Powered By Blogger

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Alegações, acusações e contradições. À procura da verdade sobre Litvinenko

Litvinenko retratado num quadro de Dmitry Vrubel e Viktoria Timofeyeva, numa galeria em Moscovo 
Luís M. Faria 
20:52 Terça feira, 27 de janeiro de 2015
Alexander Litvinenko, ex-agente do KGB assassinado com polónio, terá sido envenenado mais do que uma vez. 
O inquérito começou em Londres - era exigido há anos pela viúva. 
A investigação promete complicar ainda mais as relações entre a Rússia e o Reino Unido.

Abriu esta terça-feira em Londres o inquérito público sobre a morte de Alexander Litvinenko. 
Quase dez anos após um crime que vitimou um inimigo de Vladimir Putin, o Estado britânico vai finalmente proceder a uma investigação prolongada, com audiências públicas e dirigida por um juiz. 
A polícia já antes tinha chegado a conclusões aparentemente sólidas, mas a extensão e solenidade de um inquérito público assumem um peso único.

Litivinenko foi morto de uma forma invulgar e horrível. 
No dia 1 de novembro de 2006, encontrou-se com outros dois russos - ex-espiões, tal como ele - no bar do Millennium Hotel em Londres. 
É um estabelecimento caro, muito popular entre os exilados desse país. 
Os três homens terão discutido negócios e beberam chá. 
Quando Litvinenko chegou a casa, sentiu-se mal.

Inicialmente, os médicos pensaram que não era nada grave e desvalorizaram a certeza que ele tinha de que fora envenenado. 
Gradualmente, porém, acabaram por aceitar que ele tinha razão. 
Mas só após a sua morte, três semanas depois, souberam qual era o agente fatal: um elemento raro chamado polónio-210. 
Descoberto pelo casal Curie em 1898, o polónio (cujo nome homenageia a pátria de Madame Curie) existe em doses muito pequenas na natureza. 
Para matar daquela forma, tem de ser produzido em versão sintética num acelerador de partículas ou num reator - ou seja, em instalações só acessíveis a alguns, poucos Estados. Em especial a Rússia, cujos reatores têm as características adequadas.

Enquanto agente assassino, o polónio tem vantagens importantes. 
A primeira é a de ser quase indetetável. 
Uma vez ingerido, atua rapidamente, emitindo radiações alfa que destroem órgãos como os rins, o fígado e a medula. 
É uma morte dolorosa, mas os vestígios do que a causou só aparecem se se for especificamente à procura deles. 
Com Litvinenko, valeu o conhecimento que ele tinha dos métodos do FSB (ex-KGB), bem como o próprio facto de ele, sendo uma pessoa forte, ter resistido muito mais tempo do que uma pessoa normal. 
Se a morte tivesse acontecido uma ou duas semanas antes, seguir-lhe o rasto teria sido mais difícil. 

Alegações, acusações e contradições

Nascido em 1962, Litvinenko era um ex-agente do FSB (ex-KGB). 
Desde os seus tempos no serviço, era próximo do magnata Boris Berezovsky, que começou por ser aliado de Putin - terá mesmo sido quem o recomendou ao então presidente Boris Yeltsin para dirigir os serviços secretos - antes de se desentender com ele. Quando os seus chefes lhe pediram que organizasse o assassinato de Berezovsky, não aceitou e fez queixa internamente. 
Perante a falta de resposta, denunciou o caso numa conferência de imprensa.

Demitido às ordens de Putin e a seguir preso, Litvinenko acabaria por fugir do país, ao que parece por via da Ucrânia. 
Chegou a Londres e pediu asilo, que lhe foi concedido com base em motivos humanitários. Também nesse país se tinha exilado o seu mentor Berezovsky, que ajudou financeiramente o ex-agente e a sua mulher, Marina, durante esse período.

Nos anos seguintes, Litvinenko multiplicou as denúncias contra o presidente russo. 
Acusou-o (ou ao FSB, sob as suas ordens) de ter orquestrado as explosões de apartamentos em Moscovo, pretexto para a segunda guerra da Chechénia, que fez explodir a popularidade de Putin em 1999, permitindo-lhe passar de primeiro-ministro a presidente. Acusou-o também de ligações ao crime organizado e à Al-Qaeda, de ter conhecimento prévio do sequestro da escola em Beslan, de envolvimento na morte da jornalista Anna Politkovskaya, de pedofilia... 
Algumas das alegações pareciam fazer sentido, outras não de todo. 
Mas o certo é que o ex-agente se havia tornado num entusiástico propagandista antiPutin, ao serviço de Berezovsky e por vontade própria.

Litvinenko também passara a trabalhar para o MI6 e para os serviços secretos espanhóis. O primeiro pagava-lhe um ordenado mensal, algo que anos mais tarde, quando foi conhecido, fez muitos russos pensarem que, mesmo no caso de ter sido Putin a ordenar a morte de Litvinenko, isso fora justificado. 
Em 2012, o próprio pai do ex-agente pediu desculpa pelas críticas que fizera ao Estado russo. 
Não as teria feito se soubesse que o filho trabalhava para o MI6, explicou. 

Três tentativas?

Quando as autoridades britânicas perceberam o que tinha morto Litvinenko, não perderam tempo. 
Traços de radioatividade foram encontrados no bar do Millennium e em quartos de hotel usados pelos dois russos com quem o ex-agente se encontrara, bem como nos aviões em que tinham viajado para Londres. 
Com essas provas, foi feito um pedido de extradição à Rússia, que naturalmente recusou cumpri-lo. 
Um dos alegados assassinos, Andrey Lugovoi, é atualmente deputado no parlamento russo.

Quem nunca cedeu na sua exigência de justiça foi Marina, a viúva. 
Ao longo dos anos, insistiu num inquérito público e não desistiu nem quando o governo britânico admitiu que motivos diplomáticos e de interesse público - as relações entre o Reino Unido e a Rússia - o impediam. 
Com a crise na Ucrânia, a atitude terá mudado. 
O juiz que inicialmente pediu o inquérito, Robert Owen, vai ser quem o dirige.

Nem todas as audiências serão públicas e algumas conclusões permanecerão secretas, por motivos de "segurança nacional". 
Mas é um momento importante para o sistema judicial britânico. 
Afinal, Litvinenko já se naturalizara cidadão do país na altura em que foi morto.   

No primeiro dia, o inquérito ouviu um advogado dizer que já teria ocorrido uma tentativa anterior de envenenamento, em outubro de 2006. 
Há quem fale em três tentativas.  

Sem comentários:

Enviar um comentário