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sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Governo procura fiado em melhores condições

POLÍTICA     Destaque
Redacção   F8
31 de Agosto de 2018
A modalidade de financiamento multilateral, via Banco Mundial (BM) e Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), poderá constituir-se na principal via a que Angola recorrerá no futuro para obter recursos financeiros em melhores condições, disse hoje fonte oficial do Ministério das Finanças.

Segundo o chefe do Departamento da Unidade de Gestão da Dívida Pública (UGD) do Ministério das Finanças angolano, Giovanni Peliganga, a modalidade de financiamento directo é “mais cara” e obriga “a uma gestão de risco com taxas de juros mais afinadas”.

Giovanni Peliganga falava durante os trabalhos do seminário “Instrumentos de Financiamento das Instituições Internacionais”, que decorre desde quinta-feira em Luanda, salientando que o financiamento multilateral oferece “melhores condições” que os empréstimos directos entre Estados.

Para o responsável da UGD, a modalidade de financiamento comercial (entre Estados e bancos) representou o maior peso na estrutura “stock” da dívida na área do financiamento externo, com 56% entre 2013 e Julho de 2018.

Já o peso do stock da dívida na modalidade multilateral, no mesmo período, representou apenas 4%, abaixo da registada com fornecedores (9%), “eurobonds” (12%) e da bilateral (18%).

“Temos de começar a sair do financiamento comercial via directa com os bancos, com o Commercial Bank BBVA, entre outros, e caminhar para as instituições multilaterais, por oferecem condições melhores do que com os financiamentos directos junto das instituições financeiras”, disse o técnico do Ministério das Finanças angolano.

Segundo o “quadro resumo” apresentado por Giovanni Peliganga, o stock da dívida em termos de financiamento comercial externo foi de 5,20% (2013), 8,70% (2014), 8,90% (2015), 20,10% (2016), 22,90% (2018) e 22,69% até Julho de 2018 (dados preliminares), num um total de 56%.

No mesmo período, e referente ao stock da dívida do financiamento multilateral, começou em 0,5% (2013), 1,20% (2014), 1,60% (2015), 2,00% (2016) e 2,10 (2017), tendo-se reduzido para 7,51% até Julho último.

No período em referência, o stock da divida com financiamento bilateral teve um comportamento de 7,70% (2013), 8,00% (2014), 7,90 % (2015), 8,00% (2016), 7,90% (2017) e 7,51% até ao mês passado.

Representantes do Banco Mundial, da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), do Banco Africano para o Desenvolvimento (BAD) e da União Europeia (UE) apresentaram neste encontro os instrumentos financeiros disponíveis para Angola.

Segundo o Plano Anual de Endividamento, a dívida pública angolana totalizará até final deste ano 54.500 milhões de euros.

Por outro lado, segundo o Director do Gabinete de Estatísticas do Ministério das Finanças angolano, Osvaldo João, os efeitos da depreciação do preço do petróleo ainda se fazem sentir na economia angolana apesar da actual alta, porque se deteriorou a capacidade instalada para garantir a produção presente e futura.

De acordo com Osvaldo João, que falava no mesmo seminário, Angola tem tentado diversificar as fontes de financiamento do Orçamento Geral do Estado (OGE) para garantir a execução dos programas e projectos contidos no Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2018-2022.

Por isso, sublinhou, o tema do financiamento tornou-se nos últimos anos uma “questão central” da governação em Angola, bem como na de outros países, “fruto do efeito prolongado da queda do preço das matérias-primas nos mercados internacionais”.

Osvaldo João salientou que, apesar do “alta” actual do preço das matérias-primas nos últimos trimestres, como é o caso do petróleo, os efeitos da depreciação prolongada ainda se fazem sentir”, na medida em que deteriorou a capacidade instalada para garantir a produção presente e futura.

“Foi nesse quadro que o Governo de Angola solicitou ao Fundo Monetário Internacional (FMI) que as negociações que já estavam em curso para um Programa de Assistência Técnica evoluíssem [este mês] para um Programa de Financiamento Ampliado (PFA)”, sublinhou.

Para Osvaldo João, o PFA a que Angola pode aceder na sua qualidade de membro do FMI permitirá, no curto e longo prazos, alargar os prazos e diminuir as taxas de juro dos empréstimos que o Estado contrai.

Segundo aquele responsável do Ministério das Finanças angolano, o PFA “vai impulsionar a execução” do Programa de Estabilidade Macroeconómica (PEM) e do novo PDN para 2018-2022.

Por isso, considerou ser “fundamental” que o actual esforço de saneamento das Finanças Públicas “não obstaculize” o lançamento de programas e projectos vocacionados para o desenvolvimento do país.

Angola é o segundo maior produtor de petróleo em África, atrás apenas da Nigéria, com uma produção de 1,6 milhões de crude por dia.

Uma velha ladainha
O Governo angolano está agora a dizer que vai fazer o que devia ter feito há muitos anos. Ou seja, diz que vai avaliar novas fontes de financiamento a infra-estruturas, nomeadamente o recurso a fundos de investimento, mercado de capitais e parcerias com privados. 
Isto dizia, em Março de 2016, o Governo liderado por José Eduardo dos Santos.

Numa intervenção de abertura da conferência sobre o tema das infra-estruturas na África Subsaariana realizada pelo Instituto Real de Relações Internacionais/Chatham House, em Londres, o então ministro das Finanças, Armando Manuel, reconheceu ser necessário “alargar a janela de soluções criativas”.

No Ministério da Economia, disse, foi criada uma “unidade de Parcerias Público-Privadas”, estando actualmente a “trabalhar no quadro jurídico e regulatório para construir o ambiente e construir a capacidade necessária com a assistência da IFC [Corporação Financeira Internacional, parte do Banco Mundial]”.

Luanda também estava (está sempre) a estudar outras opções como a emissão doméstica de obrigações de infra-estruturas, dependente do reforço e aprofundamento do mercado de capitais nacional, fundos de investimento soberanos e fundos de investimento da diáspora e obrigações ligadas ao preço das matérias-primas negociados no mercado de futuros.

“Nesta miríade de opções, devemos ainda promover África junto de fundos de investimento privados e fundos de pensões privados”, enfatizou o ministro, que não rejeitou abordar os produtores independentes de energia africanos ou recorrer ao poder do banco central.

Armando Manuel falava a propósito da pressão que a redução do preço do petróleo e consequente queda das receitas fiscais colocou no Programa Nacional de Desenvolvimento 2013-2017.

Alguns projectos foram suspensos, admitiu, para se proteger um “núcleo” de infra-estruturas consideradas prioritárias, que actualmente inclui a construção de cinco centrais hidroeléctricas.

O ministro adiantou que o governo já estava a trabalhar no Programa para o próximo período de cinco anos, no qual deverão ser actualizadas as expectativas em termos de receitas fiscais com a produção do petróleo e “corrigidas uma série de medidas”.

Nas declarações aos jornalistas, o então ministro das Finanças disse ainda que o país não tem planeadas mais emissões de ‘eurobonds’ este ano (2016).

A conferência que reuniu representantes de governos, empresas e peritos internacionais tonha como objectivo discutir formas de resolver a falta de infra-estruturas na região, com ênfase na necessidade de promover capacidades locais para fomentar o crescimento económico e o desenvolvimento sustentável.

Petróleo – esse incendiário
Em Janeiro de 2016 o governo disse também que iria lançar um programa de resposta à quebra das receitas associada à venda do petróleo, prevendo cortar nas importações de bens e serviços, além de medidas nos domínios fiscal e monetário.

O anúncio constou do comunicado da reunião conjunta das comissões Económica e para a Economia Real do Conselho de Ministros, realizada sob orientação do então Presidente angolano, também Titular do Poder Executivo e líder do MPLA, que analisou o memorando sobre as “Linhas Mestras para a Definição de uma Estratégia para a Saída da Crise Derivada da Queda do Preço do Petróleo no Mercado Internacional”.

O documento, segundo a informação enviada à comunicação social, iria identificar “as medidas que devem ser adoptadas nos domínios fiscal, monetário, da comercialização externa e do sector real da economia”, com vista “a substituir o petróleo como fonte principal de receita, a controlar a expansão do défice e do endividamento, a melhorar a eficiência e a eficácia dos investimentos privados”.

Entre os objectivos do Governo com este plano para reagir à crise estava ainda o aumento da produção nacional e a promoção da exportação de bens e serviços “a curto prazo”.

“Ele visa igualmente aumentar a receita tributária não petrolífera, optimizar a despesa pública e racionalizar a importação de bens e serviços”, lê-se no comunicado da reunião do Conselho de Ministros, orientada por José Eduardo dos Santos.

E a UNITA perguntava
Entretanto, nessa mesma altura, o presidente da UNITA questionou o Presidente da República sobre o paradeiro dos mais de 160 mil milhões de dólares provenientes do petróleo desde 2011.

Isaías Samakuva, que discursava na abertura de um seminário metodológico para os quadros do seu partido, considerou que o país enfrenta a actual crise porque José Eduardo Dos Santos não diz onde está o dinheiro dos angolanos.

”Foram colocados à guarda do Presidente da República cerca de 130 mil milhões de dólares da reserva estratégica financeira petrolífera para infra-estruturas de base e 37 mil milhões do Fundo Diferencial do Preço do Petróleo”, acusou Samakuva, que queria saber se o dinheiro “está dentro do país ou fora e em nome de quem”.

O presidente da UNITA disse também que Angola sofre de doença terminal porque falta um pouco de tudo.

”Não há oxigénio nem máquina de raio x a funcionar nos hospitais, não há merenda escolar para as crianças, não há dinheiro nos cofres do Estado para pagar empresas, o país está doente, um tratamento de choque pode ser fatal para um corpo debilitado e canceroso de um país doente, por isso vamos privilegiar a função da mediação”, concluiu Isaías Samakuva.

Folha 8 com Lusa

Ser refugiado faz (é claro) uma enorme (in)diferença

POLÍTICA    Destaque
Redacção   F8
31 de Agosto de 2018
O secretário de Estado da Comunicação Social de Angola, Celso Malavoloneke, exortou hoje os órgãos de comunicação do país a pautarem-se por um tratamento “humano e responsável” na abordagem sobre assuntos ligados aos refugiados em Angola. 
Mais ou menos ao mesmo nível do que faz com os nossos 20 milhões de pobres. 
É isso, não é?

O tratamento digno e humano dos refugiados por parte das sociedades hospedeiras tem muito a ver com a forma como a comunicação social trata a questão, ou seja, se a comunicação social fizer uma abordagem baseada nos direitos humanos e na responsabilidade colectiva”, disse Celso Malavoloneke, em Luanda.

Exceptuando a comunicação social do MPLA (do Estado, se preferirem), que entende ser mentira que Angola tenha 20 milhões de pobres, toda a outra trata os direitos humanos sem colocar o rótulo de refugiados externos ou de refugiados internos, com respeito, moral e ética.

Falando hoje na cerimónia de abertura do balanço geral do ciclo de palestras sobre “Papel da Comunicação Social na protecção de Refugiados”, Malavoloneke referiu igualmente que, tal postura, “concorre para fácil aceitação do refugiado no meio social”.

“Mais fácil será para a sociedade aceitar o sacrifício da partida dos recursos que são escassos com aqueles que, por circunstâncias alheias, são obrigados a deixar o seu país. 
E é a nossa expectativa que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) em Angola nos ajude a cumprir esse nosso papel social”, observou.

O ciclo de palestras, que decorreu no Centro de Imprensa Aníbal de Melo (CIAM), na capital angolana, começou em Março e prolongou-se até Junho deste ano, percorrendo as províncias de Luanda, Uíje e Lunda Norte.

Na conferência de hoje, a delegação do ACNUR em Angola revelou que a, par da situação “emergente” a nível da província da Lunda Norte, que acolhe, desde 2017, cerca de 22.000 refugiados oriundos da RD Congo, aquele órgão das Nações Unidas controla em Luanda alguns milhares de refugiados.

São no total 15.555 refugiados e ainda 30.123 requerentes de asilo de cerca de 28 nacionalidades controlados pelo ACNUR, só em Luanda, conforme fez saber o oficial sénior de protecção do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados em Angola, Wellington Carneiro.

Pobres angolanos podem ser refugiados?

Sindika Dokolo, empresário, coleccionador, multimilionário, genro de sua majestade o ex-rei de Angola, medalha de honra da cidade do Porto (Portugal) – entre uma infinidade de outras coisas correlativas – anunciou em Maio de 2017 a entrega de 200 toneladas de arroz, óleo e farinha aos refugiados da República Democrática do Congo que fugiram para o leste de Angola.

Quanto aos 20 milhões de angolanos pobres… que esperem, que continuam a esperar, por melhores dias e por um governo competente que exista para servir os angolanos e não para se servir deles.

A doação foi feita através da Fundação Sindika Dokolo, que o empresário de nacionalidade congolesa criou em Luanda, destinada à recuperação e preservação da arte africana e afins, sendo os afins tudo o que se enquadra na estratégia de multiplicação de dólares e… afins.

“Estou chocado e amargurado de ver a barbárie que alguns dos refugiados provenientes da República Democrática do Congo sofreram. 
Sendo congolês e tendo crescido no Congo, não suporto ver a degradação das nossas populações e o jogo mórbida dos políticos de Kinshasa”, escreveu o empresário, casado com a mais emblemática milionária de África, Isabel dos Santos.

Será que a existência de 20 milhões de angolanos pobres também provoca em Sindika Dokolo um sentimento de choque e amargura? 
Convenhamos que esses angolanos não são propriamente prioritários na estratégia humanitária do genro de Eduardo dos Santos. 
Compreende-se. 
Se também nunca foram prioritários para o sogro de Dokolo nem para a sua mulher, porque carga de chuva o deveriam ser para ele?

Na altura as autoridades estimavam que mais de 25.000 refugiados da RD Congo tenham fugido para a Lunda Norte, no leste de Angola, para escapar aos violentos conflitos étnico-políticos na região do Kasai.

A doação é descrita por Sindika Dokolo como uma “gota de água no oceano das necessidades”, mas também como um “gesto de fraternidade e solidariedade” para com os “irmãos, irmãs e filhos da RD Congo”.

Lindo. Lindo. 
É mesmo de puxar uma lágrima. 
Os refugiados precisam de ajuda. 
É claro que os 20 milhões de angolanos também precisam, mas estão melhor que os congoleses. 
Têm a barriga vazia, mas não são refugiados. 
E isso faz toda a diferença.

Só o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) ia na altura prestar assistência a 9.000 crianças refugiadas da RD Congo, 200 das quais chegaram sozinhas a território angolano e a necessitar de ajuda urgente, fugindo das acções das milícias congolesas.

Um comunicado daquela organização referia que as 9.000 crianças estavam distribuídas por dois centros de acolhimento temporários no Dundo, capital da província angolana da Lunda Norte.

Com o apoio das autoridades provinciais e outros parceiros, aquela agência das Nações Unidas referiu que tinha prestado ajuda a essas crianças e respectivas famílias, que estavam a chegar aos centros depois de dias ou semanas a viajar a pé, feridas por balas ou catanas, e a testemunharem “ataques violentos”.

As acções da organização estavam viradas para a garantia de serviços de saúde, água e saneamento, a vacinação das crianças contra o sarampo, medida “crucial para reduzir o risco de surtos”.

Além destas acções, a UNICEF estava a treinar assistentes sociais para proceder ao registo de 200 crianças, que se encontram sem a companhia dos seus familiares, fundamental para a sua segurança e protecção contra o tráfico, abuso e exploração infantil.

“Por outro lado, através do registo de crianças, há uma maior probabilidade de conseguir reuni-las com as suas famílias”, referia a nota.

Para o representante do UNICEF em Angola, Abubacar Sultan, “reunir estas crianças com as respectivas famílias é uma prioridade”. 
Como ajuda adicional ao apelo feito pelo Governo angolano, a organização tem fornecido às autoridades da Lunda Norte materiais para apoiar as famílias acolhidas nos dois centros.

Neste apoio estavam incluídos materiais de tratamento e purificação de água, ‘kits’ de reintegração familiar, educacionais e de recreação, medicamentos contra a malária e doenças diarreicas, tendas, cobertores, bem como cartazes e folhetos de prevenção de doenças.

Folha 8 com Lusa

sábado, 25 de agosto de 2018

FMI passará a ser o titular do (nosso) poder executivo

ECONOMIA
Redacção  F8
21 de Agosto de 2018
O governo angolano solicitou o ajustamento do programa de apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI), adicionando ao mesmo uma componente de financiamento. 
Este pedido vai, de facto, aumentar a credibilidade do Estado. 
Isto porque quem vai mandar em Angola não será o Executivo mas, apenas e só, o FMI.
Por Orlando Castro

Em termos lusófonos, a história repete-se. 
João Lourenço prepara-se para ser o José Sócrates de Angola. 
E os angolanos que se preparem para o teste final – mostrar que sabem sobreviver sem comer. Os portugueses mostraram que é possível. 
Seremos nós capazes? 
Provavelmente sim. 
Experiência não nos falta.

No dia 11 de Janeiro de 2011 estava excluída a entrada do Fundo Monetário Internacional em Portugal. 
O primeiro-ministro, José Sócrates, garantia que Portugal não precisava de ajuda financeira e que continuava a ter todas as condições para se financiar no mercado internacional. 
No dia seguinte o FMI entrou, de armas e bagagens, em Lisboa e tomou conta do país.

Em Dezembro de 2009, o então director-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, fazia um aviso à navegação: “Os problemas acontecem quando os governos dizem à opinião pública que as coisas estão a melhorar enquanto as pessoas perdem os seus empregos”.

“Para alguém que vai perder o seu emprego, a crise não acabou. 
E isso constitui um alto risco”, afirmou o director-geral do FMI, acrescentando que “isso também pode, em alguns países, tornar-se um risco para a democracia. 
Não é fácil administrar esta transição, e ela não será simples para os milhões de pessoas que ainda estarão desempregadas no próximo ano”.

Em Portugal, na altura, admitia-se como provável que em vez de um novo desempregado a cada quatro minutos se consiga, com ou o acordo de resgate e fazendo fé nas promessas do governo de então, um desempregado a cada… três minutos.

“A economia mundial somente se restabelecerá quando o desemprego cair”, disse o responsável do FMI. 
E se assim é (em Portugal foi mesmo assim) os angolanos estão ainda mais lixados.

E, convenhamos, se for possível a João Lourenço – agora que está na Alemanha – garantir à dona da Europa, Angela Dorothea Merkel, que os angolanos conseguem estar uns anos sem comer, Angola não tardará muito a ter o défice em ordem e a beneficiar do pleno emprego.

O que vamos ouvir do governo
“A minha principal preocupação será com a Economia e com o superarmos esta situação de crise que nos tem vindo a afectar. 
Vamos continuar a apoiar as empresas, tendo em vista a superação das dificuldades em tempo de crise”, dirá o nosso ministro das Finanças (provavelmente na qualidade de adjunto de alguém do FMI), Archer Mangueira.

O ministro das Finanças defenderá qua Angola está numa situação “mais vantajosa” para reduzir o endividamento depois da crise, considerando que falta apenas melhorar a diversificação e a competitividade da economia.

“O aumento do endividamento é um problema que todos os países vão ter de enfrentar”, dirá Archer Mangueira (ou até mesmo João Lourenço), defendendo que “acabando a crise torna-se muito claro a necessidade de os países retomarem o mais rapidamente possível a estratégia de consolidação orçamental”.

Ou seja, afinal os angolanos não têm nada a temer. 
Se, por um lado, há muita gente que vive pior (o que parece, segundo o Governo do MPLA, uma boa consolação), por outro, quando a crise passar, uma só refeição já será uma dádiva divina para os que não tinham nenhuma.

Porém, “uma coisa é certa: o facto de termos estes níveis de dívida vai exigir uma política que reforce o potencial de crescimento da economia”. 
Isso implicará, como sabiamente vai explicar Archer Mangueira, uma política económica “que aumente a competitividade e reforce o sector exportador.

Antecipando, como lhe compete, os cenários, o Governo dirá que a reacção no pós-crise “coloca na agenda um conjunto de políticas de valorização dos recursos humanos, melhoria de infra-estruturas e mais ciência”.

O que o FMI disse ao Zimbabué
Ao anunciar no dia 25 de Março de 2009 que a ajuda técnica e financeira ao governo do Zimbabué dependia da adopção de boas políticas económicas e do saldo da dívida externa, o Fundo Monetário Internacional veio apenas dizer que o povo ia continuar a morrer à fome.

“A ajuda técnica e financeira do FMI depende da adopção de um mecanismo de acompanhamento das políticas económicas, do apoio dos doadores e do saldo das dívidas aos credores oficiais, dos quais faz parte o FMI”, indicou a instituição internacional num comunicado depois de ter enviado uma missão ao Zimbabué.

No início dessa missão de duas semanas, o ministro da Economia zimbabueano, Elton Mangona, tinha anunciado que o FMI se tinha prontificado a ajudar “imediatamente” o novo governo de união.

Os países vizinhos do Zimbabué apelaram também ao FMI para apoiar Harare, antes da cimeira da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) para examinar os meios para ajudar financeiramente este país membro.

No comunicado, o FMI saudou as primeiras medidas tomadas pelo então novo governo. 
A decisão de autorizar as transacções comerciais em divisas estrangeiras permitiu, segundo o FMI, travar a inflação e reforçar o plano de relançamento apresentado pelo governo.

No entanto, o FMI sublinhou que “um forte declínio das actividades económicas e dos serviços públicos contribuiu fortemente para a deterioração da situação humanitária”.

A grande maioria do povo zimbabueano lutava por sobreviver num país com a economia em ruínas, confrontado com a escassez de alimentos e uma taxa de inflação de 231 milhões por cento. 
Mais de 80 por cento da sua população estava desempregada.

Recorde-se que, como medida macroeconómica de vastíssimo alcance e que deveria constituir um exemplo para o Mundo que se dizia estar a atravessar uma grave crise financeira, o governo de Robert Mugabe lançou na época a nota de 100 mil milhões de dólares… zimbabueanos.

Assim, mesmo que tivesse uma das novas notas no bolso, qualquer cidadão do povo (sim do povo, que os da gamela usam, apesar da crise mundial, dólares norte-americanos) não conseguiria comprar três ovos. 
É que cada ovo custava, 35 mil milhões.

Os banqueiros portugueses e o FMI
Fernando Ulrich (BPI): 
29 Outubro de Outubro de 2010 – “Entrada do FMI em Portugal representa perda de credibilidade”.
26 Janeiro de 2011 – “Portugal não precisa do FMI”.
31 Março – “Por que é que Portugal não recorreu há mais tempo ao FMI?”

Santos Ferreira (MBCP):
12 Janeiro de 2011 – “Portugal deve evitar o FMI”.
2 Fevereiro – “Portugal deve fazer tudo para evitar recorrer ao FMI”.
4 Abril – “Ajuda externa é urgente e deve pedir-se já”.

Ricardo Salgado (BES):
25 Janeiro – “Não recomendo o FMI para Portugal”.
29 Março – “Portugal pode evitar o FMI”.
5 Abril – “É urgente pedir apoio… já”.

José Sócrates e Passos Coelho
No meio da crise, do resgate e da suposta salvação do FMI, Passos Coelho, então líder do PSD e depois primeiro-ministro, perguntou aos portugueses sobre José Sócrates: “Como é possível manter um governo em que um primeiro-ministro mente?”

Mentir é, no caso de Passos Coelho uma forma de vida. 
Em tempos ele afirmou: “Estas medidas põem o país a pão e água. 
Não se põe um país a pão e água por precaução”. 
Resultado? 
Pôs os portugueses a água mas cada vez mais sem pão.

Foi ele quem disse: “Estamos disponíveis para soluções positivas, não para penhorar futuro tapando com impostos o que não se corta na despesa”. 
Resultado? 
Pôs os portugueses a pagar mais impostos, penhorando até o futuro dos filhos e netos.

Foi Passos Coelho quem disse: “Aceitarei reduções nas deduções no dia em que o Governo anunciar que vai reduzir a carga fiscal às famílias”. 
Resultado? 
Acabou com as deduções e aumentou a carga fiscal das famílias.

Foi ele quem disse: “Aqueles que são responsáveis pelo resvalar da despesa têm de ser civil e criminalmente responsáveis pelos seus actos”. 
Resultado? 
As despesas resvalaram e de que maneira mas, como dono do país, mandou às malvas essa ideia de os autores serem civil e criminalmente responsabilizados.

Foi Passos Coelho quem disse: “Ninguém nos verá impor sacrifícios aos que mais precisam. Os que têm mais terão que ajudar os que têm menos”. 
Resultado? 
Trabalhou em prol dos poucos que têm milhões, esquecendo totalmente os milhões que, por sua culpa, tinham pouco ou nada.

Também foi ele quem disse: “Queremos transferir parte dos sacrifícios que se exigem às famílias e às empresas para o Estado. 
Já estamos fartos de um Governo que nunca sabe o que diz e nunca sabe o que assina em nome de Portugal”. 
Resultado? 
O Estado transferiu os sacrifícios que lhe deviam caber para as famílias e para as empresas.

Foi Passos Coelho quem disse: “Para salvaguardar a coesão social prefiro onerar escalões mais elevados de IRS de modo a desonerar a classe média e baixa”. 
Resultado? 
Pura e simplesmente acabou com a classe média, atirando-a para o nível de lixo.

Foi igualmente Passos Coelho quem disse: “Se formos Governo, posso garantir que não será necessário despedir pessoas nem cortar mais salários para sanear o sistema português”. 
Resultado? 
Despedimentos nunca vistos, desemprego em níveis históricos, cortes nos salários e nos subsídios.

Foi a mesma criatura quem disse: “A ideia que se foi gerando de que o PSD vai aumentar o IVA não tem fundamento. 
A pior coisa é ter um Governo fraco. 
Um Governo mais forte imporá menos sacrifícios aos contribuintes e aos cidadãos”. Resultado? 
Aumentos brutais do IVA, imposição de terríveis sacrifícios aos cidadãos.


O mesmo Passos Coelho também disse: “Não aceitaremos chantagens de estabilidade, não aceitamos o clima emocional de que quem não está caladinho não é patriota”. 
Resultado? 
Chantagens e mais chantagens. 
Pressões e mais pressões. 
Institucionalização do princípio de que até prova em contrário todos são culpados.

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Petróleos, BES, águas, Hotel Ritz e favores de Salazar. As origens da fortuna familiar de Pedro Queiroz Pereira /premium

PEDRO QUEIROZ PEREIRA
Pedro Jorge Castro  19 Agosto 2018
O avô, Carlos Pereira, ofereceu as suas casas para Salazar passar férias. 
O pai, Manuel Queiroz Pereira, teve negócios nos petróleos, administrou o BES e conseguiu favores para fundar o Hotel Ritz.

Carlos Pereira, avô de Pedro Queiroz Pereira (falecido este sábado), controlava a Companhia das Águas de Lisboa e o Banco Comercial de Lisboa, que em 1937 se fundiu com o Banco Espírito Santo, dando origem ao Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa. Um dos seus filhos, Manuel Queiroz Pereira (pai de Pedro Queiroz Pereira), foi administrador do BESCL, sócio da Sociedade Nacional de Petróleos (SONAP), em parceria com Manuel Bulhosa, e o grande impulsionador do Hotel Ritz, após a morte de Ricardo Espírito Santo. 
Foi ele que trouxe dos EUA uma cadeira articulada onde Salazar passou os últimos dois anos da sua vida, convencido de que ainda mandava. 
E foi ele o maior contribuinte individual para a criação da Fundação Salazar, com 500 contos. Já no marcelismo, entrou nos cimentos com a Cinorte e foi dono do jornal A Capital. 
A partir da vasta correspondência que enviaram a Salazar, reveja as suas histórias, a partir de excertos do livro Salazar e os Milionários (ed. Quetzal, 2009).

1 - A oferta a Salazar de casas para férias
Poucos meses depois de ter ascendido ao cargo de presidente do conselho, em 1932, Salazar começou a visitar as várias obras que a Companhia das Águas de Lisboa tinha em curso nos arredores da capital, guiado pelo presidente da empresa, Carlos Pereira. 
“Basta que me dê as suas ordens, de véspera ou no próprio dia, que eu irei buscá-lo no meu carro e seguiremos assim desapercebidos e livres de testemunhas impertinentes. 
Fico pois aguardando as ordens que Vossa Excelência por qualquer dos telefones me queira transmitir”, escreveu o presidente da empresa em Junho de 1933.

Mas havia sempre uma preocupação colateral na combinação destes passeios: a meteorologia. 
Em Março de 1936, Carlos Pereira cancelou uma visita invocando o “maldito tempo” e os seus perigos: “Deus me livre de estragar a sua saúde”. 
Já três meses depois, em Junho, desafiou Salazar a “convidar alguns dos seus amigos” porque estaria bom tempo e o passeio iria ser “realmente bonito”.

A proximidade entre os dois homens chegou a ser tanta, que Carlos Pereira tinha até à-vontade para propor ao governante que passasse férias numa das suas duas casas. Bastava que avisasse com 24 horas de antecedência, para que mandasse limpar o pó. Poderia optar entre a do Estoril e a quinta em Cabeça de Montachique. 
“Quando a arranjei lembrei-me logo do meu bom amigo, quanto lhe poderia ser útil quando quisesse descansar um pouco ou ali trabalhar à sua vontade e em pleno sossego”, disse a Salazar. 
“Ambas têm os malditos telefones, mas é facílimo mandá-los desligar. 
Uma, a de Montachique, tem garagem e casas para pessoal e nas caves da casa principal acomodações para os seus homens à vontade. 
Na do Estoril não há garagem mas perto da mesma há uma onde costumo recolher o meu automóvel. 
Porque não experimenta? 
Tanto prazer teria em que tirasse resultado.”

Outra nota que ilustra o forte relacionamento pessoal entre o presidente da Companhia das Águas e o presidente do conselho é de 1939, quando Carlos Pereira se desculpou por não ter agradecido as atenções do governante atempadamente: “Infelizmente temos andado atordoados com a grande desgraça que todos nós sofremos com a morte de minha nora [mulher de Manuel Queiroz Pereira], uma boa pequena de vinte e poucos anos, seguida de uma doença grave do filhinho que deixou.”

2 - As contas das obras nas casas de Salazar e a guerra com Duarte Pacheco
Uma vez que contava com o presidente da Companhia no seu círculo restrito de amizades, era a ele que o presidente do conselho recorria de cada vez que tinha problemas de água em casa. 
Em 1935, o chefe de gabinete do governante estranhou os elevados gastos, que chegavam aos 30 metros cúbicos por mês. 
“Acho um consumo muito exagerado, isto gasto eu em minha casa e somos sete pessoas e também tomamos banho todos os dias e tenho jardim”, concordou Carlos Pereira, que mandou fiscalizar de dois em dois dias os registos da casa de Salazar, quando ainda morava na R. Bernardo Lima.

A correspondência sobre estes assuntos mostra a seriedade normalmente atribuída ao ditador em questões de contas: o seu chefe de gabinete, Leal Marques, chegou a dizer ao dono da empresa que Salazar estava zangado e não o receberia enquanto não lhe fosse enviada a conta de umas obras feitas na sua casa da Rua Bernardo Lima. 
Resultou. 
Em 1936, depois de outros trabalhos na residência de Salazar em Santa Comba Dão, Carlos Pereira escreveu-lhe a garantir não se ter imiscuído em nada: “Uma das coisas que não sucederia se eu tivesse tido interferência no caso era o pagamento ao caminho de ferro visto que tão fácil e economicamente enviaria o material em camião, como da outra vez.”

A relação entre Salazar e Carlos Pereira ficou também marcada por vários conflitos, quase sempre provocados por decisões de Duarte Pacheco, ministro das Obras Públicas, que tutelava a Companhia das Águas. 
Quase tudo era motivo de discórdia, desde os impostos que a empresa devia pagar, até ao acerto de uma emissão de obrigações, sem esquecer a dura renegociação do contrato entre a empresa e o Estado.
Um retraro de Carlos Pereira, avô de Pedro Queiroz Pereira, que se encontra no arquivo da EPAL

O presidente da Companhia das Águas atacava violentamente Duarte Pacheco nas cartas a Salazar, mas o ditador defendia aquele que era um dos seus ministros preferidos. 
Em resposta a uma reclamação sobre os impostos a aplicar à empresa, o próprio justificou, por carta, por que entendia que a Companhia não tinha razão.

A animosidade sentia-se a cada palavra: “Antes de aceitar o último [sublinhado pelo próprio] conflito que esse senhor ministro das Obras Públicas me levou a aceitar, medi bem todas as consequências pelo pior, e tracei a minha linha de conduta tão irrevogavelmente que ninguém será capaz de me fazer desviar, nem mesmo ninguém me poderá alcunhar de cobarde ou fugitivo pois que os serviços que a Companhia tenha prestado me dão o legítimo direito de responder: basta, não quero mais e nem sequer admito que me peçam mais sacrifícios.”

A ira de Carlos Pereira terá atingido o auge quando se negociava o novo contrato do Estado com a Companhia das Águas. 
Foi logo a seguir a um telefonema em que o próprio Salazar criticou a inconstância negocial do empresário, acusando-o de pedir hoje 10, “para amanhã dizer que não chega e pedir novamente 20!” 
Redigiu uma carta de cinco folhas, dirigida a Salazar, com data de 4 de Março de 1937, com várias críticas ao “ministro Pacheco” e sucessivos lamentos de que cada artigo do acordo visava reduzir os dividendos dos accionistas. 
Carlos Pereira descrevia os quatro anos de luta em que a mulher e os filhos tinham mesmo recebido telefonemas com ameaças de morte, mas contava como nessa altura já tinha a situação controlada: “De há bastantes anos para cá que o pessoal está todo na minha mão, porque tem que reconhecer a justiça com que eu procedo.” 
Esta carta foi descoberta recentemente nas instalações da EPAL e não se encontrou nenhum comprovativo de que tenha de facto sido enviada ao presidente do conselho. 
Mas é mais uma prova de que Carlos Pereira hostilizava Duarte Pacheco até ao limite.

Ao mesmo tempo, em relação ao presidente do conselho mantinha-se sempre reverencial. Foi assim por exemplo quando lhe pediu uma audiência, numa altura em que Salazar ia retirar-se para Santa Comba Dão: “Para mim tanto me faz que seja em Lisboa ou até nos confins do mundo, basta que vossa excelência tenha a bondade de me mandar prevenir de onde e quando devo comparecer.”

No resto da correspondência, há apenas mais uma mensagem com conteúdo político: em 1936, o dono da Companhia das Águas manifestou o seu apoio ao governante no início da guerra civil de Espanha, contra o comunismo, a que chamou “esse papão de muita gente”. No fim dessa carta, descrevia os elogios que tinha feito a Salazar perante Óscar Carmona: “Ainda ontem eu, em conversa, dizia ao Senhor Presidente da República: ‘Deu-nos felizmente a providência um homem que nos salva governando-nos bem, todos sem excepção temos que lhe agradecer infinitamente e confiarmos.’”
Salazar, com Carlos Pereira à esquerda de quem vê, e Bernardo Moniz da Maia à direita (Arquivo da EPAL)

3 - A tradição dos crisântemos e uma demissão
Após a morte de Carlos Pereira, em 1941, coube a Pedro Queiroz Pereira, um dos cinco filhos, substituir o pai na liderança da Companhia das Águas de Lisboa. 
Com o cargo, recebeu também a incumbência de continuar a tradição de enviar ao presidente do conselho os primeiros crisântemos nascidos nos jardins da empresa. 
Esse ritual é desvendado na primeira mensagem de Pedro Queiroz Pereira, sublinhando que se tratava de um “inefável prazer” do seu pai, devido à estima, gratidão e admiração que sentia pelo governante: “Desgraçadamente não quis Deus que o pudesse continuar a fazer. Permita-me pois Vossa Excelência que enquanto me for possível assim proceder tome para mim esse prazer, cumprindo assim a sua vontade.”

No ano seguinte, os crisântemos foram oferecidos com um objectivo declarado: “Alegrar um pouco o ambiente tão cheio de preocupações em que Vossa Excelência com tanta coragem trabalha pelo bem de todos nós portugueses.” 
E foi assim até 1962: nos últimos dias de Outubro ou nos primeiros de Novembro, chegavam a São Bento as flores do jardim da Companhia das Águas, acompanhadas de um cartão pessoal onde o responsável pela empresa expressava a admiração pelo governante.

O ritual só teve uma interrupção entre 1951 e 1954, enquanto Pedro Queiroz Pereira esteve afastado do cargo. 
Antes de deixar a presidência, pediu a Salazar uma audiência, numa mensagem enviada num tom que encerrava tanto de dramático como de misterioso: “Eu sabia que um dia tinha que ser. 
Esse dia chegou e com ele eis que foi atingido o momento crucial da minha vida. 
Há anos que eu venho, num quase completo isolamento, vivendo o meu problema sem qualquer outro auxílio que não seja o de Deus, a quem tenho recorrido para que me ilumine e me faça compreender bem as coisas, e me ajude a encontrar a verdade, usando sempre processos honestos e justos.”
Pedro Queiroz Pereira, tio homónimo do industrial agora falecido (Arquivo da EPAL)

Depois, em Março de 1954, escreveu ao presidente do conselho, para comunicar que tinha decidido retomar o cargo, e sublinhou que tinha sido a intervenção de Salazar a convencê-lo: “Só Vossa excelência me poderia levar a alterar uma resolução que julgava inabalável.” 
No ano seguinte, em Outubro, o empresário sofreu um enfarte do miocárdio e foi obrigado pelos médicos a respeitar um período de repouso, pelo que o envio dos crisântemos foi feito pelo irmão, Manuel Queiroz Pereira.

4 - Petróleos, Ritz e a questão de Marcelo Caetano
Desde 1947 que Manuel Queiroz Pereira mantinha uma intensa correspondência com António de Oliveira Salazar, marcada sobretudo por dois assuntos: o Hotel Ritz e o negócio do petróleo – o filho de Carlos Pereira dividia com Manuel Bulhosa o controlo da Sociedade Nacional de Petróleos e coube-lhe assumir a coordenação da construção daquele hotel de luxo de Lisboa, satisfazendo um desejo que Salazar tinha comentado com Ricardo Espírito Santo.

Manuel Queiroz Pereira era director do Banco Comercial de Lisboa quando a instituição se fundiu com o Banco Espírito Santo, em 1937. 
Um negócio facilitado pela amizade entre as famílias Espírito Santo e Queiroz Pereira e também pela proximidade geográfica dos dois bancos: bastou demolir uma parede para juntar as duas sedes, na Rua do Comércio, em Lisboa. 
Um jovem que tinha começado a trabalhar no banco cinco dias antes foi o primeiro funcionário a cruzar a linha que dividia as duas entidades.

Nas cartas que Manuel Queiroz Pereira enviou a Salazar também há vários sinais de admiração. 
No Natal de 1958, por exemplo, prometeu dedicar-lhe as suas orações: “Pela minha parte, e com os meus filhos, não deixarei de rezar para que Deus dê a vexa a saúde e felicidade que para nós portugueses tão necessária é”; no primeiro dia de 1960, agradeceu “todas as provas de carinho e apreço” e pediu novamente a Deus pela sua saúde – “Que a guarde e bem, por vexa; que a guarde e bem, por todos nós. 
Peço assim licença para lhe dirigir estas simples palavras, definidas pela cabeça e mais ainda sentidas pelo coração” – e, antes da assinatura, despediu-se “devotadamente e incondicionalmente ao dispor”.

Em dois momentos críticos fez questão de manifestar o seu apoio ao presidente do conselho: dois dias depois de o candidato presidencial Humberto Delgado prometer demitir Salazar se fosse eleito, em 1958, referiu-se ao “lamentável momento da vida pública portuguesa”; e em 1961, logo após os primeiros confrontos em Angola e o golpe de estado fracassado do general Júlio Botelho Moniz: “A dedicação e fidelidade que sempre tenho afirmado a Vossa Excelência impõe-me neste momento angustioso e difícil da vida portuguesa, o reafirmá-la, colocando-me inteiramente ao dispor de Vossa Excelência para tudo aquilo em que posso ser útil e em dignidade e consciência puder cumprir. 
Que Deus guarde Vossa Excelência.”

A relação de Manuel Queiroz Pereira com o delfim de Salazar, Marcello Caetano, era ainda mais próxima: era primo da sua mulher e padrinho de um dos seus filhos e trocavam cartas sobre os problemas mais pessoais: Marcello Caetano enviou um telegrama para Nova Iorque “numa das horas mais aflitivas” da vida de Manuel Queiroz Pereira, quando acompanhava uma operação do filho – e o empresário manifestou idêntica preocupação quando a mulher do político adoeceu.

Mesmo assim, quando em 1958 Salazar remodelou o governo e afastou Marcello Caetano, pediu a Manuel Queiroz Pereira que não envolvesse o ministro demitido nos seus negócios privados. 
O empresário fez-lhe a vontade e respondeu-lhe: “O dr. Marcello Caetano efectivamente pelo muito que já dedicou da sua vida e do seu talento ao bem público, não poderá ser bem compreendido na defesa dos interesses privados. 
Creio mesmo que ele assim pensará, pois que só o tenho ouvido falar na sua querida cátedra e nos seus apaixonantes estudos jurídicos”.

Um ano e meio depois, Queiroz Pereira alertou Salazar da alteração na vontade do primo por afinidade: “Sinto que o doutor Marcello Caetano está admitindo a hipótese de aceitar, mais ou menos brevemente, uma das muitas posições privadas que lhe têm sido oferecidas. Receio assim qualquer decisão que não sendo de meu interesse possa ainda ser mais inconveniente.”

5 - Hotel Ritz, um capricho do presidente do conselho
A lista final dos investidores do Hotel Ritz foi enviada a Salazar a 13 de Julho de 1956, numa folha A4 sem mais nada, para além do montante do investimento à frente de cada nome. 
No grupo de 12 accionistas sobressaem os herdeiros de Ricardo Espírito Santo (falecido no ano anterior), os seus irmãos José e Manuel Espírito Santo (no total, 24 mil contos desta família), Manuel de Mello, Manuel Bulhosa e Manuel Queiroz Pereira (cada um com 12 mil contos).

Às principais figuras juntaram-se ainda outros seis sócios: António Manuel de Almeida, António Medeiros e Almeida, Caetano Beirão da Veiga, Luiz Lara, José Guedes de Sousa e a empresa Bensaúde e Companhia. 
A sociedade construtora do hotel arrancou com um capital de 114 mil contos.

Dos homens mais ricos do Estado Novo apenas ficaram de fora Delfim Ferreira (foi sondado mas recusou) e António Champalimaud, que desvenda na sua biografia o desabafo de Salazar para Ricardo Espírito Santo, quando o Hilton tentou investir em Portugal: “É uma vergonha terem que vir os americanos construir um hotel! 
Será que os nossos empresários não têm capacidade para isso?”

Os responsáveis do Hilton tentaram, de facto, entrar no negócio. 
Dean Carpenter, vice-presidente desta cadeia internacional de hotéis, deslocou-se a Lisboa mas foi-se embora sem conseguir ser recebido pelo ministro das Finanças, João Lumbrales, e acabou por lhe escrever já de Madrid, para clarificar o seu objectivo: “A nossa empresa não está de forma nenhuma interessada em financiar ou participar no financiamento da construção de um hotel em Lisboa. 
Pelo contrário estamos interessados apenas em obter a licença para operar um hotel depois de ter sido construído e mobilado com financiamento português. 
Nisto temos grande interesse.”

Salazar assinalou este parágrafo com o traço vertical com que costumava marcar as passagens que considerava mais importantes. 
E não deu hipótese à empresa americana. 
Num despacho onde reconheceu a necessidade de “um grande hotel de primeira ordem em Lisboa”, o presidente do conselho chegou a lançar o desafio por escrito: “É essencial ver se os capitalistas, companhias de seguros, etc., se interessam pela construção de um edifício para o Hotel e em que condições.”

Parecendo perceber os desejos do ditador, em Novembro de 1952 Manuel Queiroz Pereira envia-lhe uma carta a pedir uma audiência: “No final do ano passado comecei a pensar na construção de um hotel, por me parecer que um mínimo de prestígio a manter para a cidade onde nasci – Lisboa – o impunha. 
Apresentadas as primeiras bases ao sr. Ministro das Obras Públicas, tive a grande satisfação de saber confirmado o apoio de Vossa Excelência à ideia. 
Foi-me mesmo dito que Vossa Excelência estaria disposto a receber-me para tratar do caso”, admitiu Queiroz Pereira, sócio da petrolífera SONAP, administrador do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa e grande amigo de Ricardo Espírito Santo, que viria a ser o primeiro responsável pelo projecto, na fase em que implicou maior negociação com o Estado.

Dois meses depois, no final de mais um encontro dominical com Salazar, Espírito Santo deixou-lhe uma “informação” dactilografada sobre os pontos que necessitavam de ser esclarecidos – e que estavam a atrasar o processo do hotel. 
O conhecimento dos bastidores do poder é evidente na forma como sintetizou o que faltava Salazar fazer:

“1º – Pôr de acordo o Ministério das Finanças e a câmara municipal, de forma que o período de isenção de impostos e taxas seja coincidente com o período da obrigação de manter o hotel aberto. (O grupo financeiro pediu 30 anos, mas acima de tudo o que entende é que os períodos têm que ser iguais)

2º – Esclarecer o ministro das Finanças que as isenções de direitos para o material de construção e apetrechamento do primeiro estabelecimento têm que ser bastante latas (…) O grupo pensa que se as isenções forem demasiadamente limitadas se apresentarão, além de outros, dois inconvenientes:

– Prazo de construção mais largo
– Impossibilidade de dar ao hotel o ambiente europeu e confortável que se procura (…)”

O documento não foi assinado, mas Salazar assinalou a origem no canto superior direito, a lápis: “Entregue pelo Esp.º Santo em 25/I/53”.

6 - “Os favores legais ao grande hotel”
Dois dias depois Salazar escreveu a sua opinião sobre as isenções, a que o próprio chamou também “favores legais ao grande hotel que se prevê para Lisboa”. 
O grupo de capitalistas não queria pagar certos impostos durante 30 anos. 
Os favores do ditador não chegaram a tanto, mas foram, ainda assim, generosos: “Parece razoável conceder: 
isenção de sisa e do selo; 
isenção da contribuição predial por 15-20 anos; 
isenção da contribuição industrial por 10 anos, a contar do 2.º ou 3.º ano da exploração; isenção de direitos aduaneiros e emolumentos consulares em termos a definir, não só para a instalação mas também para a substituição do que houver de sê-lo durante o funcionamento obrigatório do hotel; 
aplicação do edifício obrigatoriamente a hotel durante 30-35 anos, mas a cessação do funcionamento deveria ser comunicada ao governo com antecedência e necessitaria do seu acordo.” 
O presidente do conselho justificou este último ponto: a obrigação de construir e explorar o hotel era a contrapartida das condições excepcionais do negócio, que representavam “um benefício muito grande para a empresa e um sacrifício elevado para o Estado e a câmara”. Aliás, o ditador ainda manifestou a dúvida de se seria uma contrapartida “suficiente para período tão limitado como 30 anos, quando demais se verifica que o terreno é único e fica irrecuperável. (…)”

[Os bolos das irmãs e a verdade. Reveja no vídeo os ataques de Pedro Queiroz Pereira a Ricardo Salgado]
Neste despacho manuscrito, o ditador desautorizou o inspector-geral dos produtos agrícolas e industriais, que queria proteger a economia portuguesa através de regras apertadas e taxas pesadas para os investidores poderem importar artigos: “Relativamente às formalidades, devem estas ser reduzidas ao mínimo, concedendo-se um crédito de confiança aos que se abalançam à construção do hotel, no sentido de esperar que só recorrerão à indústria estrangeira se não puderem adquirir os artigos à indústria nacional em tempo útil, na qualidade exigida e a preço não excessivo.”

O documento termina com mais um favor legal que acedia às pretensões dos empresários e lhes permitia contratar trabalhadores estrangeiros para participar na construção e exploração do hotel: “É preferível que seja dada pelo ministério competente – o das Corporações – mas no decreto pode ficar habilmente redigida uma disposição que constitua uma garantia de que as autorizações serão dadas. 
É mais uma questão de forma do que de fruto.”

O uso da expressão “habilmente redigida” é muito surpreendente – não houve muitos mais despachos em que o ditador tenha mostrado tanta maleabilidade perante normas legais.

Conhecendo o rol de favores concedidos aos promotores do hotel de luxo, é difícil  compreender a perspectiva de Pedro Queiroz Pereira – o filho do coordenador do projecto, que recuperou a posse do hotel depois de um período de auto-gestão a seguir ao 25 de Abril de 1974, em que o edifício chegou a funcionar como espaço de acolhimento dos retornados das ex-colónias. 
Num artigo do jornal Público, em Maio de 1995, Pedro Queiroz Pereira é citado a garantir: “Salazar não deu contrapartidas rigorosamente nenhumas, e de resto o meu pai insistiu que o terreno fosse a hasta pública para contrariar qualquer confusão.”

O terreno onde foi construído o Ritz pertencia aos CTT, o que obrigou à negociação de uma permuta entre a administração dos Correios e a Câmara de Lisboa, cujo presidente escreveu a Salazar em 1952, para o avisar de que o dossiê já tinha sido remetido ao ministro das Finanças, João Lumbrales: “Creio que haveria vantagem em Vossa Excelência lhe dar uma palavra, se é que ainda não conhece o assunto”.

O grupo de investidores acabou por comprar o terreno junto ao Parque Eduardo VII em hasta pública por 2.612 contos – um preço que parece excelente, mesmo em comparação com outras despesas de construção. 
De acordo com a estimativa do custo do hotel entregue a Salazar em Março de 1957, só a instalação dos elevadores custou 4.283 contos; as cozinhas terão ficado em 2.338 contos e as banheiras em 480.000$00. 
Num orçamento total de 192 mil contos, 30 mil foram gastos em mobiliário e decoração e as obras de arte mereceram um investimento de dez mil contos – quase quatro vezes o preço do terreno.

A escolha da localização do hotel levantou polémica nos jornais da época. 
O diplomata Amadeu Ferreira de Almeida publicou um artigo onde defendia que o hotel devia ter ficado “no Corpo Santo, frente ao Tejo e próximo do caminho-de-ferro do Estoril” e criticava o que vira na primeira maqueta: “As janelas do norte e de leste nunca se poderão abrir, o que seria já motivo suficiente, quando nos mandam os seus ventos gelados a serra da estrela ou a de Guadarrama [em Espanha]”. 
Acabava com uma previsão que não se concretizou: “Não esqueçam, srs. directores da empresa: o vento é o maior inimigo das mulheres, e como são elas quem mandam, farão greve contra o vosso hotel…”

Em Dezembro de 1954, quatro meses depois do prazo, o grupo de investidores entregou o ante-projecto do hotel ao presidente da câmara. 
Manuel Queiroz Pereira assinalou a data com uma carta ao ditador: “Não quero deixar passar o dia de hoje sem a vossa excelência apresentar os meus mais respeitosos cumprimentos e afirmar-lhe que o entusiasmo que nesta obra pus no seu início se mantém e que a minha esperança em alguma coisa de bem virmos a fazer é ainda maior.”

Mas menos de um mês depois, já tinha havido problemas com a aprovação do projecto pelo SNI (Secretariado Nacional de Informação, Turismo e Cultura Popular) e o arquitecto, Castro Freire, pedira a demissão. 
No dia 12 de Janeiro de 1955, Manuel Queiroz Pereira apelou directamente a Salazar, dizendo temer algum “esfriamento” no entusiasmo: “O que acaba de se passar no SNI (…) causa-me apreensões e não direi desilusão porque para isso era preciso que sobre os homens ainda tivesse ilusões. (…) 
Permito-me pedir a vossa excelência um pouco de atenção para o que de facto se tenha passado (…) 
Se mais for conveniente eu dizer ou explicar sobre certa atitude de determinada pessoa dentro do SNI estou inteiramente e como sempre às ordens de Vossa Excelência.”

Queiroz Pereira só volta a escrever a Salazar sobre o hotel seis meses depois. 
Já tinham passado cinco meses da morte de Ricardo Espírito Santo, mas é por aí que começa a carta de 7 de Julho de 1955: “Quis o destino igualar-nos na perda de um grande e dedicado amigo: Vossa Excelência, Senhor Presidente, perdeu nele a dedicação incondicional que sempre e religiosamente ao serviço de Vossa Excelência punha; eu perdi o amigo de todos os dias, a quem continuamente me dirigia e com quem totalmente me abria.” Segue-se o ponto da situação sobre o hotel, a manifestação de receio de não conseguir cumprir o prazo de construção de dois anos, e a previsão de problemas por causa dos artigos a importar: “Vamos tratar, como portugueses que somos, a Indústria Nacional o melhor possível, mas já de antemão conhecemos as suas impossibilidades. 
Pensamos, assim, [ser] indispensável uma larga compreensão dos serviços oficiais”. 
No fim a despedida em tom reverencial: “Prosseguirei entusiasticamente na obra iniciada e desenvolverei o esforço necessário para não o incomodar com o andamento dela. 
Se porém me vir aflito para chegar em tempo ao seu final, a Vossa Excelência recorrerei. Espero ser perdoado, se obrigado a fazê-lo.”

O empresário previa abrir o Ritz na Primavera de 1959. 
Mas antes surge um novo problema político. 
O grupo de empresários acordou que recorreria a um empréstimo para financiar as obras que não fossem pagas com os 114 mil contos do capital social. 
Precisavam de 90 mil contos, a pagar no prazo de 20 anos. 
“O que me preocupa e é certamente o nó górdio do problema é a taxa de juro. 
O empreendimento não aguenta a taxa corrente”, escreveu o empresário – e sublinhou Salazar com a caneta azul.

Queiroz Pereira tentou convencer o ditador com o risco da iniciativa: “Não falo expressamente em juro porque não posso abusar, entrando em campo que não me compete. 
Lembro apenas que o contrato de exploração do hotel não impõe para os proprietários uma renda fixa, muito menos prevê o pagamento de encargos. 
Somente liquida uma percentagem sobre o rendimento bruto. 
Conclusão: ligámo-nos assim à sorte da iniciativa por um rendimento incerto que só o futuro esclarecerá.”

Salazar empurrou o pedido para um primo de Queiroz Pereira, o ministro da Presidência, Marcello Caetano. 
Este por sua vez encaminhou o assunto para o ministro das Finanças, que se mostrou pouco receptivo a mais um favor legal. 
A 10 de Setembro de 1958 anotou a sua crítica num cartão: “Permito-me ponderar que neste momento recaem pesadas responsabilidades sobre o tesouro, provenientes de compromissos quer com financiamento indirectos (Fundo de Fomento nacional) quer com participações financeiras (Banco de Fomento Nacional, Siderurgia, etc.) o que poderá levar a moderar a ajuda do Estado no caso presente.”
Salazar em 1938, numa altura em que tinha grande proximidade com Carlos Pereira, avô de Pedro Queiroz Pereira

7 - A inauguração do Ritz e os primeiros anos
As obras avançaram sem percalços e a 7 de Junho de 1959, estava tudo pronto para Salazar visitar o edifício, discretamente, longe da pompa das inaugurações que tentava sempre evitar. 
Esteve no hotel entre as três e as cinco da tarde, segundo a anotação que o próprio fez no seu diário. 
Foi a única vez que se deslocou ao Ritz e recusou utilizar o elevador principal – pediu para subir num monta-cargas.

No dia seguinte Manuel Queiroz Pereira agradeceu a visita, os elogios do presidente do conselho (“à parte certas obras de arte moderna”) e as facilidades concedidas ao longo do processo.

O hotel começou a alojar cerca de 40 hóspedes por dia, em apenas seis pisos, quatro meses antes da inauguração oficial. 
Manuel Queiroz Pereira ia dando conta de todos os detalhes a Salazar. 
As primeiras críticas dos hóspedes incidiam sobre a falta de qualidade do serviço, apesar de o hotel contar com 50 empregados estrangeiros para enquadrar os 200 funcionários portugueses. 
O preço médio de uma refeição era de 164 escudos e os quartos com direito a pequeno-almoço custavam a partir de 280 escudos.

A relação com o Estado continuava centrada na obtenção de pareceres oficiais para evitar pagamentos. 
Agora pretendia-se uma nova isenção fiscal sobre produtos importados. 
“Se não for o espírito de compreensão e nível do Senhor Ministro das Finanças receio que larga e dispendiosa injustiça venha a ser suportada pela SODIM  [Sociedade de Investimentos Imobiliários]”, escrevia Manuel Queiroz Pereira, em Julho de 1959.

Haveria de insistir neste favor dois anos mais tarde – voltaram a estar em causa pagamentos ao Estado por novas importações, depois de um parecer desfavorável da Inspecção Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais. 
“Agora só o senhor ministro das Finanças pode resolver favoravelmente o assunto. 
Tratam-se de garantias do valor de cerca de dois mil contos e eu muito grato ficaria se Vossa Excelência desse uma palavra ao Senhor Ministro das Finanças a quem dentro de alguns dias vou pedir o favor de me receber”, avisou Queiroz Pereira, que terminou pedindo desculpa ao ditador por “mais este incómodo”.

Na véspera da inauguração, a 24 de Novembro de 1959, o empresário relatou a Salazar a visita do Presidente do República, os preparativos para o jantar oficial e para o baile com cerca de duas mil pessoas, entre as quais os condes de Barcelona, os príncipes de Sabóia e o Rei Humberto de Itália. 
Mas o verdadeiro objectivo da carta é homenagear o presidente do conselho: “A quem se deve a possibilidade de tão grande esforço particular? 
Única e exclusivamente a Vossa Excelência. 
Por isso não posso deixar passar o dia de hoje sem em meu nome e no dos meus sócios no Hotel, afirmar uma vez mais o nosso reconhecimento por todas as facilidades que Vossa Excelência desde a primeira hora entendeu dar como apoio a semelhante iniciativa. 
Ela mesmo só foi possível dada a compreensão de Vossa Excelência pela ideia que em sua homenagem nos propusemos pôr de pé.”

O presidente do conselho respondeu logo no dia a seguir para agradecer a amabilidade da carta e o facto de no discurso ter ligado a realização do hotel a desejos e conversas de Salazar com Ricardo Espírito Santo: “A mim não se me deve senão a sugestão e depois o interesse com que ia acompanhando a obra”, frisou o governante.

Para assinalar a inauguração, os sócios da SODIM homenagearam Manuel Queiroz Pereira com a oferta de um isqueiro e de uma cigarreira em ouro da marca Van Cleef & Arpels, com a inscrição: “28-8-1953 – 25-11-1959. 
Com a maior amizade, em reconhecimento e apreço das suas altas qualidades”. 
A mensagem é assinada por todos os sócios e por Mary Espírito Santo Silva, na vez do seu marido, falecido quatro anos antes.

No primeiro aniversário do Ritz, Queiroz Pereira escreveu ao ditador para voltar a agradecer a “ajuda e apoio moral” prestados durante a construção do hotel. 
Contou-lhe também que esteve a conversar com Christine Garnier, a jornalista francesa que manteve um romance com o presidente do conselho na primeira metade da década de 50, e que lhe prometeu publicar um artigo sobre o hotel na revista onde escrevia.
Salazar concedeu ao grande hotel uma série de isenções, a que chamou “favores legais”

Até deixar o poder, todos os anos Salazar recebeu cartas de Manuel Queiroz Pereira com os bastidores e os dados estatísticos do hotel. 
Por exemplo, no primeiro ano, o Hotel Ritz Lisboa contabilizou 8727 hóspedes dos Estados Unidos da América, 1001 de França, 808 Inglaterra e apenas 466 de Portugal. 
Em 31 de Agosto de 1961, Manuel Queiroz Pereira notou um crescimento de 35% no primeiro semestre do ano, face ao mesmo período do ano anterior, mas ainda assim lamentava: “É claro que este aumento como já no ano passado é todo de estrangeiros. 
Os portugueses continuam, agora mais que nunca, agarrados a uma mesquinhez que só lhes permite gastar dinheiro no estrangeiro.”

Em Outubro de 1962, além de enviar novas estatísticas de ocupação, Queiroz Pereira juntou um exemplar da revista Life, que publicara uma fotografia do hotel na capa: “Tenho-me acanhado de lhe roubar uns minutos para me ler e só o faço agora por não querer deixar de assinalar a V. Exa. a revista que me permito juntar e, embora pensando que talvez já a conheça, sinto não tirar de cima de mim o grato dever de lha enviar”.

A correspondência de Manuel Queiroz Pereira ficou ainda marcada por uma tragédia. 
Em Abril de 1963, o empresário pediu a Salazar o favor receber Butler Schewell, o seu melhor amigo nos Estados Unidos. 
“Tem um grande desejo na vida: ser recebido por Vossa Excelência. (…) 
É meu amigo pessoal há vinte anos e foi quem mais me socorreu nos Estados Unidos quando, em 1943, para lá me desloquei por causa de um filho meu, com seis anos de idade, atacado de paralisia infantil. 
É um homem extraordinariamente humano e de temperamento latino.” 
O presidente do conselho acedeu e Queiroz Pereira ficou de acertar o dia e a hora da audiência com os assistentes do americano, mas não terá ido a tempo. 
No dia 1 de Maio, “profundamente impressionado”, o empresário informou Salazar da repentina morte do amigo. 
Tudo apontava para ataque cardíaco. 
Butler Schewell falecera na casa de banho do seu quarto, minutos depois de entrar no Ritz.

8 - A sociedade entre Bulhosa e Queiroz Pereira
Em 1934, Manuel Queiroz Pereira e Manuel Bulhosa ainda não tinham completado 30 anos, mas já tinham fundado a Sociedade Nacional de Petróleos. 
O segundo tinha comprado 28 bombas e dois mil tambores (pequenos depósitos) para armazenar gasolina por 40 contos num leilão; o primeiro distribuía óleos da Gulf.

“A SONAP era Queiroz Pereira e um Bulhosa qualquer que na altura ainda não tinha nome. Era Queiroz Pereira que dava uma certa respeitabilidade à SONAP. 
E era o génio administrativo. Bulhosa era o génio visionário mas reconheceu até morrer que Queiroz Pereira era o génio administrativo”, recorda Frederico Monteiro da Silva, que foi director-geral da SONAREP, a refinaria da SONAP em Moçambique. 
“A visão do Bulhosa era conquistar o mundo. Queiroz Pereira tinha mundo. 
Tinha uma mentalidade de contabilista brilhante e não queria ir para além do dinheiro que comandava”, comparou.

Peregrina Caetano, prima e secretária do empresário galego de 1944 até 1985, tinha uma perspectiva parecida: “O dr. Queiroz Pereira era um bom dono de casa, contava os lápis que se consumiam na empresa. 
Contava mesmo. 
O senhor Bulhosa queria lá saber dos lápis. 
A paixão do meu primo era os petróleos e os crudes. 
Tinha uma visão do negócio espantosa.”

Católico, Manuel Bulhosa costumava andar com uma medalha com um santo presa ao pescoço por uma grossa corrente de ouro, que lhe foi roubada por um miúdo numa praia no Rio de Janeiro. 
Era também mais descontraído. 
Adorava Amália Rodrigues – jantaram juntos depois de um dos espectáculos em Paris e contratou-a para cantar numa das poucas festas que deu na sua Quinta dos Pesos, no Estoril. 
A fadista chegou a desabafar com o chauffer do empresário galego: “O homem que convinha à minha vida era o seu patrão: além de ser charmoso e bem educado, dava-me estabilidade financeira…” 
Era adepto do Belenenses, tendo mesmo pago a contratação de vários jogadores; quando foi dono da Bertrand tentava ler quase todas as novas obras; e apreciava uma boa partida de poker. 
Quando jogava às cartas, a secretária percebia logo: “De manhã chegava com uma cara horrível, devia ter estado toda a noite a jogar.”

Já Queiroz Pereira tinha o feitio ideal para coordenar a construção do Hotel Ritz, começando pela angariação do dinheiro de vários empresários, incluindo o seu sócio, para o investimento inicial. 
O próprio Manuel Bulhosa se referiu ao sócio, numa entrevista em 1994, como “um homem de grande qualidade, um rapaz extraordinário de inteligência e de saber.” 
Um antigo engenheiro da SONAP, José Aser Castillo Pereira, descreveu Manuel Bulhosa como “intuitivo, audaz, dinâmico, o predestinado para os negócios e para a visão estratégica”, enquanto Manuel Queiroz Pereira era “analítico, sereno, cauteloso, o homem dos detalhes e da organização”.

A sociedade entre ambos teve 25 anos de sucesso. 
Logo um ano depois da constituição, em 1934 enfrentou uma guerra de preços declarada pelas outras companhias a operar em Portugal, a Shell, a Mobil e a Atlantic. 
A gasolina chegou a vender-se a 1 escudo por litro, abaixo do custo dos direitos a pagar ao Estado, de 1 escudo e 60 centavos por litro. 
“Eu sabia que algum dia aquilo havia de acabar e a minha estratégia foi comprar o máximo e vender o menos possível. 
A guerra durou 9 meses e nesse período eu enchi todos os tambores e armazéns que tinha. No fim, quando a gasolina regressou ao seu preço normal, 2$90, levámos alguma vantagem”, contou Manuel Bulhosa. 
O combate dos preços só acabou após a intervenção de Salazar, que elevou o preço da gasolina. 
A SONAP conseguiu assim rentabilizar o stock que tinha acumulado quando os preços estavam em baixa e conseguiu um aumento da quota de mercado.

Pouco depois, em 1938, esta quota foi reduzida a metade por intervenção do governo – ao criar a SACOR, atribuiu-lhe 50% do mercado por decreto, o que reduziu drasticamente os negócios de todas as outras empresas. 
Manuel Bulhosa achou que não valia a pena reclamar com o presidente do conselho: “Ele não fazia caso nenhum. 
O dr Salazar mostrava que os petroleiros não lhe inspiravam grande respeito.” 
Vinte anos mais tarde, quando construiu a sua refinaria em Moçambique, Manuel Bulhosa haveria de receber a mesma benesse, com direito a 50% de quota de mercado, livre de qualquer concorrência.
Manuel Queiroz Pereira era primo da mulher de Marcelo Caetano. Salazar pediu-lhe para não o aliciar para os negócios  Central Press/Getty Images)

9 - Os ataques de Queiroz Pereira à SACOR (de que o BES era accionista)
Manuel Queiroz Pereira era grande amigo de Ricardo Espírito Santo e administrador do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, um dos principais accionistas da SACOR. 
Mas isso não o impediu de desferir um violento ataque à empresa de petróleos participada pelo Estado, em Julho de 1947, nove anos depois de esta ter sido criada. 
“Na verdade a SACOR em nada se tornou um valor económico. 
A sua ‘refinaria’ não passa duma simples ‘destilaria’ afastada de tudo quanto modernamente se usa”, comparou o sócio da SONAP num memorando enviado a Salazar, onde alegava que a SACOR fazia lucros à custa da economia da nação, e que esses lucros eram aplicados em benefícios privados, quase totalmente no estrangeiro.

O tom crítico era naturalmente equilibrado pela reverência na justificação da carta: “Se o faço é influenciado pelo sentimento de respeito e admiração que como português e como homem me tenho habituado a sentir por vexa nestes últimos 20 anos tão gloriosos para Portugal e que tão profundamente têm dominado toda a minha vida.” 
Salazar sabia perfeitamente quem era Queiroz Pereira e tinha sido amigo do pai, Carlos Pereira.

Um ano mais tarde, em 1948, a Sociedade Nacional de Petróleos conseguiu do Conselho de Ministros uma autorização excepcional que lhe permitiu aumentar a posição no mercado, em detrimento da Shell. 
Foi um momento decisivo para o crescimento da empresa e Manuel Queiroz Pereira haveria de transmitir a Salazar a gratidão pela sua intervenção, numa carta que lhe endereçou em Julho de 1956, após a inauguração de novas instalações da SONAP: “Não posso neste momento esquecer o trabalho de um quarto de século nos petróleos, a digna pequenês da SONAP até 1948 e a grandeza justa e produtiva de então para cá. 
Tudo isso a Vossa Excelência se deve. 
Desde a estabilidade e sossego que durante todo esse largo prazo de tempo nos tem sido permitido gozar, até à grande e generosa compreensão que Vossa Excelência quis ter para com a Sonap em 1948.”

A relação entre o empresário e o governante tornou-se mais próxima na sequência de um encontro no Verão de 1950. 
O presidente do conselho deixou-o à vontade para o manter a par de todas as movimentações no sector dos petróleos (Queiroz Pereira informá-lo-ia, por exemplo, da compra da Companhia Portuguesa dos Petróleos Atlantic pela Anglo Iranian Petroleum Company, de Londres: “Acaba de se realizar”, avisou em Julho de 1954. 
Salazar sublinhou a azul.), e deixou implícito que também lhe poderia expor por escrito eventuais razões de queixa – Manuel Queiroz Pereira aproveitou e enviou-lhe um relatório sobre as fórmulas de cálculo dos preços dos combustíveis: “Na conversa que tive a felicidade de ter com Vossa Excelência, que tão profundamente agradável me foi e que por mim prontamente será sempre recordada, não quis abusar da condescendência de Vossa Excelência e importuná-lo com a apresentação de números que são quase sempre fastidiosos.”

Nesse encontro no Verão de 1950, Salazar aproveitou a circunstância de Manuel Queiroz Pereira se preparar para fazer a sua primeira viagem às colónias e desafiou-o: “Então porque não vão para África, porque não se instalam lá?! 
África é tão grande que seria bom [que] os portugueses se interessassem.”

Seis anos depois, o fundador da Sonap recordou o diálogo antes de anunciar a Salazar: “Que prazer agora tenho em poder comunicar a vexa que a Sonap efectivamente se instala em África! 
Instala-se em África a mesma SONAP que continua possuindo 85% de capital português.” Queiroz Pereira sabia que o governante gostava deste lado patriótico e o próprio Salazar sublinhou esta frase com o seu traço a azul, tal como tinha feito dois anos antes, em 1954, quando Queiroz Pereira lhe tinha chamado a atenção sobre a SACOR: “Penso que do último aumento de capital autorizado à SACOR resulta ainda menos de 50% na mão de portugueses. 
Esta comunicação é consequência de amiúde ouvir afirmar o contrário.”

Num mercado condicionado, era ao Estado que cabia fixar as quantidades de petróleo que cada empresa podia importar. 
Esta decisão era tomada de três em três anos e a repartição do mercado dos combustíveis para os anos seguintes era sempre um tema sensível. 
Em 1957 a SONAP pediu uma maior quota de mercado, como era habitual, e Queiroz Pereira informou Salazar, mas antes expôs o dilema: “Uma luta de consciência se tem em mim travado: por um lado o desejo e a obrigação de tratar de interesses que me estão confiados; por outro o receio de abusar da condescendência com que vossa excelência me tem sempre atendido. 
Por se tratar de interesses que julgo moralmente defensáveis e por sem imodéstia me sentir com o direito moral de os pôr, resolvo-me no sentido que vossa excelência generosamente me perdoará.”

Cinco meses depois, em Maio de 1957, quando o ministro da Economia decidiu que não podia alterar os alvarás da quota de mercado da Sociedade Nacional de Petróleos, Queiroz Pereira exprimiu a sua tristeza ao ditador: “Efectivamente o nível a que a elevei, os moldes em que a montei, os problemas de ordem social que desejava resolver e os sonhos de crescimento que sempre me animam, ficam uns seriamente atingidos, outros profundamente diminuídos.”

10 - A ruptura entre Queiroz Pereira e Manuel Bulhosa
“Se houvesse dois irmãos nunca seriam tão amigos como o sr. Queiroz Pereira e o sr. Bulhosa. 
Porque eles eram super-amigos. 
Chorei que nem uma Madalena quando eles se separaram.” 
O desabafo de Peregrina Caetano, antiga secretária do empresário galego, ajuda a dar uma ideia do choque provocado pela ruptura entre os dois sócios da SONAP, em 1960, após quase três décadas de trabalho em conjunto. 
A zanga aconteceu por causa de um novo investimento – o mesmo que, dois ou três anos antes, tinha originado o desentendimento entre Manuel Queiroz Pereira e António Champalimaud.

Na sua biografia, o patrão dos cimentos contou que tinha projectado instalar uma refinaria no porto de Lourenço Marques, junto à sua fábrica da Matola, mas como os petróleos não eram a sua área e Queiroz Pereira era amigo do ministro do Ultramar, que tinha de autorizar o projecto, desafiou-o para uma sociedade. 
No fim do almoço em que lhe fez a proposta, num restaurante do Chiado, o fundador da SONAP concordou e ficou de contactar o governo. 
Mas o reencontro seguinte, à porta da Assembleia Nacional, onde ambos eram procuradores à Câmara Corporativa, já não correu tão bem. 
“António, tenho a dizer-te que o Bulhosa e eu já temos autorização para fazer a refinaria de Lourenço Marques”, comunicou-lhe Queiroz Pereira. 
Champalimaud contava que ainda fingiu não perceber, mas Queiroz Pereira repetiu: “Eu e o Bulhosa vamos construir a refinaria.” 
As relações entre os dois ficaram logo ali cortadas: “Ó Manuel, fico informado e não há mais conversa e será para toda a vida.” 
A desavença foi definitiva, mas nunca teve consequências na relação com Manuel Bulhosa, de quem Champalimaud viria a ser sócio na Petrogal.

Por esta altura, Manuel Queiroz Pereira já dava sinais de angústia nas cartas que enviava a Salazar. 
Em Maio de 1958 pediu ao presidente do conselho uma audiência para expor um problema de petróleos que representava “grande decisão a tomar sobre um passado de quase 30 anos”. 
No ano seguinte, referiu-se às “grandes agruras” da sua vida de petroleiro: “São as mesmas devido a grandes resoluções que tenho a tomar, quer no que se refere a problemas de aquisição da BP pela SONAP, quer no que diz respeito a acordos internacionais a estabelecer com a Shell para a refinaria de Moçambique. 
Num e noutro caso a minha consciência de português tem bem sido posta à prova.”

Os dois sócios da SONAP chegaram a negociar com a BP a venda de parte da empresa. Em Agosto de 1959, Pedro Theotónio Pereira, então embaixador em Londres, conseguiu obter uma informação confidencial da petrolífera britânica, onde eram relatadas as conversações: “Pelos accionistas da SONAP foi dito que embora desejando manter as características nacionais da companhia, queriam libertar-se pouco a pouco das preocupações de administração da SONAP…” 
As negociações foram suspensas porque a BP pretendia controlar a maioria da empresa e os portugueses não queriam nem podiam aceitar essa condição, que violaria os compromissos que tinham assumido com o governo e seria uma contradição flagrante com a defesa do capital português que Queiroz Pereira vinha fazendo nos últimos anos nas cartas a Salazar.

O ponto de clivagem fundamental foi a refinaria de Moçambique. 
Apesar de se ter zangado com Champalimaud por causa deste assunto, Queiroz Pereira acabou por temer o investimento e mudou de ideias. 
“Queiroz Pereira não concordou. 
O risco era muito grande”, recorda Frederico Monteiro da Silva, antigo alto quadro da SONAP naquela colónia. 
“O sr. Queiroz Pereira era um homem mais cauteloso, com os pés mais assentes no chão, achava que com a guerra colonial a altura não era a melhor. 
Fez as contas ao dinheiro que ia perder e não aceitou. 
Então fez a oferta: ‘Eu dou tanto para ficar com a empresa.’ 
E o sr. Bulhosa disse: ‘Por esse preço fico eu.’ 
E ficou ele” – a reprodução do diálogo dos últimos meses de 1960 é de Peregrina Caetano, secretária de Manuel Bulhosa.

A empresa tinha sido avaliada em 600 mil contos durante as negociações com a BP. 
O empresário galego ficou de pagar ao ex-sócio metade desse valor, em prestações, nos dez anos seguintes. 
E foi nesta altura, em Dezembro de 1960, que Manuel Bulhosa escreveu pela primeira vez a Salazar, para desvendar o que se tinha passado: “Foram constantes e desde sempre as divergências com o senhor Queiroz Pereira sobre a orientação da nossa política de petróleos.” 
Esta discordância estava relacionada com a refinaria de Moçambique, mas sobretudo com a postura face à SACOR. 
Manuel Bulhosa defendia uma maior colaboração entre SONAP e SACOR, para que as duas empresas juntas construíssem a segunda refinaria de petróleos, no norte do país. 
Já tinha até manifestado a vontade de comprar 8 por cento das acções da SACOR ao seu presidente, João Lumbrales, que ficara de falar com Salazar. 
O instinto do empresário galego estava correcto e a cisão na SONAP abriria caminho a uma troca de participações entre as duas empresas.

Oito dias depois, já a seguir à formalização da venda, Salazar recebeu a carta com as explicações de Manuel Queiroz Pereira: “Reconheço que é um fim inesperado para quem como eu tanto se dedicou a essa actividade e sempre pensou que com legítimo orgulho tudo deixaria a seus filhos.” 
Depois contava que os desentendimentos entre os dois sócios tornavam o choque inevitável, o que o fizera chegar à conclusão de que a empresa apenas podia ter um dono. 
“Pus assim o problema e deixei a escolha ao meu colega e amigo de há mais de trinta anos. Optou ele por ficar e assim se criou a situação em que se está de eu sair.” 
Despediu-se de Salazar com a reverência habitual: “Como um dos mais entusiásticos admiradores que sempre às ordens de Vossa Excelência fica.”

A ruptura na SONAP agitou as outras empresas do sector. 
Um administrador da BP confidenciou ao presidente da SACOR que a saída de Queiroz Pereira era uma perturbação para os distribuidores porque era “a personalidade portuguesa mais forte e que melhor fazia ouvir os pontos de vista dos importadores”. (…)