de fazer análises sócio-políticas para várias revistas, Jean-Michel é também romancista. 
Apresentou em Paris, em Fevereiro de 2002, o livro L'Exil et L'Interdit (O Exílio e o Interdito), dedicado a uma geração na qual se inclui «de jovens revoltados e muito politizados que viveram intensamente a questão dos países africanos dominados por partidos únicos». 
O seu interesse pela História política terá começado nessa época..

O seu 2º romance publicado também pela Editora L'Harmattan intitula-se "Le Musée de la Honte" (O Museu da Vergonha), fala das crianças soldados, na guerra civil do Congo, é uma homenagem a uma irmã sua que foi recrutada e, será lançado em Paris, em meados deste ano.

A partir de Washington, onde se encontra como professor convidado na Howard University, Jean-Michel Tali teve a gentileza de nos conceder esta entrevista sobre os dois volumes da sua obra “O MPLA Perante si Próprio”, lançada em Angola em Outubro de 2001 e, em Lisboa, em Maio de 2002. 
Trata-se de uma investigação histórica sobre o percurso deste movimento transformado em partido único.

Foi no Congo que tomou contacto com militantes do MPLA. Nunca foi simpatizante do movimento?

O meu encontro com o MPLA teve lugar em Brazzaville, por intermédio de amigos Angolanos. 
Sou de uma geração (anos70) politicamente muito engajada, que se sentia solidária com todos os povos em luta e com todas as lutas de libertação do mundo, da África à Ásia e América Latina. 
Os povos de Angola viviam isso, através dos movimentos. 
O MPLA, sediado em Brazzaville, era para nós, representante desta luta. 
Fizémos o que pudémos para manifestar a nossa solidariedade ao povo angolano através do MPLA. 
Neste sentido, fui de uma geração solidária e, portanto, simpatizante da luta de libertação feita pelo MPLA. 
Não sendo Angolano, as minhas manifestações de simpatia limitavam-se a esse nível.

Como conheceu e se tornou íntimo da família Lara?

A relação com os Lara fez-se através de uma longa história de amizade entre eu e Paulo, amigo de colégio e, primogénito da Ruth e do Lúcio, em Brazzaville, nos fins dos anos 60. Tornámo-nos como que irmãos.

Como analisa o facto do MPLA ter tomado unilateralmente o poder e se ter mantido nele durante estes quase 30 anos apesar das crises que ocorrem no seu interior, desde a fundação?

Esta questão abarca considerações que vão além da simples política doméstica angolana. Na realidade, nenhum dos movimentos de libertação (FNLA, MPLA, UNITA) estava disposto a partilhar o poder com os dois outros. 
Não estou a fazer nenhuma revelação e, penso ter dado elementos suficientes no meu livro para demonstrar isto. 
Aconteceu que neste processo de 1974-75, o MPLA beneficiou de uma série de factores conjunturais, tanto objectivos como subjectivos, para “fintar” (passo a expressão) os seus dois concorrentes.

Por factores objectivos, entendo as alianças políticas tanto internas, a nível da sociedade angolana, como internacionais. 
Cada um dos três movimentos armados beneficiou destes factores. 
Mas o que fez virar o barco a favor do MPLA, terá sido a maior capacidade, a nível interno, em capitalizar alianças locais, nomeadamante das forças sociais da capital, muito mais eficientes para a conjuntura de então. 
Contou muito, ter a capital na mão, no contexto africano da altura, era um trunfo essencial para o que viria. 
As alianças internacionais: aliar-se a Cuba era, de certo muito menos prejudicial do que aliar-se ao regime de Botha e trazer o exército da África do Sul dos tempos do apartheid, independentemente das razões invocadas: moralmente, isto dificilmente passava tanto em África como na maior parte do mundo. 
Isto jogou muito contra a FNLA e a UNITA. 
O resto foi um jogo diplomático dos mais fáceis para o MPLA e os seu apoiantes.

Recordo a imagem de soldados brancos, do exército sul-africano, capturados pelas FAPLA e seus aliados cubanos, isto levado a uma cimeira da OUA...

Pode imaginar o impacto diplomático que teve! 
Depois disto e, apesar de algumas oposições a nível da OUA, não foi difícil fazer admitir a República Popular proclamada por Agostinho Neto nas instâncias africanas e internacionais. 
Subjectivamente, vou apenas lembrar que: não foi difícil ao MPLA mobilizar o povo de Luanda (e não se trata apenas uma questão étnica) contra a FNLA: por razões históricas objectivas, muitos dos Angolanos do ELNA (exército da FNLA), não dominavam a língua portuguesa. 
Às vezes nem sequer a falavam. 
Muitos eram filhos de emigrados angolanos de longa data no antigo Congo-Belga. 
A propaganda do MPLA, inventiva e muito dinâmica na altura, apresentou toda esta gente como sendo estrangeiros, “zairenses”, etc.

Houve participação do exército zairense - e não há maneira de a FNLA negar isto, pois não só foram capturados alguns soldados do exército de Mobutu, mas fontes da própria CIA o reconhecem. 
Mas os Angolanos do ELNA (Exército de Libertação Nacional de Angola, braço armado da FNLA) acabaram por não entrar muito na contabilidade.

Era como se não existissem! 
Isto foi um formidável factor que jogou a favor do MPLA e, cujas consequências ainda se podem sentir hoje, como sabe... 
As invasões estrangeiras, sul-africanas nomeadamente, deram ao MPLA todos os trunfos de legitimação e, de perduração do seu poder. 
A guerra civil, alimentada por vários factores, deu um fôlego maior a este longo reinado do MPLA. 
De forma que a própria vida do partido - e do país - ficou suspensa ao fim deste longo conflito: adiou-se a resposta a muitas questões quer internas ao partido, quer sociais, quer políticas, com base na resolução prévia deste conflito.

Quais foram as alianças mais importantes que o MPLA fez antes e depois da independência e actualmente?

Nenhuma luta de libertação levada a cabo no chamado “terceiro mundo” e, mormente em África escapou a um facto objectivo: não podiam contar com o apoio dos países ocidentais em termos daquilo que era essencial: as armas.

Houve, por exemplo, nos casos das lutas nas colónias portuguesas, ajudas humanitárias de países nórdicos, ou pelo menos de organizações humanitárias e de solidariedade destes países. 
O MPLA beneficiou muito do apoio de organizações norueguesas, holandesas e dinamarquesas. 
Para as armas, só podiam contar com os países socialistas, do Leste Europeu, da América Latina (Cuba) - e de forma muita complexa e mitigada - da Ásia (China e, de certo modo, muito pouco, da Coreia do Norte).

Portanto, era normal que as maiores alianças internacionais do MPLA movimento de libertação fossem com estes países. 
Havia os países africanos, cujo papel era absolutamente fundamental, nem que fosse por meras questões geográficas: os Congos e a Zâmbia para os movimentos angolanos, o Senegal e a Guiné Conakry para o PAIGC, a Tanzânia e a Zâmbia e, em certa medida (não muito seguro) o Malawi para a FRELIMO (já que não podiam contar muito com a Rodésia do Sul (actual Zimbabwe), o pequeno reino da Swazilândia, dada a sua difícil situação geográfica. 
No caso do MPLA, o maior e mais seguro aliado em África foi sem dúvida alguma o Congo-Brazzaville. 
Depois da independência, essas alianças foram-se diluíndo em certos casos (africanos), nas considerações de questões e “razões de Estados”... 
As solidariedades já não foram – e nem podiam, como é obvio! – ser as mesmas.

Qual foi o papel da PIDE nos problemas do MPLA?

Na guerra entre os movimentos de libertação dos territórios colonizados, temos sempre dois ou três níveis. 
O primeiro – que se torna o fundamental, mesmo quando às vezes só intervem depois, o terreno militar, quando a potência ocupante se recusa a dar a independência, como foi o caso de Portugal. 
O segundo terreno, é o diplomático, também é fundamental, pois dele dependem, não só a sobrevivência do movimento armado (graças à aquisição de armamentos por diversas vias entre as quais ajudas de aliados e amigos), mas também porque é nele que tem que se lutar para fazer passar mensagens, fazer vencer a causa defendida e atrair ajudas político-diplomáticas, humanitárias e materiais. Portanto, o reconhecimento internacional é essencial e constitui para todo movimento armado um terreno de luta vital. Graças a ele, o movimento pode romper as barreiras de silêncio que em geral os media das super potências construíam à volta das lutas de libertação. O silêncio, para qualquer movimento de libertação, pode ser mortal. Veja-se Timor Lorosae e, dá para entender a importância da mediatização de uma luta de libertação, isto dito sem demérito do combate interno, do qual depende o essencial da vitória. 
Há no entanto um terceiro terreno: a subversão. 
Era de “boa guerra” diríamos, no sentido de que neste tipo de situações cada um procura destruir o outro de todas as maneiras possíveis. 
A potência combatida vai, não só procurar destruir militarmente o movimento armado, como procurará miná-lo no interior, provocar disfunções, etc. 
Quem executou os planos de assassinato de Amílcar Cabral urdidos pela PIDE, foram militantes dissidentes do PAIGC. 
A PIDE aproveitou problemas internos ao PAIGC para armar uma mão interna. 
Os movimentos de libertação não tinham, concerteza, meios de responder pela mesma moeda. 
Quanto muito procuravam obter a solidariedade de organizações políticas portuguesas.

Mas ao mesmo tempo, seria histórico e contraproducente em termos da compreensão deste processo atribuir à PIDE todos os dissabores internos dos movimentos de libertação. No caso do MPLA, procurei mostrar, no meu livro, que as raízes das crises que sacudiram o movimento de libertação na altura, tinham de ser procuradas em factores intrínsecos e, não imputá-las sempre a uma “mão externa”, à PIDE, etc.

A que se ficou a dever o 27 de Maio?

Vou resumir aqui o que explico no livro: o 27 de Maio de 1977 é o culminar de contradições cujas origens devem ser procuradas desde a luta de libertação nacional por um lado e, nos rescaldos das lutas e aspirações sociais herdadas da sociedade colonial angolana. 
Nito Alves foi um combatente de uma região que pagou caro a sua proximidade com a capital da colónia. 
O seu contacto com a direcção do MPLA passou-se praticamente no fim da guerra. 
Ele como outros da Primeira Região, tinham claramente feito entender a sua diferença quanto à visão que tinham não só da forma como a luta foi dirigida (e nisto peço para lerem a mensagem da Primeira Região ao Congresso de Lusaka de Setembro de 1974, anexado no meu livro, volume I), mas e muito rapidamente, de questões como a gestão da questão racial no seio da sociedade (ler as declarações de Nito, nomeadamente em 1976, sobre este assunto e, cujos extractos cito no meu livro) e as questões sociais.

Mormente, a questão da orientação ideológica do partido no poder acabou agudizando as já existentes divergências: Nito queria uma revolução pura e dura, de tipo Bolchevick, o seu discurso pro-soviético não deixa sombra de dúvidas. 
Mas eu não me quis limitar a isto. 
O que tento mostrar é que, para se entender as motivações de Nito e, dos seus companheiros, não seria produtivo do ponto de vista da análise contentar-nos em dizer que ele se tornou “de repente” pró-soviético”.

Havia outros que o eram e outros que eram maoístas, etc. 
O importante na minha opinião, é entender a dinâmica socio-politica que desemboca nesta tragédia. 
Parece-me importante colocar a questão em termos das lutas sociais que sustentam o discurso político de Nito, e a sua convicção, quase que messiânica (clara em alguns dos seus discursos ou escritos, nomeadamente as suas famosas “Treze teses”) de que a história tinha colocado nos seus ombros um papel fundamental neste processo revolucionário angolano.

Conforme declarações suas, foram os mesmos jovens que ajudaram o MPLA a vencer a guerra de Luanda, que no 27 de Maio foram eliminados, porquê?

O MPLA deve sim, a sua regeneração política de 1974-1975 à juventude urbana, mais particularmente em Luanda.

O movimento acabava de sofrer uma longa fase de sucessivas crises e, quando chega o 25 de Abril, é um movimento exausto, dividido, militarmente sem mais capacidade de iniciativa, enquanto que, entretanto, a FNLA estava a rearmar-se como nunca o tinha sido antes e, a UNITA, que se precipitou em assinar o cessar-fogo com as novas autoridades portuguesas, saía dos confins do Moxico para não só ser reconhecida finalmente pela OUA, mas sobretudo ganhar milhares de adeptos nos centros urbanos, sobretudo no planalto central e, no resto do sul do país (há reportagens fotográficas de comícios monstruosos da UNITA nestas regiões. 
A entusiástica adesão de milhares de jovens, que foram das cidades para os CIR (Centros de Instrução Revolucionária), cheios de ideias românticas e muita sinceridade para ser formados como soldados, de repente deu a Agostinho Neto o fôlego que permitiu que ele e o que restava do movimento pudessem reconstituir o potencial militar deste. 
Não fosse isto e, face a uma provável coligação FNLA/UNITA, o MPLA teria vivido uma real descida aos infernos. 
A história teria sido outra.

O problema é que esta juventude entusiasta, voluntarista, estava dividida em várias tendências ideológicas, que reflectiam em grande parte as divisões ideológicas que marcavam o movimento comunista internacional, mas reflectiam igualmente as divisões ideológicas na esquerda portuguesa do pós-25 de Abril.

Estas divisões são um dos mais marcantes aspectos das lutas políticas urbanas daquela época. 
Para ser breve: houve um choque entre estes jovens, suas visões do mundo, suas ideologias, etc., com as da liderança do MPLA, mormente de Neto. 
Alguns entraram em choque com Nito Alves; outros viram nele o verdadeiro e único revolucionário, face a uma direcção do MPLA que eles e outros (os CAC por exemplo, seus adversários) qualificavam de “burguesa”. 
O resto você sabe... 
Não vou aqui entrar no macabro debate estatístico sobre quantos terão sido mortos a 27 de Maio de 1977... 
O drama do que aconteceu não se limita a isso....

Acredita que ficou isento na sua pesquisa?

Sou um profissional das Ciências Históricas. 
Nesta qualidade sei, e, aprendi desde o primeiro ano na Faculdade, que a neutralidade, em Ciências Sociais e, mormente em História, é um exercício difícil de se realizar, porque quem escreve é um ser social, com uma trajectória, com vivências, uma educação, opiniões políticas próprias, etc. 
Isto quer dizer que estes aspectos todos podem interferir de uma forma ou de outra na obra e, dar uma certa orientação ao conteúdo desta. 
Em todas as Faculdades por onde passei, os mestres sempre chamaram a nossa atenção para isso. 
O valor do bom historiador reside então na sua capacidade em poder colocar-se acima da subjectividade, sobretudo quando se trata de questões polémicas.

A minha especialidade é a História Política, com tudo o que isto acarreta em termos de riscos de subjectividade e de parcialidade na análise dos factos.

Tentei fazer o melhor possível para escapar a estas armadilhas que espreitam qualquer historiador e, mais ainda, o politista neste tipo de empreendimentos – descrever e analisar um processo político-histórico. 
As reacções positivas e de encorajamento que tenho recebido por todo o lado, inclusive de personalidades que me consideravam como demasiado ligado a algumas das velhas figuras do MPLA, seus opositores nas lutas internas no seio do ex-movimento de libertação, deixam entender que atingi o objectivo desejado: manter-me isento, equidistante e, analisar com a maior frieza possível, sem tabus e sem temores, o processo da luta de libertação, bem como os dramas que marcaram a trajectória do MPLA. 
Mas, deixo aos leitores, a latitude de apreciar. 
Dito isso, quero ser realista: o historiador que escrever o livro perfeito, sem falhas (quer objectivas, por falta de mais dados, quer subjectivas por alinhar mais numa posição do que noutra), ainda está para nascer. 
Como Historiadores, escrevemos o que as nossas fontes nos disponibilizam e, as nossas análises não podem ser tidas como alguma palavra de Deus. 
As análises resultam dos limites dos nossos conhecimentos, da experiência como académicos, das fronteiras que conseguimos atingir em termos de saber científico, de estudo, mas também – e muito! – da experiência humana acumulada. 
Se tivesse escrito este livro mais tarde, talvez fosse ainda mais completo, mais profundo, etc. 
Porque teria, entretanto, ganho mais alguma coisa em termos de experiência, tanto humana como académica. 
Tive como bandeira a honestidade intelectual e a luta contra todo tipo de tabus nesta matéria.

A publicação do livro “O MPLA Perante si Próprio”, não representa o fim do seu interesse pelas questões políticas de Angola. 
Fará outros estudos nessa área?

O processo angolano é como que um laboratório vivo. 
Um terreno de pesquisa que tem ainda muitíssimo para dar. 
Portanto, penso que tenho muito que aprender e pesquisar neste fértil terreno.

Jean-Michel Mabeko Tali, Howard University, Visiting Professor Washington, DC.
nexus.ao

Existem três MPLA – direito de resposta

CULTURA         Destaque
Redacção F8
10 de Abril de 2018
“Historiador refuta subtítulo de notícia do Folha 8. 
O historiador Jean-Michel Mabeko-Tali leu com espanto e indignação o subtítulo dado a uma entrevista sua à Agência Lusa e, parcialmente, reproduzida no jornal Folha 8, na sua edição on-line de 8 de Abril de 2018. 
O autor vem, por este meio, demarcar-se tanto desse subtítulo sugestivo e sensacionalista (qual deles o pior), quanto das suas subentendidas implicações que em nada correspondem nem ao conteúdo, nem ao espírito da referida entrevista.”

Este Direito de Resposta de Jean-Michel Mabeko-Tali, enviado ao Folha 8 pela sua editora portuguesa, Mercado de Letras, baseia-se no nosso título: Existem três MPLA (qual deles o pior).

O autor do livro reconhece tratar-se de um “subtítulo sugestivo” mas que, diz, peca por ser “sensacionalista” e que “em nada correspondem nem ao conteúdo, nem ao espírito da referida entrevista”.

Sabe o autor, bem como a sua editora portuguesa, que o Folha 8 (neste caso) tem toda a legitimidade para, ao editar o texto, lhe atribuir o título que entender. 
Não o colocando entre aspas, assume a paternidade do mesmo e afasta qualquer responsabilidade do entrevistado.

Imputáveis ao autor são apenas, de facto e de jure, as frases colocadas entre aspas. 
Tudo quanto ultrapasse esta interpretação, como é o caso, peca de subjectividade e enferma de desconhecimento do que é a edição jornalística de um texto.

É natural que o autor e a sua editora portuguesa prefiram, comparativamente, ler o título da Agência de Notícias que, aliás, foi profusamente difundido por outros meios que, ao contrário do F8, usam o sistema automático de “copy paste”.

A Direcção Editorial do Folha 8

Existem três MPLA (qual deles o pior)

CULTURA
Redacção F8
8 de Abril de 2018
O historiador e académico congolês Jean-Michel Mabeko-Tali defendeu hoje em declarações à agência Lusa que o actual Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder desde 1975) está dividido em três – massa popular, classe média e a elite.

Jean-Michel Mabeko-Tali, natural do Congo-Brazzaville e professor desde 2002 na Universidade de Howard, em Washington, falava a propósito do livro “Guerrilhas e Lutas Sociais – O MPLA Perante Si Próprio (1960/1977)”, de 814 páginas, a lançar pela editora portuguesa Mercado de Letras.

Mabeko-Tali, que vivenciou no Congo os primeiros anos da luta dos movimentos independentistas angolanos contra Portugal, recordou que, nessa altura, existiam dois MPLA, liderado pelo “oficial”, e o “popular”, o das “massas”.

O “oficial”, sustentou, tinha uma direcção que mantinha “uma relação especial com dirigentes congoleses” – “de elite para elite” -, e que beneficiava de vários privilégios, como documentos para viagens, passaportes com nomes falsos para permitir viagens no exterior em benefício da luta de libertação.

“E havia um MPLA popular, composto por militantes de base, que não tinham o mínimo acesso a estes pequenos privilégios, e muito menos contactos com a elite do país anfitrião. Embora não directamente ligados à estrutura do movimento de libertação, tinham-no como um elemento de referência identitário e de ligação com Angola. 
Foi neste MPLA popular que houve o fenómeno de aprendizagem e de prática das línguas veiculares locais, como o ‘lingala’, coisa que, salvo raras excepções, não se verificava nos meios do MPLA oficial e da elite”, realçou.

Segundo o autor, doutorado em História pela Universidade de Paris VII – Denis Diderot e mestre em estudos Africanos, está aí a “génese” de o MPLA de hoje reflectir a divisão da sociedade angolana pós-independência em múltiplas classes sociais, cujo cordão umbilical, em termos de identidade política para uma boa parte dessas classes, é o MPLA.

“Mas é um MPLA que aparece, cada vez mais, sob visões diferentes, consoante se está nos musseques ou em bairros privilegiados. 
Há um MPLA que pertence à massa popular, sua base social incondicional; há um MPLA da classe média, o sustentáculo medianeiro que serve de caixa-de-ressonância e de megafone ao discurso da elite dirigente. 
E há esta elite, suficientemente dotada e talentosa, ao ponto de conseguir transformar o seu discurso social em discurso nacional e integracionista, que até a oposição acaba comprando”, explicou.

“[A elite] pertence a uma burguesia largamente compradora, pois na sua maioria recipiente das prebendas que resultam da inserção de Angola na economia-mundo, numa conexão em que ainda sobrevive, em larga medida, uma economia extravertida herdada do modelo económico colonial”, argumentou.

Segundo o académico congolês, os 38 anos de consulado do agora ex-Presidente da República (mas ainda Presidente do MPLA) José Eduardo dos Santos, “com a sua carga de estrondosos e rápidos enriquecimentos, alienaram de certo modo, e progressivamente, o forte laço político-identitário que ligava o MPLA popular e o elitista”.

“Nisto jogou também, e objectivamente falando, o pouco, senão mesmo a falta de laços de cumplicidade que o próprio presidente não foi capaz de criar com a população, sobretudo, nas províncias. 
Ao contrário de Agostinho Neto, não obstante o seu curto consulado à frente dos destinos do país (1975-1979), o seu sucessor não soube criar, um contrato de confiança com a população, e menos ainda com a Angola profunda. 
Nada de espantar, portanto, que a imagem do presidente Agostinho Neto ainda domine largamente em muitos desses lugares da Angola profunda”, destacou.

“A transformação do próprio partido numa máquina empresarial bilionária acabou por fazer emergir uma burguesia burocrático-empresarial e uma elite económica que, ao que me parece, olha agora com temor tanto para uma juventude urbana cada vez mais irrequieta, que mal se revê na JMPLA, como também para os musseques, mesmo que esses ainda lhe sejam largamente fiéis”, concluiu.

Folha 8 com Lusa

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Onde estava Marcelo Rebelo de Sousa no 25 de Abril?

HISTÓRIAS
Entrevista Alexandra Tavares­‑Teles
24-04-2018
O presidente da República nas comemorações do
25 de Abril, em 2017.

As últimas horas de 24 de abril e as primeiras da revolução, os três dias e as três noites frenéticas ao serviço do Expresso, os últimos encontros com Marcello Caetano, de quem não era afilhado, ao contrário do que reza a história, o pai, ministro do ultramar, Baltazar Rebelo de Sousa, o entusiasmo mas também a angústia da incerteza, os momentos mais quentes do PREC, Álvaro Cunhal, a tensão na Constituinte, a celebração da constituição. 

E também o verso preferido de Grândola, Vila Morena e a palavra de ordem mais bonita da revolução. 

O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recorda os dias quentes de há 44 anos.




Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa tinha 26 anos em 1974. 
Filho de Baltazar Rebelo de Sousa, um dos políticos mais destacados do antigo regime (governador­‑geral de Moçambique em 1968, ministro­‑delegado do presidente do Conselho para a Emigração e, sucessivamente, ministro da Saúde e Assistência, das Corporações e Previdência Social e do Ultramar, cargo que ocupava em 1973­‑1974), cresceu destinado a ser um dos herdeiros do regime. 
Mas o hiperativo e brilhante aluno, licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa com a classificação de 19 valores, era mais do que isso.

Envolvido desde cedo no movimento associativo, nomeadamente nas formações de jovens da Acção Católica Portuguesa (Juventude Escolar Católica e Juventude Universitária Católica), funda, em 1970, com o padre franciscano Vítor Melícias e alguns amigos, entre eles António Guterres, o Grupo da Luz, destinado a promover a intervenção dos católicos na vida social, económica e política. 
No mesmo ano, aproxima­‑se da SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social) que acabara de ser criada sob a presidência de João Salgueiro e funda a Ad­‑Hoc – Análise e Promoção de Desenvolvimento Cultural, uma associação de jovens, com base no Grupo da Luz, vetada pouco depois pela PIDE.

Analista político com caráter regular desde os anos 1960 nos jornais, Marcelo Rebelo de Sousa esteve, desde a sua fundação (1973), ligado ao semanário Expresso. 
Em abril de 1974, o acionista minoritário era também redator e editor na área de política e sociedade. 
De 1975 a 1979 foi subdiretor assumindo a direção entre 1979 e 1981. 
Nascido em Lisboa a 12 de dezembro de 1948, tem dois filhos e quatro netos. 
Foi eleito presidente da República em 24 de janeiro de 2016.
Marcelo Rebelo de Sousa com os pais, Baltazar Rebelo de Sousa (1921­‑2002), médico e político do Estado Novo, e Maria Fernandes Duarte (1920­‑2003), assistente social, e os irmãos António Rebelo de Sousa (à esquerda) e Pedro Rebelo de Sousa (ao centro)

Como viveu o dia 25 de abril de 1974?
O meu dia 25 de abril arrancou a 24, uma quarta­‑feira «europeia» no futebol. 
Jogava o Sporting, creio que na Taça das Taças [meias­‑finais da Taça das Taças frente ao Magdeburgo, da República Democrática Alemã] e lembro­‑me de ter ido ver o jogo a casa de um amigo que morava no Restelo, ali junto ao estádio do Belenenses. 
No final do jogo ­– naquela altura, eram às 21h45 ­–, peguei no meu carro, um Fiat 127 branco, e regressei ao Expresso. 
O fecho dava um trabalhão porque o jornal estava sujeito à prova de página.

A prova de página consistia em mandar a exame prévio, à censura, textos e imagens, mas também todos os títulos, toda a publicidade e toda a paginação. 
Ora, isso obrigava a que o jornal fechasse com muita antecedência. 
Cheguei ao Expresso, na Rua Duque de Palmela, por volta da meia-noite e fiquei a trabalhar até muito tarde. 
Lembro­‑me de ter saído por volta das cinco e tal da manhã, de dar a volta ao Marquês de Pombal e de, já a subir a Joaquim António de Aguiar, ver movimentos militares. 
Eram umas seis da manhã.
Tomada de posições durante na rua. O apoio popular ao MFA era já visível.

Liguei imediatamente o rádio, percebi logo que era um golpe e que o dia seguinte ia ser longo. 
Portanto, segui caminho e fui a casa, no Monte Estoril, tomar um duche para regressar ao jornal o mais depressa possível. 
Liguei a uma dezena de amigos, entre eles Francisco Sá Carneiro, João Salgueiro, Francisco Balsemão e creio que também a António Guterres e voltei para Lisboa.

A primeira chamada não foi para os pais? Baltazar Rebelo de Sousa era, à época, ministro do Ultramar.
Liguei para os meus pais, sim. 
Atendeu a minha mãe que me disse «o teu pai saiu há algum tempo e apesar de muita insistência de Marcello Caetano não foi para Largo do Carmo. 
Está no ministério, em contacto com os governadores africanos». 
O Ministério do Ultramar era onde é hoje o Estado­‑Maior-General das Forças Armadas, no Restelo.

Bem, liguei ainda aos meus irmãos e fui para o Expresso para refazer, pura e simplesmente, todo o jornal. 
O que era uma grande complicação, porque estava muito adiantado. 
E aí fomos chegando. 
Francisco Pinto Balsemão, diretor, Augusto Carvalho, chefe de redação, e toda a equipa. Que foi distribuída pelos vários pontos. 
Uns foram para o Terreiro do Paço, outros para a Pontinha, outros para o Rádio Clube Português. 
O José Galamba Marques, diretor da publicidade, ele próprio, coitado, seguiu para o Largo do Carmo. 
E ia ligando de uma cabina telefónica. 
Entretanto, apareceram amigos meus e Balsemão e alguns deles acabaram a fazer de jornalistas.

Lembro­‑me de o Galamba Marques telefonar e a chamada ser atendida pelo professor André Gonçalves Pereira, que lá tomava as suas notas. 
No meio desta loucura consegui, finalmente, falar com o meu pai. 
Contou­‑me que o professor Marcello Caetano lhe garantira que vinham a caminho de Lisboa tropas fiéis ao governo. 
Disse­‑lhe o que sabia: «Não, pai, não vêm forças nenhumas, não pensem nisso, isto está a correr rapidamente. Acabou.»
«A meio do dia [25 de abril] consegui, finalmente, falar com o meu pai. Contou­‑me que o Professor Marcello Caetano lhe garantira que vinham a caminho de Lisboa tropas fiéis ao governo. Disse­‑lhe o que sabia: «Não, pai, não vêm forças nenhumas, não pensem nisso, isto está a correr rapidamente. Acabou.»

De onde vinha essa certeza?
O António Reis [militante e dirigente político oposicionista ligado ao PS] tinha­‑me avisado da proximidade do 25 de Abril com alguma precisão. 
E embora o meu pai fosse dos membros do governo teo­ricamente mais bem informados, percebi, naquele momento, que, de facto, estava muito pouco informado. 
Penso que ele terá transmitido a informação a Marcello Caetano e que este terá respondido: «Esse Marcelo Nuno só traz más notícias. Isso são coisas do contra.»
De 24 a 27, dia da publicação do Expresso, chegou a dormir?
De 24 para 25 não dormi nada, de 25 para 26 praticamente nada, de 27 para 28, idem. Dormir, dormir, só no dia 28 à noite e por pouco tempo. 
Para me vingar do cansaço em que me encontrava. 
Praticamente 72 horas sem dormir.
O Dr. Mário Soares achava que eu, o Adelino Amaro da Costa e o António Guterres estávamos ligados à Opus Dei e que havia um complô para tomar os três partidos e dominar a política portuguesa.
Recorda­‑se da manchete do Expresso?
Foi um título relacionado não tanto com a revolução em si mas com as primeiras reuniões da Junta de Salvação Nacional com os partidos. 
Algo desse género. 
Aliás teve piada porque o Rui, um miúdo estafeta que geralmente levava as provas à censura, queria à força toda levar também aquelas páginas. 
«Pelo sim pelo não», dizia ele. 
E nós: «Não vás, não vás.» 
O pobre Ruca. 
Entretanto, os amigos não paravam de chegar à procura de novidades.

Jorge Sampaio, que tinha o escritório ao lado do Expresso, Vasco Vieira de Almeida, que tinha escritório mesmo em frente, e Mário Sottomayor Cardia. 
Por volta da hora de almoço, dei uma volta pela cidade para ver como estavam as pessoas nas ruas e no regresso ao Expresso dá­‑se uma cena muito curiosa com o João Bosco Mota Amaral. 
Lembro­‑me muito bem, estava de gabardina porque nessa manhã chuviscou e ia a caminho da Assembleia Nacional onde era deputado. 
«Ó homem, não vale a pena ir, olha que acabou o regime.»

E ele a insistir, que não podia faltar ao momento histórico. 
Lá foi e penso que lá está na lista dos deputados presentes na última sessão da Assembleia Nacional, onde tivera grandes discussões nas semanas e meses anteriores, tal como estará na primeira sessão da Constituinte. 
Horas entusiasmantes mas, com o pai do outro lado, seguramente muito angustiadas.

Vamos lá ver, para mim não era uma novidade. 
Até na medida em que fazia análise política e ia vendo a atuação da censura. 
O agravamento da censura deixava perceber que o regime estava a cair. 
O livro de António Spínola, a sua demissão, a demissão de Costa Gomes, as informações ouvidas de setores militares.

Aconteceu uma cena muito curiosa no jantar de aniversário do meu pai, no dia 16 de abril de 1974, na casa de fados do Carlos do Carmo (a minha mãe gostava muito de Carlos do Carmo e ele gostava muito da minha mãe): na fotografia que se tirou, o meu pai quis ficar de costas. 
Porquê? 
Porque, dizia ele, era passado e nós futuro. 
Veja bem como a 16 de abril era evidente e patente o estado de espírito realista. 
Portanto, para mim, era uma evidência. 
Se não fosse a 25 seria a 26, se não fosse em abril seria em maio.
Adelino Amaro da Costa, do CDS, que morreu em 1980, na queda do Cessna em que viajava para o Porto, com Francisco Sá Carneiro.

Pelos vistos só não era evidente para Marcello Caetano. Recorda­‑se da última vez que falaram, antes do 25 de Abril?
Não me recordo, mas em 1974 a relação já era má há muito tempo. 
Tínhamos tido uma boa relação enquanto os meus pais estiveram em Moçambique. 
Ora, eles regressaram em janeiro de 1970 e, nesse ano, se houve ainda um relacionamento, foi mínimo. 
Lembro­‑me de algumas reuniões, uma delas para saber se deveria legalizar os partidos ou não, com os mais novos que ouviu, em que estão, entre outros, João Salgueiro, Miguel Galvão Teles, Diogo Freitas do Amaral e eu. 
Depois, começou a endurecer progressivamente e a partir de 1972 os encontros são muito raros. 
E a partir de 1973 e da criação do Expresso são nulos. 
Depois do Expresso o panorama é completamente diferente. 
Ele considerava que era oposição. 
E, de facto, era.

Se a revolução não foi uma novidade, o que dela resultaria era uma incógnita. Estava otimista ou pessimista?
Aqueles primeiros dias foram de muitas dúvidas. 
Quem ficaria com o poder, quanto tempo levaria a transição para a democracia, de que maneira seria feita, enfim, muitas dúvidas. 
Na noite de 25 fui ver os meus pais, os meus irmãos estavam lá.

Como encontrou os pais?
A minha mãe era mais à esquerda e, portanto, estava muito dividida. 
Feliz pela revolução, mas muito preocupada pelo meu pai. 
O meu pai estava obviamente desfeito. 
Tinha trocado tudo na vida pela política, que via como dedicação integral ao país. 
Era ainda novo, tinha 53 anos, e a sua vida política, tal como a concebia e defendia, acabara. 
A dúvida era saber se ficava em Portugal. 
Inicialmente quis ficar. 
Mais tarde, na sequência de uma conversa com o general Costa Gomes, que era, desde os anos 1950, em que estiveram juntos no governo, seu amigo, acabou por partir.

Que disse Costa Gomes?
Que a revolução ia ser muito agitada. 
Mas só lho disse em julho, na queda do governo do Palma Carlos. 
«Isto está a acelerar e, se fosse a si, ia.» 
Portanto, a 30 de julho, no dia de anos da minha mãe, os meus pais foram­‑se embora. Tinham bom ambiente em Portugal e nas então províncias ultramarinas ­– provam­‑no o convite do presidente Chissano para visitar Moçambique e, depois do regresso, a relação sempre cordial com figuras da democracia. 
Mas preferiram ir.

Como estavam os filhos, nessa noite?
Tínhamos posições diferentes. 
O meu irmão António era mais à esquerda, próximo do Partido Socialista, o meu irmão Pedro muito mais à direita, e eu, como se dizia então, católico progressista, estava na linha da SEDES, ou seja, no centro-esquerda. 
Naquele dia 25 de abril, a sensação que tive foi de que estávamos perante a concretização de um sonho já esperado (embora desconhecendo­‑lhe a hora), uma concretização, porém, de contornos muito indefinidos em relação ao futuro. 
No dia 25, a meio a tarde, liguei a António Guterres a marcar um encontro para vermos o que faríamos. 
Jantaríamos dias depois. 
E o nosso caminho conjunto no Grupo da Luz dividir­‑se­‑ia por dois partidos.

Ele iria para o PS. Conta­‑se a história dos três amigos ­– o terceiro era Adelino Amaro da Costa ­– «distribuídos» estrategicamente pelos três partidos.
Uma história da cabeça do Dr. Soares. 
Ele achava que os três estávamos ligados ao Opus Dei. 
Ora, o único verdadeiramente ligado ao Opus, que era inclusivamente numerário, era Adelino Amaro da Costa. 
Eu tinha amigos no Opus Dei ­– o Adelino, o João Bosco do Amaral e outros ­–, mas não era Opus. 
E o Guterres também não. 
Porém, o Dr. Soares meteu na cabeça que era um complô do Opus para tomar os três partidos e, assim, dominar a política portuguesa. 
Mas isso foi mais tarde.

Voltemos às incertezas. Em 1976, quis escrever as memórias. Tinha 27 anos.
Mas não publiquei nem vou publicar.
Falei com Cunhal uma única vez, num jantar oferecido pelo presidente Jorge Sampaio. Eu era líder do PSD, ele já não era líder do PCP. Jantámos lado a lado. A imagem que guardo dele é a de alguém muito inteligente e muito carismático.

O cerco à Constituinte em novembro de 1975, por operários da construção civil. 

O que mais o impressionou nos tempos do PREC?
Dos episódios dramáticos do PREC que me passaram perto falhei apenas um, o cerco à Constituinte. 
E foi por um triz. 
No Expresso, a trabalhar, vi passar a manifestação dos operários da construção civil, a caminho da Assembleia, fui atrás deles, tentei mas já não consegui passar. 
Nos restantes, estive em todos. 
Em todos os momentos tensos que se viveram na Assembleia da República, em todos os comícios importantes, vi as barricadas do 28 de setembro. 
No 28 de setembro, apareceram no Expresso as figuras do costume. 
Lembro­‑me que Sottomayor Cardia levava consigo tudo o necessário para, se preciso fosse, «passar à clandestinidade».

Em campanha, com Sá Carneiro e Balsemão.

Entretanto, em maio de 1974, ajudara a fundar o PPD.
As histórias do PPD contei­‑as em livro mas lembro­‑me sempre de uma. 
A do nome. 
Muitos disseram depois que tinham dado sugestões. 
Bem, eu assisti a uma história que foi esta: no Expresso, Francisco Balsemão e Sá Carneiro discutem ao telefone o nome do partido. 
Sá Carneiro quer chamar­‑lhe «partido social-democrata», mas como acabara de ser anunciado um partido cristão­ social­‑democrata, o nome PSD era impossível. 
Enfim, estão nisto quando entra o Ruben Andersen Leitão, colaborador do Expresso.

E é ele quem diz, a certa altura, «porque é que não lhe chamam partido popular democrático?» 
E assim ficou: Balsemão e Sá Carneiro aprovam e eu vou de imediato para uma sala ao lado, onde, numa Olivetti, escrevo o primeiro comunicado do partido. 
Que se constituía com determinados princípios e que aderia ao MDP, Movimento Democrático Português. 
Levo o comunicado ao Balsemão, que o lê a Sá Carneiro, eu próprio passo o texto à máquina e é o Ruca que a correr o faz chegar à RTP, então no Lumiar, a tempo do telejornal das 19h30. 
E assim se anuncia o novo partido.
Abertura da Assembleia Constituinte, em junho de 1975.

Em 2 junho de 1975, iniciam­‑se os trabalhos da Constituinte. Foram feitas 132 sessões plenárias, ocupando quase quinhentas horas, e 327 sessões das treze comissões especiais que se constituíram, ocupando um total aproximado de mil horas. Que lembra desses tempos?
Lembro­‑me dos tensos períodos de antes da ordem do dia. 
Dos debates sobre Constituição e Revolução. 
Pertencia à V Comissão (que se ocupou da organização do poder político) que trabalhou inclusivamente no pino do verão. 
Então, estava de férias no Algarve numa casa de Conceição Monteiro e aí vinha eu com António Capucho, de comboio ­– ele para o partido e eu para a Constituinte ­–, agarrados aos transístores. 
Viagens que demoravam uma eternidade. 
Lembro­‑me ainda dos grandes debates que tive com o Lopes Cardoso e com o Freitas do Amaral sobre quanto tempo duraria a Constituinte.
Junho de 1975. Marcelo Rebelo de Sousa discursa na Assembleia Constituinte.

Dez meses depois, a 2 de abril de 1976, é aprovada a Constituição. Celebrou?
Claro. 
O PPD foi comemorar para a Choupana, um restaurante/discoteca no Estoril. 
Há uma história dessa altura engraçada. 
Poucos dias depois, fui buscar os meus papéis à Constituinte e encontrei o Vital Moreira. Que me diz, sabendo que eu não queria ser candidato à Assembleia da República, «mas que disparate, agora que a democracia está estabilizada é que não vens?». 
Bom, foi uma noite inteira cheia de dúvidas, pensei muito nisso, mas optei pela faculdade.

Muitos anos depois, como presidente do PSD, poria fim a 27 anos de relações cortadas com o PCP. Que impressão lhe causava Álvaro Cunhal?
Era uma figura muito carismática. 
Durante a revolução encontrei­‑me com ele uma única vez, precisamente no dia em foi aprovada a Constituição. 
Mas não falámos. 
Falo verdadeiramente com ele uma única vez, muitos anos mais tarde, num jantar oferecido pelo presidente Jorge Sampaio. 
Eu era líder do PSD, ele já não era líder do PCP.

Fizemos juntos o caminho até à sala de jantar e jantámos lado a lado. 
Foi uma longa conversa. 
Estava mais velho, mas era ainda muito impressivo. 
A imagem que guardo dele daqueles anos da revolução, não estando nunca próximo dele, é a imagem de alguém muito inteligente e muito carismático.
Qual foi a palavra de ordem mais bonita do 25 de abril? «Ditadura nunca mais.»
Herdeiro do regime, até onde poderia ter chegado no Estado Novo? Tão longe quanto em democracia?
O regime estava a cair. 
Herdeiros, já não havia tempo para eles e estariam nos 40, 50, 60 anos. 
Adriano Moreira, Antunes Varela, Kaúlza de Arriaga. 
Porventura, já nenhum deles quereria. 
Eu tinha 23 anos. 
Pertencia à SEDES, envolvera­‑me com o Expresso, criara o movimento ADHOC, proibido pela DGS, estava ligado à Ala Liberal que cortara com Marcello Caetano, fui testemunha de defesa de Sottomayor Cardia na DGS – tudo revelava que o entendimento era impossível.

Qual foi a palavra de ordem mais bonita da revolução?
Ditadura nunca mais.

Estado Novo: fascismo ou ditadura constitucionalizada, como referiu recentemente na nota de pesar pela morte de Varela Gomes?
Há no Estado Novo traços de inspiração fascista, do fascismo italiano, sobretudo em algumas facetas nos anos ideologicamente mais marcantes do regime. 
Há sempre uma ditadura autoritária, que começa por ser militar e que elabora depois uma Constituição chamada semântica. 
Semântica porque diz uma coisa enquanto a realidade é outra e para abrir caminho a essa mesma realidade oposta. 
Portanto, é uma ditadura que, tendo uma Constituição, essa mesma Constituição permite a elaboração de leis que a esvaziam. 
Era uma Constituição largamente de aparência. 
Assim, nos direitos fundamentais, esvaziáveis pelas leis que previa para sua disciplina.

De Grândola, Vila Morena, que já cantou, qual é o verso de que mais gosta?
Em cada esquina um amigo. 
Um mote para o discurso deste ano. 
Só o escreverei na vinda de Espanha [19 de Abril, data de fecho desta edição].

25 de Abril sempre ou chegará o dia em que não haverá celebração?
Sempre.

Em que página da Constituição de hoje encontra a marca mais efetiva de Abril?
No facto de haver Constituição democrática. Toda ela.

N.R.: Entrevista realizada por telefone devido à agenda presidencial