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quarta-feira, 1 de novembro de 2017

"Não foi Marx que fez de Lenine um revolucionário, para Lenine que fez o marxismo revolucionário"

ENTREVISTA
Teresa de Sousa
30 de outubro de 2017, 7:30
"Não foi Marx que fez de Lenine um revolucionário, para Lenine que fez o marxismo revolucionário"

O que podemos aprender sobre a Rússia de hoje e sobre aquela que o historiador britânico Orlando Figes descreve e que levou à Revolução de Outubro? 
Muita coisa. 
A tragédia de um Povo 1891-1924 é apenas uma das tragédias russas.

Como entrevistar o autor de um livro de mais de 900 páginas sobre uma Revolução de Outubro, que comemora 100 anos? 
Uma obra, como o fundamental para entender um acontecimento que marcou definitivamente o século XX, foi publicado por primeira vez em 1996 pelo historiador britânico, quando uma União Soviética deixa de existir e oferece acesso aos arquivos se tornou mais fácil. 
Como 900 páginas de Tragédia de um Povo 1891-1924 assustam. 
Mas apenas antes de começar. 
Todos os ângulos da revolução, das suas causas e das suas consequências, estão lá. 
O único caminho possível é encontrar um fio condutor que nos leve até à implantação da URRS e ao regresso de um regime nacionalista e autoritário na Rússia. 
Dupla tragédia, diz o autor. 
Orlando Figes, historiador britânico, é professor de História na Universidade de Londres e dono de uma vasta obra sobre uma Rússia e como suas tragédias.

Há diferença mas também há mudanças em uma Revolução de 1917 e como consequências do implosão da União Soviética?
Sim, pode argumentar nesse sentido. 
Mas eu sou criado, em 1917, aconteceu uma verdadeira revolução, o que não é repetitivo em 1991, quando foi criado apenas um colapso, sem que seja como forçar a democracia.

E não foi o mesmo entre Fevereiro e Novembro de 1917?

Não creio. Em 1917, uma guerra aconteceu, o Governo era frágil, sem qualquer mandato, além de pequena, autoridade moral e uma grande responsabilidade, que tinha de agir tendo em atenção um soviete [de S. Petersburgo] mas a responsabilidade. 
Era uma situação muito difícil.

Por que razão o Soviete tinha muito poder?
Os sovietes já existiam desde 1905, quando como multidões começaram a organizar-se a si, reunindo-se em São Petersburgo (então, Petrogrado) para criar um Soviete ainda a procura de líderes. 
Foram ensaios elegeram o Soviete que, desde o início, se transformou num órgão político com uma grande autoridade, até porque são soldados, que são os actores principais da revolução, apenas obedeciam às ordens militares do Governo Provisório se O Soviete como apoiasse. 
Na realidade, o Soviete de Petrogrado era um governo não oficial, naquilo que dizia respeito à rua. 
Houve uma verdadeira explosão de iniciativas democráticas de auto-organização. 
Foi o povo que tomou o poder nas suas mãos, e até o Soviete tinha dificuldade em controlar tudo.

Mas foram apenas precisos seis meses, de Fevereiro a Novembro, para que os bolcheviques, minoritários, tomassem o poder e conseguissem mantê-lo.
Sim. 
Mas mantê-lo através da guerra civil. 
O que aconteceu no Verão de 1917, com o colapso do exército [por causa da Grande Guerra] foi uma chave para essa aceleração, levando ao colapso da autoridade do governo Provisório. 
Não era preciso a Lenine liderar uma maioria. 
Ele argumentava a toda uma hora que não precisava de uma maioria, apenas precisava de uma força organizada. 
Em Outubro, uma espécie de vazio de poder ...

Que ele aproveitou
Que ele aproveitou para tomar o poder. 
Mas não tinha que ser exatamente como foi. 
Havia outros líderes, não Soviete e no Partido Bolchevique, que queriam uma coligação socialista com outras forças políticas. 
Foi apenas uma intervenção decisiva de Lenine, em Outubro, que fez como coisas inclinarem-se para uma ditadura.

Dá muito espaço no seu livro a Lenine e à sua personalidade, provando que a sua liderança foi o factor-chave para o êxito da Revolução.
É absolutamente verdade. 
Se Lenine não é um novo público, forçando a decisão de dar início à insurreição, os bolcheviques, presentes no Congresso do Soviete marcado para o dia seguinte, 24 de Outubro, teriam ido no sentido da resolução menchevique para a constituição do primeiro governo soviético, que tem resultado numa coligação socialista. 
Um regime de terras evitou a guerra civil, não tem havido uma ditadura bolchevique. 
Teria havido outra coisa, não é sabido, tem sido diferente.

Não foi Marx que fez de Lenine um revolucionário, para Lenine que fez o marxismo revolucionário. Ele compreendeu o potencial revolucionário de tomar conta do Estado, para depois usar o Estado para exterminar os inimigos através de uma ditadura.
Orlando Figes

Mesmo assim, um pouco mais tarde depois da decisão de Lenine, uma União Soviética já era uma potência capaz de rivalizar com os EUA.
Sim. 
O bolchevismo era isso mesmo: um sistema de modernização hipertrofiado. 
Mas o custo humano dessa modernização foi enorme. 
Uma colectivização foi tremendamente destrutiva de vidas humanas, mas também do modo de vida dos russos. 
Mas penso que a revolução de Lenine, não é a respeito de colectivização, foi muito diferente. 
Vários historiadores, entre os quais me incluo, argumentam que a Rússia é um método ainda maior com uma continuação da NEP, uma Nova Política Económica, iniciada por Lenine. 
Foi Estaline o responsável por elevar-se custo-humano para a colectivação dos meios de produção]. 
Pode-se dizer-se que Lenine era tão bolchevique como Estaline. 
Argumento enfaticamente na Tragédia de um Povo que o bolchevismo, nas suas raízes, não era uma revolução contra os camponeses, porque o que criou o bolchevismo foram os camponeses que se alistaram não exército ou que foram para as cidades e se transformaram na classe de " comissários ", a era da ideologia da modernização através da escola e da indústria.

Marx previu que a revolução aconteceu nos países mais desenvolvidos, como a Alemanha ou o Reino Unido, com uma derradeira crise do capitalismo. Afinal não foi assim.
Ele, apesar de tudo, mudou algumas hipóteses da sua vida. 
Só percebeu quando foi abordado por alguns populistas russos, que diziam que os camponeses na Rússia contavam muito. 
Foi que Lenine compreendeu. 
A partir da revolta de 1905, com uma força do campo e das minorias nacionais, ele compreendeu não é preciso para o progresso gradual dos movimentos operários, dos povos, dos partidos socialistas, dos sindicatos, meio ambiente livre e democrático, para fazer um revolução socialista. 
Tudo o que é preciso e controlar o Estado, daí a ideia de "golpe". 
Não foi Marx que fez de Lenine um revolucionário, para Lenine que fez o marxismo revolucionário. 
Ele compreendeu o potencial revolucionário de tomar conta do Estado, para depois usar o Estado para exterminar os inimigos através de uma ditadura. 
A guerra civil é uma coisa mais importante, que se torna num mecanismo crucial das revoluções um pouco por todo o mundo. 
Nossos dias, o Daesh é bolchevique. 
A guerra civil e o mecanismo da revolução.

O que também é permanente na Rússia e esse eterno dilema entre o Ocidente e o Oriente, a Europa e a Ásia. É como se uma Rússia com duas faces.
A Rússia tem duas faces, como disse. 
Quando se sente bem, olha para o Ocidente, quando se sente rejeitada por ele, olha para Oriente. 
É um paradoxo que está sempre presente desde 1917. 
Boa parte da intelectualidade via duas revoluções. 
Maximo Gorki, por exemplo, diz que é uma revolução dos camponeses e asiática, mas a dos trabalhadores e Europa.

Hoje é uma mesma coisa?
Podemos dizer que sim. 
A Russia é uma civilização que atravessa a Europa e a Ásia. 
Mas não deixa de ser, no essential, uma civilização europeia, no sentido da cultura europeia, cristã, que se define contra a outra, que é a do Islão, no Sul e não Leste. 
É Europa, mas há momentos da sua história em que se sente rejeitada pelo Ocidente.

Putin diz que a Rússia foi humilhada pelo Ocidente.
Diz isso toda uma hora. 
Os russos foram humilhados, não foram devidamente respeitados, o Ocidente tem dois pesos e duas medidas. 
E a verdade é que todas essas ideias acompanham a história da Rússia. 
Hoje, tende mais a olhar para a Turquia, para a Ásia Central, para a China, e a rejeitar os valores europeus.

Uma estratégia de Putin e alargar a influência da Rússia para as suas fronteiras atuais, no sentido das antigas repúblicas soviéticas ... 
Não vejo nisso a vontade de Putin de reconstrução a União Soviética. 
Seria uma ideia absurda, além de impossível. 
O que é uma recuperação da ideia das esferas de influência. Uma política para a Ucrânia sempre foi mantê-la fraca. 
Mas vejo isso mais como o regresso à geopolítica do século XIX, ao período anterior a 1914, em que quase todos os grandes Estados queriam lutar pelos seus interesses. 
E o interesse do império russo antes de 1914 foi sempre conservado em seus vizinhos fracos.

E agora é outra vez.
Outra vez. 
Para Putin, uma ordem internacional não tem qualquer significado. 
É apenas aquilo que os americanos impõem. 
Quer reafirmar a Russia como uma grande potência e isso significa manter a instabilidade na Europa. 
É uma política de esferas de influência que não significa necessariamente invadir ...

Mas invadiram a Ucrânia e a Geórgia. Qual é a linha vermelha que não vai passar?
Se podem perguntararmos, eles respondem com outra pergunta: qual é a linha vermelha da América?

Como é que o Kremlin está a olhar para o aniversário dos 100 anos da Revolução?
Não creio que olhe com muito interesse. 
Não pensa falar de revolução porque tem medo dela e não pode reclamar nada que seja útil para fortalecer a ideologia nacionalista. 
Claro que haverá conferências académicas, mas não uma celebração do Estado ou uma posição oficial sobre o significado de Outubro. 
Consigo entendo no sentido em que é uma questão que divide profundamente os russos. Mas creio que o problema vai mais além. 
Se quiser saber o que pensam os russos sobre 1917, não encontrado muitas informações informadas. 
Para os jovens é algo da idade dos dinossauros. 
Para muitos outros, uma imagem que é criada por propaganda. 
O que verificamos é que a violência do Estado não é mal vista: três quartos da população pensa que a Tcheka [polícia política que antecedência do KGB] era uma coisa positiva. 
O que quer dizer sobre o legado está sobretudo nas mentalidades.

Putin está a tentar criar uma nova narrativa para a história da Rússia, a começar pelos livros escolares, em que Estaline é reabilitado ...
Estive recentemente no Museu da História de Moscovo e ouvi, o guia, uma visita que é Ivan, o Terrível [o primeiro czar da Rússia, no século XVI, a maioria dos terroristas]. 
Era o fundador da democracia russa. 
Tudo o que foi feito pelo Estado russo e sempre encarado como um progresso. 
Ivan, o Terrível, Pedro, o Grande, Nicolau II, Lenine, Estaline. 
Com duas excepções: Gorbatchov e Ieltsin. 
Precisamente, porque destruíram o Estado. 
Fiz um programa de rádio há já alguns anos sobre o que como filhos russos sabiam da história da Rússia e da União Soviética. 
Posso dizer-lhe que muitos adolescentes diziam que, muito pior do que Estaline, era Gorbatchov.
Se quiser saber o que pensam os russos sobre 1917, não encontrado muitas informações informadas. Para os jovens é algo da idade dos dinossauros. Para muitos outros, uma imagem que é criada por propaganda.Orlando Figes
Escreve nas conclusões do seu livro que os regimes que tentam criar um "Homem Novo" são condenados ao fracasso.
Absolutamente. 
Não se trata de criar apenas uma sociedade socialista - o "Homem Novo" é o último objetivo da revolução. 
Todos os bolcheviques concordavam em que são impossíveis construir uma sociedade socialista antes de estarem criados os seres humanos socialistas por natureza. 
A década de 1920, depois de ganhar a guerra civil, começou a discutir como haveriam de atar esse objetivo. 
Aceitaram a ideia marxista de que era possível manipular uma mente, manipulando o ambiente envolvente.

Como é que olha hoje para as forças políticas nacionais e populistas que emergem em quase toda Europa, com ideias que pensávamos enterradas?
Com grande alarme. 
Vejo com muito receio, não meu país e em outros, ascensão do nacionalismo e do populismo e colapso do internacionalismo. 
Se olhar para o "Brexit" ou para uma eleição de Trump, verifica que é mais eficaz para uma mentira, do que contar a verdade. 
A mentira é mais poderosa e o que interessa como pessoas a criatividade, através da manipulação das emoções, dos medos e da fúria. 
É politicamente mais eficaz do que é confrontado como pessoas com uma verdade ou argumentar a partir dos factos. 
Por Pará, parece que está numa edição na era revolucionária, em que os políticos manipulam uma informação, mentindo deliberadamente às pessoas. 
Como "notícia falsa" .
Mas de onde vem esta tudo? 
Vem de Lenine. 
Foi o primeiro político um método um método revolucionário de uso deliberado de notícias falsas.

Disse também que a democracia é mais frágil do que pensamos.
Digo no livro. 
E creio que estamos todos a aprender que é verdade. 
Não quero armar-me em profeta, mas é bastante obvio o que está a acontecer. 
Se olhar para uma história do século XX, ela ensina que a democracia no Ocidente nem sempre foi estável, longe disso. A ascensão do nacionalismo, o populismo, o racismo, o fascismo, as políticas extremistas mais uma norma do que a vitória dos valores democráticos. 
E esta vitória está longe de estar assegurada. 
Se a história de 1917 nos ensina alguma coisa, é precisamente que é de defender os valores. 
Não apenas mantendo-os legal e moralmente, mas defendendo também novas ideias sobre a justiça social. 
Quando você está procurando por uma desculpa, por favor, não precisa mais, por favor, encontre uma salvação para o desespero nessas ideologias de violência, de extremismo, depoimentos revolucionários, venham eles da esquerda ou da direita como é que, na era da globalização, se valorizam como ideias de justiça social e o verdadeiro desafio.
Não creio que o Kremlin olhe com muito interesse para o aniversário da Revolução. Não Pense falar de revolução porque tem medo dela e não pode reivindicar nada que seja útil para fortalecer a ideologia nacionalista.Orlando Figes

teresadesousa@publico.pt 

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