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sexta-feira, 3 de novembro de 2017

O MPLA E OS DESAFIOS DE RENOVAÇÃO

POLÍTICA
D. Quaresma dos Santos
29 de Outubro de 2017
O MPLA, enquanto partido que governa Angola há 42 anos, confronta-se hoje com um grande dilema. 
Como promover mudanças sociais e, ao mesmo tempo, proteger os interesses dos grupos dominantes?

Actualmente, o país encontra-se sob uma liderança política bicéfala. 
Por um lado, temos o poder do Estado sob a direcção de João Lourenço, o recém-eleito presidente da República. 
Por outro, temos o poder real de José Eduardo dos Santos, presidente do partido vencedor das eleições. 
O presidente da República João Lourenço, na sua qualidade de vice-presidente do MPLA, é subordinado de JES.

A coabitação entre o presidente do partido, que detém o poder real, e o novo presidente da República, que detém o poder formal-constitucional, começa já a manifestar sinais de incompatibilidade. 
Os interesses dos poderes assentes no palácio presidencial não coincidem com os poderes transferidos para e reforçados no Kremlin, como é conhecida a sede do MPLA.

O maior dilema, porém, é a militância oposicionista que vai crescendo dentro do MPLA – ainda que exclusivamente manifestada nas redes sociais – contra José Eduardo dos Santos. 
Com entusiasmo, estes oposicionistas animam a esperança de alguns segmentos da sociedade angolana, promovendo João Lourenço como o líder da mudança.

A nova oposição anti-Dos Santos – forjada no calor do oportunismo e da cobardia dentro do MPLA – afirma-se hoje como mais activista que os “revús”, e ataca o ex-presidente em campanhas para o afastarem da liderança do MPLA.

Os novos “activistas” querem fazer parecer que a única oposição que alguma vez existiu em Angola é a do próprio MPLA, agora apostando tudo em João Lourenço e contra José Eduardo dos Santos. 
Nessa luta, a população corre sérios riscos de cair num grande logro: livrar Angola do ex-ditador para simplesmente instalar outro ditador.

Mesmo assim, nota-se um sentimento crescente de frustração face ao comportamento do MPLA neste período de transição. 
Vencidas – como era de prever e esteve sempre assegurado – as eleições, era imperativo que o MPLA, passados 38 anos ao comando de JES, desse mostras substanciais de mudança.

No entanto, o MPLA não só mantém a mesma linha de conduta, como reconduz os mesmos actores, que agem com base nos velhos métodos e práticas do passado. 
A recente nomeação de José Massano para governador do BNA, cargo que ocupa há três anos, é exemplo de “mais do mesmo”. 
Mudou-se o presidente, mantém-se o MPLA.

Nas últimas eleições, de forma inaudita e apesar de todos os mecanismos de controlo, boa parte da população votou na oposição. 
Houve um grande nervosismo por parte dos dirigentes do MPLA quando, inicialmente, a oposição se recusou a aceitar os resultados eleitorais, dada a ausência de escrutínio dos votos em 15 das 18 províncias. 
O MPLA sentiu medo. 
Medo de uma massa de gente que quis mostrar cartão vermelho aos detentores do poder, de forma pacífica e ordeira, com o seu voto.

Esse medo não foi suficiente para que o MPLA se regenerasse. 
Já esquecidos do perigo, embriagados pela vitória fraudulenta, os militantes continuam no caminho da degeneração. 
Vivemos numa sociedade em que a convivência sã entre cidadãos se torna cada vez mais difícil.

Pertencer ao MPLA está acima de qualquer interesse comum. 
Votar, em Angola, não é apostar em quem tem melhores condições para responder aos mais altos desafios da nação: a criação de emprego, a industrialização do país, o investimento na educação de qualidade, a promoção do bem-estar do povo e da justiça económica e social, bem como a garantia de segurança e defesa da soberania nacional.

Não é com os governadores-generais Kundi Paihama (Cunene), Eusébio Teixeira de Brito (Kwanza-Sul), Pedro Mutindi (Kuando-Kubango), com os ministros Archer Mangueira (Finanças), Manuel Nunes Júnior (ministro de Estado para a Coordenação Económica) e Ângelo de Barros Veiga Tavares (Interior), que poderemos esperar bons resultados deste governo de João Lourenço. 
O povo conhece esses senhores, que nada de bom podem trazer para a saída da crise em que o país se encontra, excepto se deixarem os seus cargos.

Demagogia

Impera a demagogia.

Há centenas de quadros competentes, capazes de contribuírem para um melhor governo. Mas não passam pelo crivo da militância, do nepotismo e dos compadrios enraizados no MPLA.

Hoje, parece que faz parte da nossa cultura aceitar que só os do MPLA são bons. 
Se um indivíduo deserta da oposição para se juntar ao partido no poder, passa imediatamente a ser bom, e até se lhe descobrem características de competência, como nos casos do chefe do Estado-Maior General das FAA, general Nunda, e do ex-ministro das Relações Exteriores, Georges Chicoti, entre muitos outros.

Como pode haver mudança, se não há debate interno nem democracia no seio do MPLA? É tudo por escolha. 
Foi José Eduardo dos Santos quem escolheu João Lourenço para vice-presidente do partido e para lhe suceder. 
Depois, torna-se naturalmente difícil que o homem escolhido desafie o seu benfeitor, o seu mentor, mesmo quando os interesses pessoais deste colidem com os interesses da nação.
Quem se opõe ao que está mal, quem critica, é desvalorizado. 
E se não há oposição nem crítica, como se pode corrigir o que está mal? 
Nas redes sociais, pede-se que se deixe o novo presidente trabalhar. 
Proliferam já os novos polícias do pensamento e os novos engraxadores das botas pesadas de João Lourenço.
Do lado da oposição, pelo contrário, acredita-se que pouco ou nada se aproveita do MPLA. E mantém-se uma total falta de visão comum para Angola. 
Aquilo que é fundamental para o bem-estar dos angolanos não deve ser motivo de discórdia entre os do MPLA, da UNITA, CASA-CE, PRS, FNLA e a sociedade civil. 
As contendas devem girar em torno da melhor forma de alcançar os resultados – ambicionados por todos – que transformem Angola e melhorem a vida dos angolanos.
Mais uma vez, a liderança do MPLA tem a oportunidade de colocar o interesse do povo angolano acima do oportunismo e da ganância desmedida de muitos dos seus líderes. 
É uma oportunidade derradeira que não deve desperdiçar, pela sua história e pela sua sobrevivência.
A direcção do MPLA precisa de assumir imediatamente uma nova postura política. 
Tem de alterar os velhos métodos de actuação. 
Tem de reconhecer os seus erros e propor-se a corrigi-los, porque só assim estará em condições de melhorar todo o sistema de governação e de assegurar a estabilidade política interna.
Para o efeito, é necessário que José Eduardo dos Santos, por enquanto interessado em manter-se presidente do MPLA, abandone o seu cargo o mais cedo possível. 
É preciso democratizar o MPLA, com eleições para a presidência do partido.
O Comité Central e o Bureau Político do MPLA devem traçar uma linha de orientação política consequente, que rompa com o passado. 
E José Eduardo dos Santos é o passado.
Só assim será possível conter as perigosas divisões internas que se começam a desenhar, com a formação das facções de JES e de JLo. 
Só assim será possível que o MPLA se comprometa em servir o povo, respeitar os seus direitos fundamentais e acabar com o saque do país por parte dos seus dirigentes.

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